05 Novembro 2018
Bolsonaro tenta mimetizar a linguagem e o estilo de Trump, mas parece se esquecer de que não está à frente de uma potência mundial.
O artigo é de Reginaldo Nasser, professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC-SP, integrante do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP) e pesquisador do INEU ( Instituto de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os EUA), publicado por CartaCapital, 04-11-2018.
Confirmando o que já havia anunciado durante campanha, o presidente eleito, Jair Messias Bolsonaro, declarou a um jornal israelense de direita, o Israel Hayoun, que o Brasil deverá transferir sua embaixada para Jerusalém. Com isso, o Brasil viria a se juntar aos EUA e a Guatemala, os dois únicos países da comunidade internacional que desobedeceram a Resolução 478 do Conselho de Segurança das Nações Unidas (agosto de 1980), que diz ser uma violação do direito internacional a manutenção de qualquer embaixada naquela cidade.
Em 5 de dezembro de 2017, contrariando não apenas o consenso da comunidade internacional, mas também décadas de política externa dos EUA, Donald Trump reconhecia Jerusalém como a capital do Estado de Israel, respaldando-se no Jerusálem Embassy Act, aprovado em 1995. Evidentemente, não se trata de uma questão puramente legal, nem muito menos de ordem estratégica, uma vez que tanto em governos republicanos (dois mandatos de Bush) como nos de democratas (Clinton e Obama) essa decisão sequer foi cogitada.
Na verdade, o motivo principal encontra-se numa articulação de poderosos setores lobistas nos EUA, envolvendo grupos evangélicos e sionistas que sustentaram campanha de Trump e mantém financiamento das eleições de meio de mandato agora em novembro.
Sheldon Adelson, de ascendência judaica, conhecido por seu explícito apoio ao governo de Netanyahu, ficou furioso em maio de 2017 com o então secretário de Estado Rex Tillerson, que protelou a decisão da transferência da embaixada, a depender do processo de paz na região. Adelson, um dos 20 homens mais ricos do mundo, doou cerca de 80 milhões de dólares para a eleição de Trump.
Mas, afinal de contas, o que representaria essa mudança diplomática? Alguns militantes palestinos, cansados da retórica dos democratas norte-americanos e de certos setores da comunidade internacional, chegaram a dizer que, com Trump, ao menos o processo de ocupação sistemática por parte de Israel ficaria mais transparente, dando maior visibilidade as ações militares israelenses que são praticadas à revelia da comunidade internacional. Mas aceitar a anexação ilegal de Jerusalém, principalmente a parte Oriental, legitimaria as ações ilegais de Israel, bem como a contínua expulsão da população palestina e a privação de direitos dos residentes da cidade.
Mesmo discordando frontalmente das ações do governo dos EUA em relação ao conflito Israel-Palestina é preciso levar em consideração que, apesar de ter custos políticos, econômicos e militares seriamente comprometidos devido a esse patrocínio de Israel, estamos falando de uma grande potência. Diferentemente de nosso “Trump brasileiro”, que apesar de mimetizar sua linguagem e estilo, não dispõe daquilo que é o princípio básico das relações internacionais: os recursos de poder.
A escolha da embaixada também é indicativa da inserção internacional do Brasil. É muito preocupante quando o presidente eleito justifica sua decisão afirmando que Israel é um Estado soberano e que, portanto, deve decidir sobre qual deve ser sua capital, e não outros povos. Mais do que a mudança da embaixada, a posição adotada é reveladora da forma pela qual o País deverá proceder em relação ao processo de paz, contrariando toda a história da política externa brasileira.
Em 8 de junho de 1967, durante Guerra dos Seis Dias, apenas algumas horas depois que as forças armadas israelenses capturaram uma parte de Jerusalém, o ministro da Defesa, Moshe Dayan, repreendeu as tropas que penduraram uma bandeira israelense no santuário de Al-Aqsa. Dayan pediu a um dos soldados para removê-la, era um ato desnecessariamente provocativo.
Aparentemente, o presidente eleito não se importa em saber que Jerusalém é uma cidade ocupada após um conflito armado, nem se interessa em saber também as razões pelas quais as potências ocidentais, mesmo os aliados incondicionais dos EUA, respeitam a decisão do Conselho de Segurança da ONU.
Ao que parece o capitão reformado Jair Messias Bolsonaro segue unicamente os passos do presidente Trump e sua base de apoio eleitoral que, de forma semelhante ao que acontece nos EUA, se respalda na articulação entre setores evangélicos e sionistas de direita no Brasil.
Em maio de 2017, o governo do Paraguai seguiu a decisão de Trump, transferindo sua representação diplomática de Tel Aviv para Jerusalém. Quatro meses depois, o governo do novo presidente, Mario Abdo Benítez, reverteu a decisão, causando forte reação do estado israelense.
O caso do Paraguai serve para nos mostrar que, independentemente da posição que venhamos a adotar em relação ao processo de paz de um dos conflitos mais longevos da história, a decisão denota falta de planejamento na conduta diplomática, com risco de o País ficar isolado perante a comunidade internacional.
Infelizmente, voltamos a uma das frases mais emblemáticas que caracterizaram a política externa brasileira após o golpe de 1964: “tudo o que é bom para os EUA é bom para o Brasil”. A diferença é que, em relação ao apoio a Israel, nunca os EUA estiveram tão isolados. De um lado estão os EUA, Guatemala e Brasil. De outro, os 190 países membros da ONU. Eis um sinal do governo que ainda não começou.
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Ao mudar embaixada para Jerusalém, o Brasil corre risco de isolamento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU