16 Fevereiro 2018
“Outro autor que ajuda a uma profunda e competente revisão da teologia eucarística é Claudio Ubaldo Cortoni, monge camaldulense e professor de Sacramentária Medieval no Pontifício Ateneu Sant’Anselmo. Ele é autor de “Habeas corpus”. Il corpo di Cristo dalla devozione alla sua umanità al culto eucaristico (sec. VIII-XV) [Habeas corpus. O corpo de Cristo da devoção à sua humanidade ao culto eucarístico] (Studia Anselmiana, 170, Roma, 2016)”, escreve o teólogo italiano Andrea Grillo, em seu blog Come Se Non, 11-02-2018.
“Aqui abaixo – continua Grillo – publico uma intensa síntese de seu trabalho, que o próprio Cortoni escreveu para esta ocasião. Agradeço-lhe de coração por este texto.” A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No distante 1960, Karl Rahner, durante uma conferência proferida a um grupo de teólogos católicos e protestantes, perguntou-se, na conclusão de seu discurso, o que restou de obscuro e aberto à discussão sobre a presença de Cristo no sacramento da Ceia do Senhor.
Naquela ocasião, Rahner subdividiu a reflexão conclusiva em cinco breves pontos, reservando ao último, o quinto, o convite a retomar nas mãos o estudo da história do dogma da presença real, partindo das novas aquisições patrísticas e medievais [1]:
“A história do dogma da qual nos ocupamos [a presença de Cristo no sacramento da Ceia do Senhor] foi relativamente bem investigada. O material patrístico e medieval está à disposição. Não se poderia retomá-lo mais uma vez para ver se não é possível fazer algumas perguntas esclarecedoras àquelas simples descrições mortas que nos fazem conhecer o caminho que a teologia percorreu, para chegar à situação em que a teologia comumente se encontra hoje? Isso não para tornar novamente obscuro aquilo que já está claro, aquilo que, desde então, já foi definido.”
Rahner abre uma estrada de pesquisa cativante, mas bastante difícil: em primeiro lugar, seria preciso reconsiderar o termo “realidade”, que, para boa parte da Idade Média, era desconhecida aos teólogos envolvidos nas controvérsias eucarísticas, em relação ao qual se preferiu recorrer à “verdade”.
Mas tanto “realidade” quanto “verdade” são ambos substantifs abstraits de qualité [2], portanto, são, sim, substantivos, mas abstratos, que designam uma qualidade; a pergunta, então, é: quem é a res de realitas e o verum da veritas?
Responder a essa pergunta significa reconsiderar também o termo “presença”, pois presença real é presença de uma certa res, ou estar presente in veritate significa que tudo depende do verum que fundamenta a veritas.
Quem aprofundou tal assunto, na primeira Idade Média, foi Pascásio Radberto, que não hesitou, no seu tratado sobre a eucaristia, de identificar o verum com o Cristo e a veritas com o conteúdo cristológico de Calcedônia. Pascásio fundamenta o seu fisicismo eucarístico no monopersonalismo cristológico desenvolvido pelos teólogos carolíngios e que foi confirmado no Sínodo de Cividale del Friuli em 795, para conter o tardio adocionismo que, da Espanha mozárabe, corria o risco de encontrar um solo fértil além de suas fronteiras.
Pascásio agiu de boa-fé, querendo reiterar “como” em Cristo se realizou a salvação do homem, realizada como verdadeiro Deus e verdadeiro homem, e que, na eucaristia, estava presente esse mistério em sentido histórico. Mas ele já era incapaz de distinguir entre corpo histórico e sacramental, sem que este último fosse entendido apenas como imagem. A objeção que lhe foi levantada não era totalmente óbvia: cada consagração deve ser considerada, então, como uma encarnação?
No que diz respeito ao termo res, por sua vez, o sentido nunca se afastou do cristológico alto-medieval, mas lentamente encontrou um espaço específico em uma realitas que não se detinha mais apenas no corpo de Cristo, mas, como afirma Anselmo d’Aosta, dizia respeito a toda a dispensatio Christi, isto é, ao sentido soteriológico do corpo de Cristo: encarnação, paixão, morte e ressurreição.
Anselmo antepunha a dispensatio Christi a toda possível discussão possível sobre a matéria e a forma do sacramento, porque elas pertencem às sensibilidades humanas, isto é, aos diversos costumes das Igrejas, e ele dizia isso em relação ao debate que nasceu em torno do uso dos ázimos entre os latinos, hábito então abominado pela Igreja bizantina.
Toda diferença para Anselmo era admissível se, no centro da celebração, estivesse a memória da dispensatio Christi. O verum de Pascásio e a dispensatio Christi de Anselmo levantam o primeiro problema verdadeiro no estudo da interpretação da eucaristia na Idade Média: qual cristologia e, portanto, qual soteriologia está na base da eucaristia?
A crise dos ázimos é contemporânea à segunda controvérsia eucarística do século XI, que, mais do que resolver o problema da presença real, produziu uma definição de sacramento em geral que seria a adotada oficialmente pela Igreja no século XIII.
Berengário de Tours, pai dessa definição, recupera a interpretação agostiniana de sacramento da tardia idade carolíngia, não dedutível diretamente dos escritos de Agostinho, mas da leitura de Alcuíno e Ratramno, o grande opositor de Pascásio.
A partir de ambos os autores alto-medievais, Berengário entende que, primeiro, deve ser definido o sacramento em geral, para depois poder entender o sacramento eucarístico, convencido de que, na interpretação da eucaristia, não era possível decidir ou apenas por uma leitura fisicista, isto é, por uma realidade imediata do corpo histórico, ou unicamente por uma redução à figura, isto é, por uma realidade do corpo mediada por uma imagem, mas que um novo equilíbrio devia ser buscado.
O mestre de Tours, apesar das duas condenações, que reprovavam sua interpretação eucarística em favor do fisicismo pascasiano, tornou-se a fonte primeira, senão única, de Pedro Lombardo, que, por sua vez, representou a autoridade teológica adotada e oficializada por Inocêncio III.
Portanto, a heterodoxia nunca pode ser excluída do processo que leva a uma formulação dogmática, mas é a interlocutora sem a qual o processo teológico não teria êxito: Ratramno de Corbie e Berengário de Tours se interrogam em torno de um termo que entraria muito tarde na discussão em torno dos sacramentos, o símbolo, isto é, a possibilidade de conectar veritas-realitas e figura-imago.
Inocêncio III, que recupera e torna ortodoxo aquilo que nunca se teria esperança de ser aceito antes, representa, com seu tratado sobre a missa, uma ponte entre os comentários litúrgicos que o precederam e as Summae, que se seguiriam à entrada de Pedro Lombardo na teologia oficial da Igreja. Não se trata apenas de uma mudança de estilo, de uma nova forma assumida pela teologia, mas sim de uma nova pergunta que era feita ao sacramento eucarístico: a pergunta não é mais sobre o “quem”, isto é, sobre o corpo histórico ou sacramental de Cristo, mas sobre o “como” aquele corpo estava naquelas duas espécies.
Assim, o termo “transubstanciação” foi suplantando todo um léxico que, nos séculos anteriores, havia se formado em torno da consagração das espécies eucarísticas, talvez criando ordem, mas empobrecendo a reflexão teológica. Isso representou uma mudança epocal na interpretação da eucaristia: pela primeira vez, o sacramento do corpo e do sangue de Cristo ia se emancipando do rito, para assumir uma vida própria.
Até o século XII, de fato, era proibido adorar ou, melhor, contemplar o pão eucaristizado, já que o ápice da celebração era a comunhão: “Do seu corpo, temos o corpo que fundamenta o nosso corpo”, isto é, do corpo que operou a salvação, temos aquele corpo-sacramento que fundamente o corpo da Igreja. Nasce, então, aquela devoção ao corpo de Cristo, que afunda suas raízes na mais antiga devoção à humanidade de Cristo.
Portanto, talvez até o termo “transubstanciação”, fortemente ligado à entrada da matéria e da forma no discurso sacramental, nada mais seja do que a tentativa de responder a um problema cristológico trinitário com os instrumentos da Escolástica.
Nessa direção, o caso mais importante é representado pela extensão da festa de Corpus Domini [Corpus Christi] a toda a Igreja, com a bula Transiturus, de 1264, que apenas a uma leitura superficial pode parecer a confirmação de Urbano IV à devoção eucarística de Juliana de Liège.
De fato, Urbano IV, na bula, repassa toda a história da dispensatio Christi, ligando a presença real de Cristo ao memorial da salvação realizado através da vera caro, mas, sobretudo, remetendo o pensamento teológico ao “quem” salvífico, para depois compreender o que o Senhor realizou pela salvação do mundo e qual é a missão do Salvador, isto é, como o Cristo oferece, todos os dias, a salvação aos fiéis. Perguntas às quais os próprios cátaros, com uma cristologia dualista que negava a natureza humana em Cristo, queriam responder.
Foi combatendo a cristologia dos cátaros e de outras correntes heterodoxas que se desenvolveram a partir do século XII que tomou forma o setenário sacramental e um novo modo de demonstrar com a doutrina da transubstanciação como Cristo salvou o mundo como verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Portanto, não nos detenhamos no “como”, mas remetamos a pergunta sobre a eucaristia, no longo período medieval, à pergunta sobre o “quem”, para não cair no fisicismo ingênuo, e recuperar a dinâmica celebrativa da eucaristia com a comunhão dos fiéis no centro.
1. K. Rahner, “La presenza di Cristo nel sacramento della cena del Signore”. In: Saggi sui sacramenti e sulla escatologia, p. 216-217.
2. Cf. C. Kircher-Durand (org.). Bibliothèque d’ètudes classiques. Grammaire fondamentale du latin, IX, Crèation lexicale: la fomation des noms par dérivation suffixale. Louvain-Paris-Dudley: Peeters, 2002, p. 225-305.
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Nova teologia eucarística: Habeas corpus. Artigo de Claudio U. Cortoni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU