04 Setembro 2017
Substância foi encontrada em mananciais no Paraná; pesquisadores apontam morte de abelhas e dizem que ela pode afetar a pressão arterial e o sistema reprodutivo.
A reportagem é de Izabela Sanchez e publicada por De Olho nos Ruralistas, 01-09-2017.
Na Europa, comoção. Relatos alarmistas, manchetes, debates, interdição de granjas, prisões. Foi ele o pivô de uma crise sem precedentes em um dos principais produtos da agricultura do velho continente, o ovo. Trata-se do pesticida fipronil, que já alastrou contaminações em mais de 17 países europeus. Diversas pesquisas apontam os riscos desse pesticida para animais e seres humanos. No Brasil, ele tem um mercado de larga escala.
O fipronil age no sistema nervoso central dos insetos considerados pragas de animais e de monoculturas, como o gado e o milho. A crise na cadeia de ovos começou porque a Chickfriend, empresa holandesa, teria desinfectado aves com fipronil comprado da Bélgica. Acontece que a Europa proíbe o uso para os animais que entram na cadeia alimentar humana. O consumo de um produto contaminado pode causar náuseas, dores de cabeça e estômago, relata o El País Brasil. E, em casos mais graves, atinge fígado, rim e tireoide.
Segundo o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o pesticida é regulamentado no Brasil desde 1994. A assessoria de imprensa da pasta afirma que cinco empresas estão autorizadas a produzir e comercializar o fipronil para uso veterinário: Merial Saúde Animal Ltda; Hertape Saúde Animal S/A; Vétoquinol Saúde Animal Ltda; Ourofino Saúde Animal Ltda e Virbac do Brasil Indústria e Comércio Ltda.
Mapa e Anvisa não demonstram preocupação sobre uma possível crise no Brasil. A Anvisa alega, por meio da assessoria de imprensa, que ele não é utilizado em aves. O fipronil é utilizado em quase todas as monoculturas do agronegócio brasileiro, em especial nos produtos responsáveis pela fama desse modelo no país: cana, soja, milho e até laranja. Um dos alimentos das aves no Brasil é justamente o milho.
Diz a Anvisa:
– Em nosso país, o acesso das aves ao fipronil poderia ser resultante da ingestão de ração com resíduos, haja vista que este agrotóxico é autorizado para o milho. Entretanto não temos indícios de que isso possa acontecer, haja vista que o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (Para) pesquisou o fipronil em 729 amostras de milho entre 2013 e 2015, não detectando este ingrediente.
O Mapa não fala de uma das marcas que teriam atuado no Brasil. É a Eventra, cuja regulamentação pode ter chegado antes da hora. O site Ecodebate cita uma reportagem de 2012 da Folha. A reportagem aponta que, no dia 10 de outubro de 2011, o Mapa registrou o inseticida. Nessa data, porém, o produto se chamava Fipronil Alta 800 WG. A marca Eventra só teria sido publicada no Diário Oficial da União em 25 de outubro, em substituição à marca anterior.
O Ministério da Agricultura não quis se pronunciar sobre o assunto.
A ciência não estabelece o mesmo nível de riscos para animais e humanos. A contaminação em pessoas, alegam cientistas e a própria Anvisa, é nulo ou moderado. Alguns pesquisadores apontam o contrário.
João Leandro Chaguri, farmacêutico toxicologista da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu (SP), estudou o pesticida e suas consequências na pressão arterial de ratos. O pesquisador escreveu a dissertação de mestrado “Efeitos da exposição ao pesticida fipronil nas alterações pressóricas em ratos acordados”. Os animais tiveram considerada elevação da pressão arterial ao serem expostos à substância.
O pesquisador não descarta que o mesmo efeito possa ocorrer em humanos:
– Uma pesquisa feita usando animais nos dá uma noção do que pode acontecer com humanos, porém é sempre um indício que precisa ser melhor investigado. Modelos de estudos com animais são utilizados amplamente e os riscos de efeitos prejudiciais de agentes químicos para o ser humano são avaliados, baseados em modelos toxicocinéticos e fisiológicos. Porém deve-se atentar para alguns aspectos como variações interespécies e limitações experimentais.
Doutora em Farmacologia pela Unesp, Aline Lima de Barros estudou os efeitos do pesticida no sistema reprodutivo dos ratos. Professora da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) em Mato Grosso do Sul, ela escreveu a tese de doutorado “Influência da exposição perinatal ao inseticida fipronil: repercussão tardia em parâmetros reprodutivos masculinos e femininos, em ratos”.
A pesquisadora explica que escolheu o Fipronil pela ampla utilização do pesticida na cultura da cana-de-açúcar. Esse aspecto não era explorado pelas pesquisas. “A exposição foi realizada durante a prenhez e início da lactação, períodos em que ocorre o desenvolvimento dos órgãos sexuais e diferenciação sexual do cérebro em ratos”, descreve. A prole foi avaliada durante todo o desenvolvimento sexual até a vida adulta. “Nós observamos alterações, nas condições experimentais do estudo, no desenvolvimento reprodutivo de fêmeas”.
Aline afirma que os resultados demonstraram efeitos a longo prazo nos espermatozoides dos machos. Apesar de não afetar a fertilidade dos animais, segundo a pesquisadora, o pesticida altera o sistema reprodutor. A preocupação da especialista é o que pode ocorrer com o sistema reprodutivo humano:
– Os praguicidas são conhecidos por apresentarem efeitos cumulativos e o homem está exposto a estas substâncias durante toda a vida. Acredita-se que a exposição ao fipronil possa ter impacto sobre o sistema reprodutor do homem, já que o modelo experimental utilizado no estudo (ratos) apresenta capacidade reprodutiva muito maior que o homem. Assim, as alterações observadas em ratos poder ter um impacto muito maior no homem.
Natural de Ribeirão Preto (SP), o professor Dr. Lionel Segui Gonçalves é mundialmente conhecido como especialista em abelhas. Professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), o geneticista aponta que há mais de 10 anos as abelhas têm desaparecido em diversos países do mundo. O principal culpado, segundo ele, são os agrotóxicos. Contamos em agosto essa história: “Pesquisador explica por que agrotóxicos são principais culpados por desaparecimento de abelhas“.
Ele criou a campanha Bee or not to be (Sem Abelhas, Sem Alimento), que divulga a importância das abelhas para a sobrevivência da agricultura e da alimentação em todo o mundo. O professor explica que as diversas agressões ao meio ambiente estão relacionadas à chamada Colony Colapse Disorder (CDC), algo como Transtorno do Colapso das Colônias. Um dos pesticidas que podem desencadear esse colapso é exatamente o fipronil:
– Sem dúvida o uso do inseticida fipronil apresenta um sério risco para as abelhas no Brasil. Este pesticida já é largamente utilizado em várias culturas no Brasil como nas plantações de soja, cana-de-açúcar, pastagens, milho, algodão, e constantemente está relacionado a mortes em massa de abelhas trazendo sérios prejuízos econômicos aos apicultores, uma vez que são altamente tóxicos às abelhas.
O professor explica que o fipronil atinge o sistema nervoso das abelhas “alterando os padrões de comportamento cognitivo”. “Prejudica a navegação das mesmas, levando-as a se perderem no campo por não serem capazes de retornar a suas colmeias, causando uma diminuição na atividade de forrageamento ou coleta de alimento, fenômeno conhecido como CCD ou síndrome do desaparecimento”, relata.
Segundo o especialista, os riscos do fipronil são mais abrangentes do que se pensa. Ele menciona o uso nas plantações de eucalipto, para o combate ao cupim, e fala de casos graves relacionados ao nabo forrageiro. Gonçalves aponta que São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais são os estados que têm registrado o maior número de casos de morte de abelhas em razão do fipronil e outros pesticidas. Mas já existem relatos em mais de 13 Unidades da Federação.
Um dos estados ameaçados é o Paraná. Um artigo de pesquisadores da Universidade Federal da Fronteira Sul afirma que os mananciais da região sudoeste estão contaminados pelo pesticida. Os autores avaliam a permanência desse e outros componentes nos rios das cidades Salto do Lontra, Santa Izabel do Oeste, Nova Prata do Iguaçu, Planalto e Ampére.
Entre as amostras que mais contaminaram os locais avaliados está o fipronil:
– De todas as amostras, os analitos encontrados e quantificados em maior número de amostras foram atrazina (11 amostras), simazina (7 amostras), penoxulam Vieira, M. G. et al. 000 Rev. Virtual Quim (4 amostras), seguido malationa (5 amostras), iprodiona (3 amostras), epoxiconazol, fipronil e tebuconazol (1 amostra).
Sobre as resoluções e normativas que estabelecem a quantidade permitida em cada um dos produtos, os pesquisadores lembram que o fipronil “não possui limite máximo de resíduos estabelecidos na legislação brasileira”.
Questionado sobre os riscos do fipronil à saúde humana, o Mapa afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que “o uso da molécula está alinhado às normas do Codex Alimentarius, que a registrou e não tem restrição ao uso”. Segundo a pasta, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também não tem restrição ao uso. “O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) faz estudos constantes e não há evidência de riscos à saúde humana pelo uso do produto”, informa a pasta.
A Anvisa nega riscos de contaminação pela utilização do pesticida no Brasil:
– O fipronil está registrado no Brasil como agrotóxico desde meados de 1994, tendo várias marcas comerciais disponíveis no mercado, de diversas empresas. Ainda não foi evidenciado um risco para a população brasileira, considerando o tipo de contaminação ocorrida nos ovos na Europa, conforme demonstram os dados de monitoramento disponíveis.
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Pivô da crise dos ovos na Europa, pesticida fipronil é utilizado em larga escala no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU