15 Setembro 2017
"É possível enfrentar o desemprego sem aumentar a precarização do trabalho, com investimento público que dinamize a economia e promova a distribuição da renda, privilegie a inserção ocupacional de qualidade, os ganhos reais de salários e a ampliação da proteção ao trabalhador, criando uma espiral positiva", afirmam Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese, e Patrícia Pelatieri, coordenadora de Pesquisas e Tecnologia da Informação, em artigo publicado por Teoria e Debate, edição 164, 13-09-2017.
Em 2017, a crise econômica brasileira ingressou no terceiro ano, acumulando perda de 9,1% do PIB per capita e mais de 14 milhões de desempregados, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O país “patina” na recessão, sem conseguir consolidar alguma base que permita reação. As medidas adotadas pelo governo Temer e seus apoiadores, de aprofundamento das políticas de ajuste, desmonte da estrutura produtiva e venda de patrimônio, sustentadas pelo discurso de “Estado mínimo”, e a aplicação de uma agenda liberalizante, como a das reformas, rejeitada em quase todo o mundo, têm levado a economia brasileira a retroceder a indicadores dos anos 1990, como ocorre com o mercado de trabalho.
Na Pesquisa de Emprego e Desemprego (Dieese/Seade/parceiros regionais), realizada em três regiões metropolitanas e no Distrito Federal (DF), as taxas de desemprego continuam altas, com algumas diferenças. Entre os jovens, o desemprego aumentou em quase todas as regiões pesquisadas, na comparação de doze meses, atingindo 48,7% na Região Metropolitana (RM) de Salvador e 42,9% no DF. Na RM de Porto Alegre, houve redução de 23,7% para 22,8% (-0,9%). Ainda que em menor proporção, a taxa de desemprego para a faixa dos 25 a 39 anos de idade elevou-se nas quatro áreas. A taxa de desemprego para as mulheres também cresceu em todas as regiões, com destaque para Porto Alegre, onde aumentou 1,2%. Já para os homens, ficou praticamente estável nas RMs de Salvador e Porto Alegre. A taxa de desemprego dos chefes de família teve queda na região de Salvador, mas apresentou alta nas demais, sinal de grande preocupação, uma vez que, diferentemente das mulheres e dos jovens, os chefes de família (maior proporção de homens com idade média e escolaridade mais altas) não sofrem com discriminação no mercado de trabalho.
No geral, nas regiões pesquisadas pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) e Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), a taxa de desemprego praticamente dobrou em relação a janeiro de 2015 e impactou todos os segmentos populacionais (gráfico 1).
A taxa de desocupação (desemprego), medida pelo IBGE por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)1, registrou queda no trimestre maio-julho de 2017 e contabilizou 12,8%, o que representa redução de 0,8 ponto percentual em relação ao trimestre fevereiro-abril (13,6%). Na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior (maio-julho de 2016, a taxa ficou em 11,6%), registra-se elevação de 1,2% ponto percentual, ou seja, eram 13,3 milhões de desempregados em julho deste ano contra 11,8 milhões do ano passado (gráfico 2).
Embora bastante festejado, o resultado sinaliza muito mais uma acomodação do desemprego em patamares muito elevados do que retomada consistente da geração de postos de trabalho.
Vários são os fatores que dão sustentação a essa afirmativa: (1) até 2014, a taxa de desemprego medida pela Pnad/IBGE apresentava retração no segundo trimestre, movimento também observado pela PED, do Dieese/Seade. Portanto, são grandes as probabilidades de que esse movimento seja apenas a recuperação de um comportamento sazonal, visto que, no segundo e terceiro trimestres de cada ano, a atividade econômica ganha um pouco mais de força; (2) a taxa de desocupação, medida pelo IBGE, contempla apenas o desemprego aberto2. À medida que o desemprego se torna crônico, entretanto, outras formas de desemprego, ocultas pela intermitência da procura de trabalho ou pela concomitância com ocupações temporárias (bicos), começam a aparecer. Então, o desemprego medido pela PED, embora não tenha a cobertura nacional apresentada pela Pnad/IBGE, retrata um quadro proporcionalmente pior, com desocupação mais intensa; e (3) o desemprego, que começou a se estabelecer a partir da crise institucional instalada no Brasil, na passagem de 2014 para 2015, é persistente e de longa duração.
Como constata a PED, o tempo médio gasto pelos desempregados na procura por trabalho, desde 2015, vem aumentando em todas as regiões, continuamente. Na RM de Salvador, atingiu sessenta semanas em junho (duas semanas a mais que no mês anterior e nove a mais em relação junho de 2016) e, nas RMs de Porto Alegre e São Paulo, ficou em 43 e 37 semanas, respectivamente (período igual ao do mês anterior, nos dois casos, mas, na comparação com junho de 2016, aumento de oito semanas em São Paulo e de cinco em Porto Alegre). A duração do desemprego, ou seja, o tempo médio que o trabalhador leva para conseguir uma ocupação é importante indicador da intensidade e profundidade da crise, uma vez que ficar na situação de desemprego é estar afastado da vida social e se manter alheio da construção social. Ademais, quanto maior o tempo de desemprego, maior a dificuldade de manter a reprodução básica do indivíduo e da família.
Tão grave quanto o elevado desemprego é a constatação de que os poucos postos de trabalho gerados são, na maioria, precários, ou seja, a pequena queda na taxa de desocupados acontece graças ao aumento do trabalho autônomo, por conta própria e dos assalariados sem carteira assinada. No último trimestre, segundo a Pnad/IBGE, o número de empregados sem carteira assinada no setor privado cresceu 4,6% no número, e o de trabalhadores por conta própria, 1,6%. O trabalho doméstico ficou estável e as atividades responsáveis pelo aumento do emprego nos primeiros meses do ano – agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura – apresentaram queda de 8% no número de ocupados nesse trimestre (maio-julho). E, mais preocupante, o emprego com carteira assinada no setor privado caiu 2,9%.
Outro indicador importante para essa análise é o rendimento. O “rendimento médio real habitualmente recebido em todos os trabalhos” foi de R$ 2.106,00 no trimestre maio-julho de 2017, valor levemente menor do que o verificado no trimestre anterior, quando ficou em R$ 2.111,00. Apenas os trabalhadores com carteira de trabalho assinada tiveram aumento do rendimento médio (3,6%), o que sugere que o resultado geral de estagnação é consequência da queda dos rendimentos entre as outras categorias de emprego, como a dos trabalhadores sem carteira, por conta própria e as domésticas, que, além de vínculos de trabalho precários, também tiveram redução média dos rendimentos.
Assim, o tipo de emprego gerado – além de ser insuficiente para que a taxa de desocupação retorne aos patamares anteriores à crise – ocorre com o aumento da precarização dos vínculos e maior instabilidade nos fluxos de rendimento do trabalho.
Essa situação tem impactos terríveis no curto e no longo prazo, para os trabalhadores e para a retomada do crescimento. No curto prazo, o trabalhador não tem acesso aos direitos trabalhistas (que ainda restam), como o 13º salário, férias remuneradas, garantia de data-base, seguro-desemprego, FGTS etc. No longo prazo, os trabalhadores informais ou por conta própria, que, em geral, não contribuem com a Previdência Social, terão dificuldades para se aposentar. O fato de o aumento da ocupação estar acontecendo por meio do trabalho precário tem provocado impacto inclusive sobre a receita da Previdência Social, ampliando o desequilíbrio do sistema.
Também a perda salarial afeta diretamente a arrecadação do governo (o que já vem acontecendo), já que a estrutura tributária brasileira é fortemente concentrada em tributos e contribuições baseadas no consumo e nos salários (estrutura concentradora e recessiva, que não tributa patrimônio), portanto, diretamente vinculada ao ciclo econômico. O crescimento econômico, com aumento do consumo e do assalariamento, promove aumento da arrecadação fiscal. E o inverso ocorre, em caso de queda da economia. Por isso é que fracassa a política de “austeridade” tão proclamada pelo governo. Em um exame mais atento das receitas e despesas públicas, de 2014 a junho de 2017, fica claro que, mesmo diante de um corte agressivo de gastos (a despesa pública teve crescimento quase vegetativo, de 1,5% em termos reais), as receitas caíram em proporção muito maior, 11,4% em termos reais, no mesmo período (consequência da recessão econômica), revertendo o superávit verificado até 2013, com déficit.
Por fim, é importante registrar que o crescimento do emprego, verificado até o final de 2014, foi acompanhado de uma estruturação do mercado de trabalho, com melhora dos diversos indicadores de emprego – taxa de ocupação, desemprego, carteira assinada e rendimentos. Isso só é possível com crescimento econômico e implantação de políticas públicas indutoras do desenvolvimento humano, social e ambiental. Portanto, ao contrário do que vem sendo feito pelo governo e pelo Congresso Nacional, é possível enfrentar o desemprego sem aumentar a precarização do trabalho, com investimento público que dinamize a economia e promova a distribuição da renda, privilegie a inserção ocupacional de qualidade, os ganhos reais de salários e a ampliação da proteção ao trabalhador, criando uma espiral positiva.
Notas:
1. Pnad Contínua/IBGE.
2. Desemprego aberto: pessoas que procuraram trabalho de maneira efetiva nos 30 dias anteriores ao da entrevista e não exerceram nenhum tipo de atividade nos 7 últimos dias.
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Desemprego e emprego precário: o futuro está sendo desenhado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU