11 Agosto 2018
No imaginário ocidental, um campo de refugiados em uma nação de “terceiro mundo” como o Quênia significa miséria e carência implacáveis. Poucos imaginariam pessoas com um laptop alegremente se esforçando para conquistar diplomas avançados. Mas um número surpreendente de residentes está fazendo exatamente isso graças a um programa chamado “Jesuit Worldwide Learning” (algo como “Aprendizado Mundial Jesuíta” em português).
Cerimônia de formatura do programa de Aprendizado Mundial Jesuíta em julho de 2018 no Malaui.
(Foto: cedida pela Regis University / Fr. Don Doll, SJ.)
A reportagem é de Shannon Levitt, publicada por Crux, 10-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
A ideia é “proporcionar ensino superior equitativo e de alta qualidade a pessoas e comunidades à margem das sociedades”. Seu objetivo fundamental é ajudar a “criar um mundo mais pacífico e humano”.
Passaram pelo programa mais de 5.000 pessoas de lugares tão distantes quanto os campos de refugiados no Malauí, no Quênia, no Sri Lanka, no Afeganistão e no norte do Iraque. Eles vêm de mais de vinte países, incluindo novos países como o Sudão do Sul.
O padre jesuíta John P. Fitzgibbons, presidente da Regis University em Denver, retornou recentemente da entrega de diplomas no Malauí e no Quênia.
O programa, disse Fitzgibbons, é desafiador. Por um lado, os alunos são obrigados a concluir todo o curso em oito semanas. É feito em inglês o que, para alguns, é o quarto ou quinto idioma deles.
Para serem admitidos, os alunos têm que provar suas habilidades linguísticas com uma redação, então alguns daqueles cujo inglês não é tão bom podem se inscrever em programas de certificação em serviço comunitário e desenvolvimento e trabalho social.
Fitzgibbons diz que “quase por padrão, eles se tornam líderes no acampamento porque são realmente bem-formados”. Enquanto o currículo principal é em ciências humanas, ou, como costuma dizer, “é realmente um currículo básico jesuíta”, que coloca os alunos em um de dois caminhos. Ensinar e trabalho social são o resultado mais óbvio, mas empreender é o outro.
Muitos dos homens escolhem empreender, mas Fitzgibbons diz que as mulheres se dedicam cada vez mais ao empreendedorismo. Qualquer que seja o caminho que escolherem, disse ele, suas comunidades se beneficiam. A infraestrutura do acampamento depende de sua liderança e eles, muitas vezes, administram o sistema escolar. Mesmo que seja apenas em meio período, muitos graduados ensinam durante algum tempo.
Os graduados também iniciam negócios, pois a maioria dos países anfitriões desses campos de refugiados e pessoas deslocadas não permite o trabalho fora do acampamento. Sua engenhosidade está em exibição, pois eles precisam estabelecer sua própria economia e infraestrutura.
Como se pode imaginar, disse Fitzgibbons, os estudantes vivem em circunstâncias que não são necessariamente propícias ao aprendizado. Não há um campus universitário cercado por árvores com uma enorme biblioteca universitária silenciosa e contendo pilhas de livros. Em vez disso, estes são vastos campos com quilômetros a percorrer para chegar de um ponto a outro. Um dos locais visitados por Fitzgibbons foi o campo de Kakuma, no Quênia, onde, disse ele, “de 180.000 a 200.000 almas flutuam”.
“Pelo menos 10 países estão representados no campo, de todas as origens religiosas. Alguns são bem educados e outros não”, disse ele. "Existem tribos e comunidades que têm sido inimigos tradicionais que têm que viver bem ao lado um do outro."
No topo do conflito humano, tudo, desde o deslocamento até a eletricidade, pode ser um problema.
Felizmente, Fitzgibbons diz que a tecnologia se transformou nestes dez anos de laptops movidos a energia solar e computadores de mesa para tablets alimentados por energia solar que são onipresentes e muito portáteis. Como resultado, os alunos não precisam de uma grande biblioteca e de grandes edifícios com salas de aula enquanto os cursos são baixados e eles têm acesso às bibliotecas completas de Georgetown e Regis.
Cada acampamento também tem um “Centro Arrupe”, batizado em homenagem ao falecido Superior Geral dos Jesuítas pe. Pedro Arrupe, que tem um centro de redação equipado com tutores profissionais para atender os estudantes que são menos experientes em tecnologia, assim como aqueles que precisam de um pouco de ajuda escrevendo redações em inglês.
Talvez o maior obstáculo seja que existem 150 inscritos para cada assento. Como diz Fitzgibbons, "é muito mesmo".
Sem dúvida, os desafios são reais. Há também geradores no local para quando a energia cai, por exemplo, e eles estão melhorando as baterias nos tablets.
Os alunos se habituaram a dificuldades que um aluno ocidental não tem de enfrentar. No entanto, Fitzgibbons diz que não é algo que eles estejam interessados em falar.
"Eles são muito gregários. Eles não gostam muito de falar sobre suas dificuldades”, disse ele. "Eles carregam muitos fardos, qualquer um dos quais me faria desmoronar. Eles são pessoas resilientes e motivadas."
Uma nova questão que surgiu para o programa é a hostilidade da administração Trump em relação a refugiados e vistos, especificamente para aqueles que vêm de certos países de maioria muçulmana. Por exemplo, o caso de duas irmãs somalis que agora têm o diploma, as quais Fitzgibbons descreve como "estudantes verdadeiramente excelentes", e um benfeitor familiarizado com o programa que quer pagar todos os seus custos, mensalidades, alimentação e taxas, para que elas possam frequentar a Regis University em Denver.
No entanto, com as novas políticas, eles não conseguem obter vistos. Por isso, a Regis entrou em contato com sua escola irmã, Campion College da Universidade Regina, no Canadá, que, espera-se, poderá hospedar as irmãs.
Esses alunos têm 45 horas de crédito que podem ser usados em universidades de todo o mundo, mas está ficando difícil de fazer com que eles consigam entrar nos EUA. Fitzgibbons questiona a lógica de barrar pessoas que provaram seu valor repetidas vezes.
Fitzgibbons diz que não está preocupado com o programa no sentido estrito de ser terminado devido ao sentimento anti-migração ou qualquer coisa que os próprios países anfitriões possam fazer aos campos. Afinal, disse ele, "se você tem acesso à internet e a um computador, então o programa é menos vulnerável".
O objetivo é o reassentamento, porque os estudantes, como todos, “querem viver em um lugar seguro com dignidade humana e esperança”.
Os estudantes, disse ele, sentem um investimento no programa e um senso de propriedade. Uma de suas preocupações é que, embora os estudantes sejam “incrivelmente determinados, resistentes, resilientes, sobreviventes consumados… eu me preocupo com o reassentamento… eu me preocupo com o Ocidente realmente perdendo a oportunidade de entender como essas pessoas são boas”.
Fitzgibbons disse que, embora o programa use noções típicas de educação do Ocidente, eles o estão renovando constantemente para garantir que ele seja "flexível e cresça, se desenvolva e se adapte" ao que os alunos em diversos ambientes desejam e precisam.
Enfim, ele diz que o programa não quer perder o que eles têm a oferecer, acrescentando que os países ocidentais devem ter em mente o simples fato de que "eles têm muito a nos ensinar".
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Política dos EUA é obstáculo para jesuítas educarem refugiados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU