14 Setembro 2017
"Considerando o fortalecimento do Estado de Direito, a laicidade do Estado e a secularização da sociedade, a livre competição entre as organizações religiosas – evitando o sectarismo, os preconceitos e ampliando a oferta de serviços – pode contribuir para que o Brasil se torne um país mais dinâmico culturalmente. Essa é uma das possibilidades da transição religiosa no Brasil" escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 13-09-2017.
“Eu seria cristão, sem dúvida, se os cristãos o fossem vinte e quatro horas por dia” Mahatma Gandhi
A população brasileira vive uma grande transformação no seu perfil religioso. Por um lado, há um aumento da pluralidade religiosa e, por outro, uma tendência de mudança de hegemonia entre católicos e evangélicos. O artigo “Distribuição espacial da transição religiosa no Brasil” (Alves et. al. 2017), publicado na revista acadêmica Tempo Social, da USP, apresenta uma análise do fenômeno transicional a partir da razão entre evangélicos e católicos (REC).
Nas conclusões do trabalho os autores comprovam que os evangélicos estão em processo de expansão e os católicos de retração no Brasil. Dos 4.492 municípios existentes em 1991, a REC (indicador da transição entre os dois grandes grupos cristãos) aumentou em 4.415 municípios e diminuiu em apenas 77 municípios, no período compreendido entre 1991 e 2010. Ou seja, os evangélicos aumentaram sua participação em 98,3% das cidades e os católicos avançaram em apenas 1,7% dos municípios brasileiros.
O padrão espacial da transição religiosa tem sua parte mais avançada no arco periférico das maiores regiões metropolitanas do país, seguindo os núcleos destas mesmas regiões, avançando pelas cidades de maior porte populacional, seguindo para as cidades menores e apresentando as menores RECs nas áreas rurais, especialmente na região Nordeste, no norte de Minas Gerais e na região Sul.
A Unidade da Federação mais adiantada na transição religiosa é Rondônia (com uma REC de 71,1%). O estado do Rio de Janeiro vem em segundo lugar (com REC de 64,1%). Mas em termos de volume populacional, pode-se afirmar que a periferia da região metropolitana do Rio de Janeiro (municípios da RM menos a capital) está liderando o processo de transição religiosa no país. No total dos 34 municípios fluminenses, onde ocorreu reversão da maioria religiosa (REC > 100), havia uma população de 4,2 milhões de habitantes, sendo 1,4 milhão de católicos e 1,6 milhão de evangélicos e 1,2 milhão de outras religiões e de pessoas que se declararam sem religião.
Entre as cidades mais prováveis de completar a transição religiosa entre 2010 e 2020 – aquelas em que a REC, em 2010, estava com percentuais entre 75% e 100% –, havia 112 municípios que representavam uma população total de 7,6 milhões de habitantes no último censo. Ou seja, a quantidade de municípios em que a REC supere os 100% pode aumentar muito em 2020, acelerando o processo de transição entre os dois maiores grupos religiosos do país. Além disso, a análise da estatística espacial revelou a existência de agrupamentos municipais ao longo do território nacional, ou seja, a distribuição da razão evangélicos/católicos em nível municipal não é aleatória, pois municípios vizinhos tendem a ser mais parecidos de forma significativa.
Apesar disso, não é possível prever se o crescimento dos evangélicos atingirá um teto e se o decréscimo dos católicos terá um piso mínimo. Mas, independentemente de completar-se ou não a reversão da hegemonia entre os dois maiores grupos religiosos brasileiros, as mudanças na distribuição das filiações religiosas têm ocorrido de forma acelerada, embora de maneira diferenciada no tempo e no espaço. O crescimento evangélico é um fenômeno amplo e geral, mas é mais intenso nas periferias das Regiões Metropolitanas e nas áreas de fronteira agrícola e de colonização recente, particularmente na região Norte.
A combinação de ativismo religioso (maior evangelização) e expansão numérica nos locais relativamente mais dinâmicos em termos socioeconômicos do país tende a fortalecer o processo de transição religiosa, analisada pelo aumento da variável REC. Evidentemente ninguém sabe, com certeza, como será o futuro. Mas se as tendências das últimas três décadas se repetirem, as três próximas décadas apontam para uma mudança de hegemonia entre católicos e evangélicos, em um futuro não muito distante. Ou seja, os evangélicos podem ultrapassar os católicos na primeira metade do século XXI, obtendo maioria simples e não necessariamente maioria absoluta da população. Paralelamente à mudança de hegemonia entre os dois grupos cristãos haverá também o aumento da pluralidade religiosa, em decorrência do crescimento das demais religiões não cristãs e do aumento do grupo de pessoas sem religião.
Finalmente, os autores observam que o ano de 2017 marca os cinco séculos da Reforma Protestante, sendo que na maior parte desse tempo o catolicismo permaneceu forte na América Latina. Todavia, no século XXI, o Brasil pode presenciar uma mudança de hegemonia entre os dois grandes grupos cristãos e uma maior pluralidade religiosa. As causas e consequências desse fenômeno são complexas e o acompanhamento desse processo é fundamental para o entendimento da nova configuração da sociedade brasileira.
Considerando o fortalecimento do Estado de Direito, a laicidade do Estado e a secularização da sociedade, a livre competição entre as organizações religiosas – evitando o sectarismo, os preconceitos e ampliando a oferta de serviços – pode contribuir para que o Brasil se torne um país mais dinâmico culturalmente. Essa é uma das possibilidades da transição religiosa no Brasil.
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Distribuição espacial da transição religiosa no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU