21 Agosto 2017
Dom Denis Hart, arcebispo de Melbourne, e Dom Timothy Costelloe, arcebispo de Perth, são pelos menos coerentes. Durante muitos anos, por causa das suas crenças e atos que visavam fazer com que os parlamentares concedessem isenções diferenciadas às religiões, hoje as instituições católicas vêm usando uma política do tipo “não pergunte, não diga nada” com relação ao emprego de pessoas LGBTIs.
O artigo é de Terry Laidler, ex-padre que atualmente atua como psicólogo, publicado por The Sidney Morning Herald, 20-08-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Um parlamentar progressista desafiou os seus colegas cristãos, que gastam tempo e energia opondo-se ao casamento homoafetivo, a fazerem o mesmo na ajuda aos refugiados da Ilha Manus e de Nauru.
Um alerta recente feito pelos bispos, de que se o casamento entre pessoas do mesmo sexo for legalizado, eles demitirão professores/as, enfermeiros/as e outros funcionários da Igreja, uma vez que, se casarem com um parceiro homoafetivo, estes trabalhadores estarão mandando uma mensagem negativa para muitas pessoas boas.
Se acaso estes profissionais forem forçados a deixar as instituições em que trabalham, tanto o ensino da Igreja quanto a administração do sistema educacional católico poderão sair gravemente prejudicados e o status moral dela, a Igreja, despencaria.
Hart e Costelloe não deveriam se surpreender com os gritos de hipocrisia que ecoaram na imprensa convencional e nas mídias sociais, quando ambos pareceram ameaçar o emprego de pessoas em situações parecidas, ao mesmo tempo em que os religiosos em postos de liderança já se mostraram ineptos na tarefa de se livrar essas mesmas instituições católicas de predadores pedófilos.
Nunca foi o papel da Igreja na Austrália ser árbitro diante das normas sociais ou da moralidade: as lideranças eclesiásticas e seus membros têm vez no debate como todos os demais. Mas se os arcebispos não compreendem por que, hoje, as palavras deles soam mais vazias, eu conheço muitos australianos que poderão explicar isso a eles.
No atual contexto, tentativas flagrantes de contornar os processos democráticos ameaçando algumas pessoas LGBTIs (independentemente do que venha a acontecer com estes processos) podem muito bem levar a um resultado contrário ao pretendido.
Provavelmente não serão somente aqueles que se opõem à fundação de escolas religiosas em geral que verão estas ameaças mal pensadas como um exagero clericalista, para além dos limites adequados da separação entre a Igreja e o Estado.
Mas talvez, com a mesma importância, os arcebispos estejam em descompasso com a própria Igreja também. Dificilmente isto irá nos surpreender: muitos líderes católicos de hoje foram nomeados sob os pontificados de João Paulo II e Bento XVI, papas que preencheram os cargos principais com bispos que apoiavam as suas ortodoxias ideológicas.
Como muitos outros, estes bispos provavelmente sentem um desconforto com a nova direção pastoral dada pelo Papa Francisco, quem coerentemente aplica o ensino de sua encíclica, Evangelii Gaudium, em que “A realidade é mais importante do que a ideia”, falando a crianças filipinas submetidas ao trabalho forçado, dizendo que os cristãos devem um pedido de desculpas à comunidade LGBTI.
Uma das questões fundamentais para este grupo de prelados é a lealdade inquestionável junto do papa: é difícil ver como eles podem conviver com ambas as direções pastorais.
A realidade aqui é que as pesquisas de opinião mostram que entre 60 a 70% dos católicos australianos apoiam a igualdade matrimonial. Eles não a consideram uma ameaça às famílias ou ao ideal sacramental do matrimônio a que muitos deles também aspiram. Estas pessoas são os que têm uma compreensão de base implícita do papel que o matrimônio desempenha na realidade, na vida do povo, não só em sociedades onde a Igreja possui alguma influência, mas no mundo todo.
Na verdade, durante 1500 anos de sua história, o matrimônio católico funcionou exatamente deste jeito, de acordo com as normas e leis societais, não com as normas da Igreja. O grande teólogo escolástico Tomás de Aquino sustentava explicitamente que “[quanto às] outras vantagens [não teológicas do matrimônio], tais como a amizade e os serviços mútuos a que o marido e a esposa se prestam, a sua instituição pertence ao direito civil”. Esta visão respeitada reflete o senso comum que põe os arcebispos em descompasso com a maioria dos fiéis australianos.
Segundo o que sei e segundo a minha experiência, Hart e Costelloe são pessoas sinceras e bem-intencionadas. O que mais me aflige no tocante à postura adotada por eles é que ambos parecem não ver como as palavras que empregam influem na vida de um jovem LGBTI que pensa em contribuir com o país na qualidade de professor.
Edificar a discriminação dentro das estruturas e sistemas da nossa sociedade, como a educação católica, é a própria gênese do tipo de homofobia que causa tantos danos físicos e psicológicos a pessoas LGBTIs. Hart e Costelloe pretendem o contrário disso, ao mesmo tempo em que, ingenuamente, o alimentam.
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Austrália. Arcebispos em descompasso com a comunidade católica e com Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU