18 Abril 2018
"Por sua visão de salvação como libertação que acontece e se faz história, Medellín tornou-se a principal fonte inspiradora da Teologia da Libertação. No mundo, não existem duas histórias: a história humana e a história da salvação. A história humana é a história da salvação", escreve frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia (UFG).
A Introdução às Conclusões de Medellín afirma ainda: “O fato de a transformação a que assiste nosso continente atingir com seu impacto todos os níveis da existência, apresenta-se como um signo e uma exigência”.
E continua: “Nós, cristãos, não podemos deixar de pressentir a presença de Deus, que quer salvar o ser humano inteiro, alma e corpo. No dia definitivo da salvação Deus ressuscitará também nossos corpos, por cuja redenção geme agora em nós o Espírito com gemidos indescritíveis. Deus ressuscitou a Cristo e, por conseguinte, todos os que creem nele. Através de Cristo, ele está ativamente presente em nossa história e antecipa seu gesto escatológico não somente no desejo impaciente do ser humano para conseguir sua total redenção, mas também naquelas conquistas que, como sinais indicadores, com voz cada vez mais poderosa, do futuro, vai fazendo o ser humano através de uma atividade realizada no amor”.
Fazendo a memória do passado, lembra-nos: “Assim, como outrora Israel, o antigo Povo, sentia a presença salvífica de Deus quando ele o libertava da opressão do Egito, quando o fazia atravessar o mar e o conduzia à conquista da terra prometida, assim também nós: novo Povo de Deus não podemos deixar de sentir seu passo que salva, quando se diz o ‘verdadeiro desenvolvimento, que é, para cada um e para todos, a passagem de condições de vida menos humanas para condições de vida mais humanas’”.
A Introdução enumera, pois, essas condições. Menos humanas: “as carências materiais dos que são privados do mínimo vital e as carências morais dos que são mutilados pelo egoísmo; as estruturas opressoras que provenham dos abusos da posse do poder, das explorações dos trabalhadores ou da injustiça das transações”.
Mais humanas: “a passagem da miséria para a posse do necessário, a vitória sobre as calamidades sociais, a ampliação dos conhecimentos e a aquisição da cultura; o aumento na consideração da dignidade dos demais, a orientação para o espírito de pobreza, a cooperação no bem comum e a vontade de paz; o reconhecimento, por parte do ser humano, dos valores supremos e de Deus, que deles é a fonte e o fim; e em especial, a Fé, dom de Deus acolhido pela boa vontade dos seres humanos e a unidade na caridade de Cristo, que nos chama a todos a participar como filhos na vida de Deus vivo, Pai de todos os seres humanos”.
Reparem a profundidade e atualidade das reflexões: as conquistas que “o ser humano vai fazendo, através de uma atividade realizada no amor”, são “sinais indicadores” de salvação, que antecipam o “gesto escatológico” de Cristo. E também: como outrora o antigo Povo de Deus sentia a “presença salvífica” de Deus na libertação da opressão do Egito e na conquista da terra prometida, assim também nós, novo Povo de Deus, não podemos deixar de sentir “seu passo que salva”, quando se diz o “verdadeiro desenvolvimento”, que é, para cada um e para todos, a passagem (= páscoa) de condições de vida menos humanas para condições de vida mais humanas”.
A visão de salvação de Medellín supera todo tipo de dualismo e abrange o ser humano no mundo, na totalidade de suas dimensões e relações: com o mundo (a criação), com os outros (os semelhantes) e com o Outro absoluto (Deus). Segundo essa visão, a salvação acontece no processo histórico de libertação - que é um processo permanente - de tudo o que impede a vida. A salvação é, pois, a realização, dentro do plano de Deus, do ser humano em sua história pessoal, social e cósmica, até à plenitude na meta-história. Nisso consiste o sentido da vida do ser humano e sua felicidade.
Diz o Concílio Vaticano II: “Aprouve a Deus salvar e santificar os seres humanos, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em Povo que o conhecesse na verdade e o servisse santamente” (Sobre a Igreja - LG, 9).
Por sua visão de salvação como libertação que acontece e se faz história, Medellín tornou-se a principal fonte inspiradora da Teologia da Libertação. No mundo, não existem duas histórias: a história humana e a história da salvação. A história humana é a história da salvação.
Qual é a visão de salvação (visão teológica mesmo) que nós - como Igreja - temos hoje? Será que é a de Medellín? Que ação evangelizadora e que prática pastoral são necessárias para sentirmos a “presença salvífica” de Deus ou “seu passo que salva” nas lutas de libertação hoje? Mais uma vez, pensemos!
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Medellín em gotas. 5ª - Verdadeiro desenvolvimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU