26 Abril 2017
O assassinato na última quarta-feira de nove trabalhadores sem-terra que viviam em uma ocupação no município de Colniza (noroeste do Mato Grosso) reacendeu a discussão sobre os conflitos por terra no país. Segundo um relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), lançado na semana passada, o número de assassinatos em disputas no campo em 2016 foi o maior dos últimos 13 anos no país. No Mato Grosso, o número de conflitos mais do que dobrou entre 2014 e 2016.
A reportagem é de Talita Bedinelli, publicada por El País, 25-04-2017.
Na última quarta-feira, nove homens foram mortos com sinais de tortura no vilarejo de Taquaruçu do Norte, uma área rural de difícil acesso, distante 250 km por uma estrada de terra do centro do município de Colniza, a maior cidade da região. Segundo a Polícia Civil, testemunhas afirmam que eles foram alvejados enquanto trabalhavam na terra por homens encapuzados. A área era ocupada por cerca de 100 famílias desde os anos 2000, segundo a CPT. Elas já plantavam arroz, feijão, criavam galinha e porco e havia uma pequena vila, com uma mercearia. Segundo a Pastoral da Terra, no domingo os moradores do local sofreram novas ameaças e começaram a abandonar a terra.
Ainda não está claro nem para a Polícia Civil nem para a CPT qual o litígio que resultou no crime. Mas a região de mata fechada, no meio da floresta amazônica, é alvo de madeireiros e disputada por fazendeiros, que buscam áreas para a criação de gado. Segundo os investigadores, a população local afirma que sofria ameaças de homens encapuzados. Sete das vítimas foram atingidas por balas de armamento calibre 12, de alto poder de destruição. Outros dois tinham ferimentos causados por instrumentos perfurocortantes, como um facão ou uma enxada. O pastor Sebastião Ferreira de Souza, um dos nove mortos, foi degolado. Segundo a polícia, ele parece ser uma espécie de liderança local do acampamento.
A polícia chegou ao local do crime na quinta-feira, após receber uma denúncia. Para acessar o local foi preciso percorrer oito quilômetros a pé, pela mata. Os corpos só chegaram ao município de Colniza, já em estado de decomposição, no sábado, depois de serem retirados por um percurso que exigiu o uso de um barco e de uma balsa. Os familiares já fizeram o reconhecimento e todos os trabalhadores mortos já foram enterrados. Segundo uma reportagem da TV Globo, que esteve com uma equipe na área rural e escutou investigadores que estavam no local do crime, a polícia já têm quatro suspeitos e um deles teria sido identificado. Ainda segundo a reportagem, a principal linha de investigação é de que os jagunços tenham sido contratados por fazendeiros locais. Por meio de seu canal de atendimento à imprensa, no entanto, a Polícia Civil afirma que ainda não há suspeitos.
"Essa região do noroeste do Mato Grosso tem um histórico de conflitos muito sério. E o número têm aumentado", ressalta Paulo César Moreira, coordenador nacional da CPT. "Desde 2004 isso vem se perpetuando de forma lamentável por conta da omissão do Estado, que não assentou as famílias e isso ocorreu", afirma. Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a terra ocupada pelas famílias é uma área devoluta (terra pública sem destinação) do Governo do Estado do Mato Grosso. Procurada para fornecer mais detalhes sobre a propriedade dessas terras, a assessoria da Secretaria de Agricultura Familiar e Assuntos Fundiários do Estado não retornou o pedido da reportagem.
Segundo o relatório da CPT, que há 32 anos documenta os conflitos e violências no campo, no ano passado 61 pessoas foram assassinadas no país em áreas rurais neste contexto de disputa de terra, 11 a mais do que no ano anterior. Também houve um aumento de 86% nas ameaças de morte e de 68% nas tentativas de assassinato. Entre 1985 e 2016 1.834 pessoas perderam a vida em conflitos no campo, mas apenas 31 mandantes desses assassinatos foram condenados. A maior parte dos conflitos, de acordo com a instituição, acontecem na Amazônia legal.
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Chacina de trabalhadores rurais no Mato Grosso acende alerta de conflitos por terra no Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU