01 Agosto 2018
Na conclusão de sua tão esperada reunião no Vaticano ano passado, o Papa Francisco presenteou Donald Trump, entre outras coisas, com sua Encíclica "Laudato Si', sobre os cuidados para a nossa casa comum."
A reportagem é de Brian Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 31-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
O fato do Papa dar ao Presidente uma cópia de seu texto referência em ecologia de 2015— o primeiro documento papal inteiramente dedicado ao assunto — teve uma repercussão generalizada, visto como talvez uma mensagem não tão sutil de Francisco a Trump, que discutia dentro de sua administração se manteria ou não os Estados Unidos no Acordo de Paris sobre a mudança climática. (Ele não manteve.)
A escolha do tomo ambiental como um presente a Trump "divertiu e encantou" Jane Mellett, uma trabalhadora da pastoral paroquial da Arquidiocese de Dublin que assistiu às filmagens do encontro.
Mellett, 38, disse via e-mail: "Pensei para mim mesma: 'se o Papa te dá um documento para ler, penso que o mínimo que se pode fazer é lê-lo'".
Então a mulher irlandesa decidiu dar uma ajudinha ao Presidente americano.
À verdadeira moda pastoral, Mellett, que trabalha em duas paróquias de Dublin e é membro do Comitê Laudato Si' da Irlanda, decidiu ir de encontro a Trump, pelo menos no meio de comunicação preferido do Presidente: o Twitter.
"Se ele não ler Laudato Si', então vou tuitar a ele um parágrafo de cada vez", disse ela a si mesma.
No dia 31 de maio de 2017 — uma semana depois da reunião entre o Papa e o Presidente, um dia antes dele anunciar sua intenção de tirar os EUA do Acordo de Paris — Mellett tuitou para Trump pela primeira vez, compartilhando um vídeo de quatro minutos que resumia Laudato Si'. "É curto e rápido e dá um bom panorama do que é o documento", disse ela.
Mais tarde naquele dia, ela disse na rede social que iria levar a Encíclica e seus 246 parágrafos para o Presidente ao longo dos 11 meses seguintes.
Toda noite, o telefone de Mellett despertava às 22h00 (17h00, horário de Brasília) com um alerta: “Tweet Donald.”
Na maioria das vezes, ela compartilhou passagens inteiras da Laudato Si' referentes ao parágrafo determinado para o dia.
Outras, ela resumiu a ideia do parágrafo para caber no limite de 140 caracteres do Twitter.
(Nove meses depois de começar as postagens, quando estava no parágrafo 146, o Twitter deu a Mellett mais espaço para trabalhar quando dobrou o limite das postagens para 280 caracteres.)
De modo geral, os tuítes da Laudato Si' ao Presidente ganharam pouco engajamento e ficou bem aquém de alcançar o status de "viral". Ocasionalmente, algum tuíte provocou um punhado de "likes" e um ou outro retuíte aqui e ali. Trump não respondeu a nenhum dos cerca de 300 tuítes que Mellett enviou.
Mas isso não significa que outras pessoas não estavam acompanhando.
Quando Mellett chegou ao fim da Encíclica em 08 de maio — coincidentemente, no meio da mais recente Conferência do Clima da ONU em Bonn, Alemanha — uma colega do Comitê Laudato Si' da Irlanda, Kate Liffey, comentou: "esta tem sido uma viagem extraordinária. ... Que maneira única de trazer a luz de Laudato Si para a vida!"
Para Mellett, o exercício se tornou de fato uma forma única de se envolver com a encíclica ambiental.
"Foi quase uma forma de lectio, pois fazendo isso, certamente, aprendi mais sobre Laudato Si' a cada tuíte que enviei", disse ela.
"O documento é tão rico", continuou, "cada frase tem um peso de informação e é tão profundamente espiritual que você literalmente pode meditar sobre algumas passagens."
Para ela, as seções no Capítulo 1 sobre a biodiversidade e no Capítulo 4 sobre o exame da ecologia integral se destacaram e "realmente ajudaram a reacender [nela] aquele sentimento de temor e maravilha" que o Papa identificou como um ponto de partida para qualquer conversão ecológica.
Quanto à parte para qual ela chamaria a atenção de Trump, Mellett destacou o capítulo 5, onde Francisco convida a todos para um diálogo sobre possíveis abordagens e ações "que podem nos ajudar escapar da espiral de autodestruição que atualmente nos engolfa."
No início do capítulo (parágrafo 164) Francisco escreve, "um mundo interdependente não só nos torna mais conscientes dos efeitos negativos de determinados estilos de vida e modelos de produção e consumo que afetam a nós todos, como nos motiva a garantir que as soluções sejam propostas de uma perspectiva global e não simplesmente a fim de defender os interesses de alguns países. Interdependência nos obriga a pensar um mundo com um plano comum."
"Um consenso global é essencial", continuo, "para enfrentar os problemas mais profundos, que não podem ser resolvidos por ações unilaterais por parte de países individuais", listando entre os possíveis resultados de tal consenso, um maior desenvolvimento de energias renováveis, agricultura sustentável, melhor gestão marinha e florestal, e acesso universal à água potável.
"Será que Trump considerou as possibilidades de uma economia verde gerar muitos 'empregos verdes'?" pergunta Mellett, ecoando o Papa.
"Simplesmente desistir, se esconder atrás de muros e atirar pedras não ajuda ninguém", disse ela.
Em termos do papel dos Estados Unidos para enfrentar a mudança climática global, Mellett se refere novamente a Francisco em Laudato Si' sobre a responsabilidade adicional necessária "sobretudo, por parte dos países que são mais poderosos e poluem mais". O país de Trump é o maior poluidor de carbono global; atualmente, ocupa o segundo lugar nas emissões de gases com efeito de estufa, atrás de China, mas ainda primeiro em emissões de carbono per capta.
Quanto ao seu próprio país, Mellett chamou a recente votação na Irlanda que interrompeu os investimentos em combustíveis fósseis "uma história de enorme sucesso" na qual os católicos irlandeses em particular podem ter orgulho. Trócaire, a agência de desenvolvimento exterior da Igreja irlandesa, estava entre uma coalizão de organizações que fez lobby para que o governo tomasse medidas significativas a fim de enfrentar a mudança climática.
Mellet observou que a Irlanda tinha um triste histórico em relação à mudança climática — recentemente classificada como segunda pior na União Europeia sobre as ações do clima.
Outra ação irlandesa sobre a mudança climática pode vir no próximo mês durante o Encontro Mundial das Famílias, que será realizado de 21 a 26 de agosto em Dublin, em que Francisco estará presente nos últimos dois dias.
Um projeto chamado “Nossa Casa Comum” convida os participantes para uma conversa sobre o que está acontecendo com o mundo e que papel eles podem ter no cuidado da criação. Além de abrigar um espaço no jardim chamado “Laudato Si'” para orações, Nossa Casa Comum proporcionará oficinas educativas e está tomando medidas para "ecologizar" a reunião sobre a família na Emerald Island através da redução de seu impacto ambiental e limitando seus resíduos de acumulação. Além disso, os Bispos irlandeses pretendem determinar neste ano o Tempo da Criação (de 1º de setembro a 04 de outubro).
Mellett, que trabalhou no projeto durante todo o verão, acredita que a mensagem de cuidar da nossa casa comum pode resultar com desenvolvimento por parte da Igreja de uma voz de liderança — seja em pessoa, ou no Twitter — quando se trata da luta contra a mudança climática.
"Isso tem o potencial para deixar um duradouro legado na Igreja irlandesa", disse ela.
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Agente de Pastoral tuíta a Laudato Si' inteira para Trump, linha por linha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU