31 Janeiro 2018
Todos os dias, por volta de 7h, quase 400 venezuelanos recém-chegados ao Brasil fazem fila na porta da Polícia Federal em Boa Vista.
A reportagem é de Thais Bilenky, publicada por Folha de São Paulo e reproduzida por amazonia.org.br, 29-01-2018.
Muitas vezes desinformados, esperam os portões abrirem para tentar algum tipo de documentação que lhes permita trabalhar no Brasil. O sol equatorial às 8h já está impiedoso, e crianças começam a chorar no colo de suas mães.
Em 2016, no início da onda migratória de venezuelanos para o Brasil em consequência da crise sociopolítica em seu país natal, homens em idade produtiva eram maioria. Hoje, famílias inteiras aportam com uma ou duas malas e poucas perspectivas.
No dia 18 de janeiro, Lilian Ramos, 31, era uma das primeiras na fila da PF. Estava com a filha em um carrinho de bebê, o marido e mais quatro parentes. De Cumaná, no norte da Venezuela, a Boa Vista, demoraram três dias, dois dos quais dormindo na estrada já em solo brasileiro enquanto esperavam carona.
Ramos chegara três meses antes. Trabalhando como babá, juntou dinheiro para trazer a família, que por ora dorme na casa da patroa dela. Mas a estadia é temporária, e ela não sabe para onde se mudará. “Não tenho como pagar uma casa.”
Na mesma fila, dezenas de pessoas não tiveram hospedagem para o primeiro dia, carona na estrada nem trabalho. A consequência é visível em esquinas, praças, calçadas de lojas, bancos e supermercados de Boa Vista.
Cerca de 40 mil venezuelanos estão na capital de Roraima, nas contas da prefeitura -mais de 10% da população da cidade, de 330 mil habitantes. Sem assistência, não conseguem custear passagens para outros Estados com maior oferta de trabalho.
Os sistemas municipais de saúde e educação estão exauridos, os dois abrigos estaduais, superlotados há meses, e o fluxo só aumenta.
Em 2017, 600 crianças foram matriculadas em escolas municipais, 32 mil venezuelanos foram atendidos em unidades básicas de saúde e 277 famílias venezuelanas receberam Bolsa Família.
A Polícia Federal e o Ministério da Justiça são vagos ao responder sobre o contingente de venezuelanos morando no Brasil e em que status (como refugiados ou com autorização temporária).
Em 2016, diz a PF, entraram em Roraima por via terrestre 57 mil venezuelanos e saíram 47 mil -saldo de 10 mil. Em 2017, entraram 71 mil e saíram 29 mil -saldo de 42 mil.
Ainda que não se possa afirmar que a diferença reflita o número de venezuelanos morando no Estado (uma mesma pessoa pode ter entrado várias vezes), as estatísticas atestam o “boom”.
De acordo com o Ministério da Justiça, os pedidos de refúgio de venezuelanos saltaram de 3.356 em 2016 (16 atendidos) para 17.865 no ano passado (nenhum atendido).
“Não há controle na fronteira. A verdade é que você não sabe quem entra”, diz a prefeita Teresa Surita (MDB). “A gente procurou o governo federal 500 milhões de vezes. Eles não querem mexer com isso, porque existem relações diplomáticas. Estamos tão distantes que as pessoas não têm noção da dificuldade que enfrentamos. Quando não se vê o problema, faz-se de conta que ele não existe.”
A progressão do êxodo é geométrica. Segundo a prefeitura, um ano atrás, havia poucos milhares de venezuelanos na cidade. Em outubro de 2017, já eram 25 mil. A expectativa é que até julho sejam 55 mil. “É uma bomba-relógio, diz Surita.
Nesse cenário, a xenofobia se acirra. Nos semáforos mais movimentados, 30 a 40 venezuelanos limpam vidros dos carros, dois ou três por automóvel. Aumentaram os furtos, assaltos e homicídios envolvendo venezuelanos, tanto como vítimas quanto como perpetradores.
“A gente fica receosa. Nunca teve gente pedindo aqui, revirando lixo. Sinto muita pena, a gente ajuda como pode, mas ajudar todo mundo não dá”, afirma a administradora Luciana Neiva, 46.
Em nota, o governo federal informa que “tem promovido apoio técnico e financeiro a Roraima para assegurar a regularização dos imigrantes e a proteção social […]”.
Segundo o governo Temer, foram repassados R$ 793 mil para abrigos e 82 toneladas de alimentos, além da promoção da “ampliação da capacidade para atendimento em saúde, com o repasse de R$ 42,4 milhões, e reforço da capacidade de atendimento da PF para solicitações de refúgio e residência temporária”.
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Sem estrutura, Boa Vista já acolhe mais de 40 mil venezuelanos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU