16 Setembro 2017
Em Sociología de la felicidad (Editora Biblos), Cecilia Arizaga explora três fenômenos da vida contemporânea: a ideia de comunidade e a construção de um nós nas urbanizações fechadas suburbanas, torres exclusivas e bairros “distintos”, o cultivo da sensibilidade no âmbito doméstico e o consumo de psicotrópicos como modo para sustentar um estilo de vida baseado na concorrência. Segundo sua pesquisa, são recursos mediante os quais as classes médias tentam gerir a incerteza, própria desta etapa do capitalismo.
A entrevista é de Ines Hayes, publicada por Clarín-Revista Ñ, 14-09-2017. A tradução é do Cepat.
No livro, você sustenta que vivemos na gestão da incerteza. Como se explica esta afirmação e quais são as ferramentas às quais recorrem, sobretudo, as classes médias para sobreviver? É interessante o que conta sobre como viviam nossos pais e avós e vivemos nós...
Nós que passamos nossa infância nos anos 1960 e 1970 fomos criados por nossos pais de acordo com o mundo de nossos avós para transitar uma vida adulta no mundo de nossos filhos. Fomos criados com as regras de um capitalismo que fazia do planejamento e a obediência a regra para nos mover em uma nova ordem regida pela instabilidade e o peso de uma demanda constante para a pessoa. A partir daí, pergunto-me quais são as emoções e as sensibilidades que nos definem como homens e mulheres de hoje e de que modo as gerimos. Meu trabalho se centra nos setores médios profissionais da Área Metropolitana de Buenos Aires (AMBA) e, por isso, tomo três consumos que formam estilos de vida legitimados dentro deste setor social e analiso como emergem como recursos reparadores da incerteza, a partir de valores e imaginários associados à ideia de bem-estar e qualidade de vida. A esse processo chamo de a gestão da incerteza: o modo como as pessoas, através dos sentidos que dão às suas práticas, encontram recursos estratégicos para compensar os custos sociais e subjetivos das novas regras do capitalismo.
O que significa a noção de “management do eu”, conceito do mundo gerencial, aplicado à sociologia?
Dentro das novas regras do mundo do trabalho, as competências pessoais, emocionais, o que se costuma chamar “a atitude”, adquirem um grande protagonismo. São novas demandas que promovem o desenvolvimento de uma forma específica de gerir as emoções e competências necessárias para se mover exitosamente de acordo com as regras que se expandem do mundo empresarial ao mundo da vida das pessoas (família, vida social, área das emoções). A ideia de “management do eu” fala de um indivíduo que se autoconstrói e autocontrola de acordo com estas demandas, a partir de certos recursos que o mercado lhe provê.
Quem são “os comunitários”, quando surgem e como vivem?
No livro, construo uma tipologia de modos de gestão da incerteza associados a ideias de bem-estar: os sensíveis, os autocontrolados emocionais e os neoconservadores culturais, conceito que tomo de Richard Sennett. Relaciona valores conservadores no cultural, como a homogeneidade social, com os valores de mudança que regem a vida do trabalho. Dentro destes últimos, “os comunitários” são aqueles que a partir da escolha de viver em urbanizações fechadas, cristalizam valores de segurança, homogeneidade social e ascensão social a partir da construção da ideia de comunidade como recurso compensatório frente à incerteza que os assedia. Não estamos falando de classes sociais consolidadas, mas, sim, que sua ascensão social e o que chamo seu “imaginário de chegada” é precário, pode se desmoronar diante de qualquer iminente demissão ou passo errado. Neste contexto, a segurança ontológica do nós comunitário se torna um nicho de certeza. Sua emergência está intimamente vinculada a processos socioeconômicos resultantes das políticas neoliberais que se deram progressivamente, aqui e no mundo, e que atingem seu apogeu nos anos 1990.
Como se dá a passagem da “casa eficiente” dos anos 1950 à “casa psicologizada” da atualidade?
A casa psicologizada responde a outro dos tipos ideais que analiso: o sensível-cosmopolita. Seus valores resultam antagônicos com os do comunitário no que diz respeito ao modo de gerir a incerteza e a busca do bem-estar. Seus valores estão associados ao desenvolvimento de um capital emocional, a um cultivo da sensibilidade que está fortemente associado a um desenvolvimento de certo capital cultural, simbólico. Por isso, também as barreiras sociais que colocam em jogo são muito mais sutis que as do comunitário, se trata de uma distinção social dulcificada, suavizada, pelo simbólico. O capital emocional demanda certo capital cultural que habilite o saber ler o que chamo de “a sofisticação do simples” que contém determinados consumos e produtos culturais que são próprios deste tipo e no qual destaco “a casa psicologizada”, que se define por uma exacerbação do eu, uma explosão do eu, no modo de ambientar e viver a casa.
A casa psicologizada é também tecnologizada?
Aí, a moradia passa a ser um reflexo do que Anthony Giddens chama de o projeto reflexivo do eu. Aparecem valores ligados à autenticidade (volta às fontes, ao simples, ao artesanal, não serial) e ao cultivo da boa vida, onde confluem ideais de busca de si mesmo, hedonismo e sofisticação. Ao ressaltar o sensível, se separa dos ideais tecnocráticos de meados do século XX, quando os eletrodomésticos vinham para simplificar a vida da dona de casa moderna, ainda que na casa psique o móvel da avó conviva com os últimos avanços tecnológicos.
De que maneira se relaciona o autocontrole das emoções com a medicalização da vida cotidiana?
Chamo o terceiro tipo que analiso de autocontrolados emocionais e se associam com valores de rendimento e autocontrole emocional para a conquista da performance social. A competência, no sentido de ser competente e de competir, frente às demandas sociais (ser proativo, gerar projetos, flexível para se adaptar às mudanças), é o eixo central deste grupo. Para não entrar em colapso nessa tentativa, tornam-se necessários diversos dispositivos que contribuam para a gestão do eu e a manutenção dos padrões requeridos. Neste sentido, ocorre um processo de medicalização da vida cotidiana, pelo qual os medicamentos psicotrópicos vêm oferecer uma resposta rápida e eficaz a um indivíduo sobrecarregado pelas demandas sociais. A medicalização é a resposta just in time de um sujeito impaciente para solucionar seu mal-estar diante das demandas e um sistema de saúde que tampouco dispõe de tempo para lhe oferecer.
Como convive a incerteza com a busca da felicidade?
A felicidade se tornou um mandato social a mais. Condensa muitas das demandas que a sociedade nos impõe hoje em relação a ser competentes no plano trabalhista, familiar, social e pessoal. Estas demandas se dão em um mundo no qual as instituições que nos moldavam perdem peso, ao mesmo tempo em que se impõe o ideal de “ser você mesmo”. Trata-se de uma autonomia e uma demanda de autenticidade que é imposta ao indivíduo e a sofre quando o que traz é desamparo, incerteza e vulnerabilidade. Por isso, o que me interessou trabalhar é o modo como estes três consumos e os tipos ideais que construiu a partir deles representam tentativas de compensar a incerteza e conseguir mais que a felicidade, pequenos nichos de certeza e bem-estar que tornem mais vivível a vida cotidiana.
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A felicidade como um mandato social - Instituto Humanitas Unisinos - IHU