31 Agosto 2017
O ministro da Justiça, Torquato Jardim, disse a um grupo de guaranis da terra indígena Jaraguá em São Paulo nesta quarta-feira (30) durante audiência em seu gabinete em Brasília que tem sofrido "pressões imensas" de bancadas de parlamentares contrárias aos indígenas.
A reportagem é de Rubens Valente, publicada por Folha de S. Paulo, 31-08-2017.
Os guaranis cobraram a revogação de uma portaria de Jardim do último dia 21 que revogou uma portaria ministerial anterior, de 2015, e retirou mais de 500 hectares da terra indígena na capital paulista, reduzida agora a apenas 1,7 hectare, onde vivem cerca de 700 indígenas.
Os índios tomaram nesta quarta-feira (30) a entrada do prédio do escritório da Presidência da República em São Paulo e a entrada do ministério em Brasília para pressionar pela revogação da portaria. Na reunião com Jardim, os índios disseram que a portaria que ele assinou é "genocida", "ilegal e inconstitucional" e impede que os índios continuem lutando na Justiça pela terra.
Com a portaria, o ministro abriu espaço para um plano de concessão à iniciativa privada do governo do Estado, que havia recorrido ao Judiciário para barrar a demarcação da terra indígena.
"Acho que o senhor deve uma explicação aos verdadeiros donos desta terra", disse um dos líderes guaranis, Karai Popyguá, no começo da reunião que foi gravada pelos indígenas. "Agora vem um fato inédito na história das demarcações de terra. Nós queremos saber por que o senhor foi o primeiro ministro a anular uma demarcação que já estava feita."
Em resposta, o ministro disse que "a portaria tem sua própria motivação, suas razões". Um dos pontos principais na justificativa da portaria é que o governo do Estado de São Paulo não teria "participado" da "definição conjunta das formas de uso da área". A portaria cita ainda decisões do Judiciário em caráter liminar, isto é, ainda não conclusivas. Todos os argumentos estão sendo discutidos pelos índios no Judiciário, mas a portaria do ministro, segundo os índios, passará a ser usada pelas partes contrárias para brecar os direitos dos guaranis.
Na reunião, o ministro reconheceu que a demarcação de 1987 não correspondeu às necessidades dos guaranis. "É um espaço pequeno, não há dúvida, isso é um fato." Também afirmou que houve "um erro" na portaria anterior, de 2015, agora revogada, que havia estabelecido o tamanho de 512 hectares. Ele alegou que a terra é dos índios, mas "juridicamente" é do Estado de São Paulo. O ministro disse que estava ao lado dos índios e que sua portaria iria dar "segurança jurídica".
"Da minha parte sempre houve boa vontade. Da parte desse ministério, enquanto eu aqui estiver, sempre haverá boa vontade. Tenho enfrentado pressões imensas de bancadas parlamentares que não estão do lado de vocês. O adversário de vocês não é o Ministério da Justiça. Ninguém aqui dentro. Ao contrário, a Funai faz um esforço imenso de revisão de documentos para fazer novas leituras de documentos, novas leituras da história, para mostrar que a terra indígena originária não compreendia toda a terra ancestral", disse o ministro.
Como o ministro demonstrou que não recuaria da portaria, o clima foi ficando tenso na reunião. "Você traz para a gente que um parque é mais antigo do que a existência indígena, que o parque se sobrepõe à terra indígena...", disse o líder cacique, que foi interrompido pelo ministro. "Não foi isso que eu falei. Juridicamente a terra é do Estado de São Paulo. Ouve, tenta compreender a lógica jurídica e como funcionam as coisas o mundo jurídico", disse o ministro.
Popyguá afirmou que, quando foi demarcado a terra de 1,7 hectare "não foi feito nenhum estudo para ver o território que a gente sempre utilizou". "Se houve um erro do Estado, não somos nós indígenas que vamos pagar", disse o guarani. "De acordo, é o Estado que tem que reconhecer seu erro", reconheceu o ministro.
Popyguá denunciou que nesta quarta-feira "houve uma invasão do nosso território hoje, entraram ameaçando a comunidade, se valendo de sua anulação da portaria declaratória. O senhor está nos expondo à violência, está expondo as crianças à violência".
"A portaria não autoriza isso. Manda verificar isso para mim, por favor", disse o ministro a um assessor. "O senhor está nos impedindo de continuar na Justiça de lutar pelo nossos direito. O senhor não está fazendo justiça, está fazendo injustiça", afirmou o líder indígena. O ministro retrucou: "Estou acelerando o processo de segurança [jurídica] de vocês".
"Não pode ser que temos que ser responsabilizado por erro do seu Estado que o senhor representa hoje", disse o guarani. "Sim, correto", voltou a concordar o ministro.
"Se os seus antepassados não acabaram com o nosso povo não é o senhor e seu governo que vão acabar. Se acabar com o guarani, vem muitos outros depois. Eu estou hoje com meu filho aqui fora. Eu trouxe meu filho para ele ver o que a gente passa aqui em Brasília. Porque se a sua portaria acabar com a minha vida na nossa aldeia, meu filho vai continuar essa luta. A ameaça que a gente recebe de morte nessa área que houve invasão hoje...", disse Popyguá.
"Eu compreendo a sua emoção. Cacique, cacique, vamos ser objetivos", disse o ministro. Ele argumentou que sua portaria irá abreviar uma disputa judicial e que os processos judiciais iriam demorar muitos anos, "dez anos, oito anos", enquanto a revisão do processo administrativo pode levar "dois anos".
Batendo a mão no peito, os índios atacaram o argumento. "Não interessa, a gente pode lutar mais dez anos, trinta anos, quarenta anos. Nós somos guaranis, nós somos guerreiros, nós lutamos!"
"Não adianta elevar a voz. Eu não tenho medo de voz alta!", rebateu Jardim, erguendo a própria.
Popyguá disse que os guaranis querem o direito de continuar lutando na Justiça pela terra. "Nós vamos lutar com a nossa vida, ministro. Ao invés de anular a portaria, manda um trator lá, abre um buraco e enterra a gente, mas a gente não vai sair da terra.
Os nossos mortos que estão lá, não vai ser essa sua anulação que vai acabar. O seu governo passa, mas nós guaranis resistimos, ministro. Você vai passar..."
O ministro interrompeu, ironizando: "Todos passamos, todos passamos". "Eu também vou, eu posso ir antes de você, porque a sua portaria está colocando a minha vida em risco", rebateu Popyguá. "Está saindo daqui as nossas ameaças, está saindo daqui a invasão do nosso território, é o senhor que está invadindo o nosso território..."
"Cacique, uma portaria não autoriza invasão alguma", respondeu Jardim.
No final da reunião, os líderes guaranis disseram que só vão desocupar a frente do escritório da Presidência da República, em São Paulo, quando a portaria for revogada. "O Judiciário tem que entender que essa medida é genocida, assassina, ela gera sangue, ela gera morte. E é isso que está saindo aqui do Ministério da Justiça", disse o indígena ao ministro.
"O que eu posso é mostrar para vocês, acho que fui lógico, é que busco a segurança jurídica. [...] A minha luta não é diferente de vocês, eu busco segurança para vocês e para outras etnias", respondeu o ministro.
Os indígenas voltaram a dizer que não deixarão a invasão do prédio da Presidência na capital paulista. O ministro reagiu: "Posso lhe assegurar o seguinte: eu não ajo sob ameaça. Se o prédio está invadido, eu não reconsidero. Com prédio público ocupado, eu não recuo, não revejo a matéria".
Membros do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) que acompanhavam a reunião tentaram fazer perguntas ao ministro, mas ele se recusou a responder. "Eu só converso com os indígenas", afirmou Jardim, duas vezes. Em seguida ele se levantou para encerrar a reunião.
Procurado pela Folha para comentar a reunião, o Ministério da Justiça não havia se manifestado até o fechamento deste texto.
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'Sofro pressões imensas' de parlamentares contrários aos índios, diz ministro da Justiça - Instituto Humanitas Unisinos - IHU