09 Março 2017
“Se somos honestos, sabemos que a plenitude da participação das mulheres na vida da Igreja ainda não chegou”: assim falou o superior dos jesuítas, padre Arturo Sosa, no Vaticano, no Dia Internacional da Mulher, em uma iniciativa promovida pelo Voices of Faith (Vozes da Fé) e pelo Jesuit Refugee Service, defendendo não só uma teologia, mas também uma “eclesiologia” que envolva mais as mulheres e traga à Igreja as mudanças que lhe são necessárias.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi, publicada no sítio Vatican Insider, 08-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O superior-geral elogiou Angela Merkel na gestão da crise migratória. Em uma entrevista à agência Ansa, em vez disso, criticou o projeto de um muro que o presidente estadunidense Donald Trump propôs entre os Estados Unidos e o México. Segundo Sosa, confundir Islã e terrorismo é uma loucura.
“Aproveito esta oportunidade para mostrar gratidão às mulheres que falam hoje e que fazem a diferença na sua família e na sociedade, especialmente nos cantos mais remotos do mundo”, disse o Pe. Sosa, chamado a abrir o encontro. “São tempos difíceis para o mundo, e devemos ficar unidos, como mulheres e como homens de fé. Como vocês sabem, o tema global para o Dia Internacional das Mulheres deste ano é agir com determinação pela mudança (Be bold for change). Aqui no Vaticano, fisicamente no centro da Igreja, o Voices of Faith e o Jesuit Refugee Service tentam tornar possível o impossível.”
O Pe. Sosa começou a partir do exemplo de Maria, que, aceitando se tornar a mãe do Filho de Deus, aceitou e tornou possível o que parecia impossível, e, depois, deteve-se sobre a sua experiência latino-americana, em particular sobre a presença de massas de pessoas deslocadas na fronteira entre a Colômbia e a sua Venezuela por causa de décadas de violência.
“A maioria dessas pessoas são mulheres e crianças”, disse. “As mulheres e as meninas estão entre as mais vulneráveis à violência, podem facilmente cair na exploração de trabalho ou sexual. Muitas fogem em busca de salvação e, muitas vezes, sustentam as suas famílias de longe. Posso testemunhar a resiliência das mulheres: apesar das dificuldades, elas encontram formas para sobreviver e superar as dificuldades. A resiliência permite seguir em frente, pensar no futuro, é uma qualidade essencial para tornar possível o impossível”.
As mulheres na fronteira entre os dois países latino-americanos, prosseguiu, têm uma coragem que “muito frequentemente é subestimada”. Diante do drama global das migrações, em particular, “eu não posso salientar o suficiente a necessidade de colaboração entre mulheres e homens: somente juntos podemos obter aquilo que parece impossível: uma humanidade reconciliada e paz entre irmãos e irmãs, filhos e filhas do mesmo Deus, juntos”.
O Pe. Sosa afirmou que, em situações dramáticas como a da República Centro-Africana, do Sudão do Sul e da Colômbia, os processos de reconciliação e de paz iniciados se tornariam mais facilmente realidade “se as mulheres tivessem um papel maior”. A chanceler alemã, Angela Merkel, disse ele, “tem sido a líder na Europa mais corajosa e visionária” diante da crise das migrações “e teve a capacidade de dizer que os refugiados podem dar uma contribuição à sociedade alemã”. Assim também a presidente da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf, contribuiu “com empenho e visão para a paz e a reconciliação de um modo que não teria sido possível para muitos homens”.
O superior dos jesuítas também salientou que continua havendo um grave problema de disparidade dos salários no mundo: “A realidade é que, muitas vezes, as mulheres não são pagas pelo trabalho que fazem ou recebem menos pelo mesmo trabalho: no Ocidente, uma mulher ganha 70 centavos, e um homem, um euro pelo mesmo trabalho, e a discrepância é maior nos países em desenvolvimento”.
Entre aplausos, o Pe. Sosa citou Cokie Roberts que, na revista dos jesuítas America, escreveu que “o Congresso dos Estados Unidos precisa de mais mulheres: então talvez, mas apenas talvez, Washington voltaria a trabalhar”.
O prepósito da Companhia de Jesus, depois, abordou a questão do papel das mulheres na Igreja. “Nós, jesuítas, estamos profundamente conscientes do seu papel no nosso ministério, leigas e consagradas, e a espiritualidade inaciana é aberta a todos, para se tornar homens e mulheres com os outros e para os outros. Na Igreja em geral – disse – existem ideias diferentes sobre o papel que as mulheres devem ter. Como disse o Papa Francisco, as mulheres têm um papel fundamental para defender a fé, são fonte de força na sociedade, ensinam. Deve ser promovido o papel da mulher na família, mas também deve ser promovida a sua contribuição na Igreja e na vida pública.”
Ideias que ganham força do Gênesis, no qual Deus criou homem e mulher à Sua imagem, e da relação que Jesus tinha com as mulheres na vida pública. “O Papa Francisco tem sido bastante explícito ao dizer que as mulheres devem assumir papéis de responsabilidade também onde as decisões são tomadas na Igreja. Ele também criou uma comissão sobre as diaconisas, para explorar a sua história e o seu papel”, disse o Pe. Sosa.
Mas, “se somos honestos, sabemos que a plenitude da participação das mulheres na Igreja ainda não chegou”, acrescentou. “Tal inclusão trará o dom da resiliência e da colaboração ainda mais profundamente na Igreja. Um aspecto citado pelo Papa Francisco é trabalhar com mais empenho para desenvolver uma teologia da mulher: eu acrescentaria uma eclesiologia que inclua as mulheres nos papéis onde elas deveriam estar envolvidas... A inclusão das mulheres na Igreja também é uma forma criativa para promover as mudanças de que ela precisa. Uma teologia e uma eclesiologia que envolvam mais as mulheres pode mudar a imagem, o conceito e a estrutura da Igreja, pode levar a Igreja a ser cada vez mais povo de Deus, como estabeleceu o Concílio Vaticano II. A criatividade das mulheres pode abrir novos caminhos para ser comunidade cristã de discípulos, homens e mulheres juntos, testemunhas e pregadores da boa notícia. Revitalizando o Concílio e trazendo à tona os pobres, o Papa Francisco está dando às vozes das mulheres mais possibilidades de serem ouvidas. Nesse esforço contra o clericalismo, o elitismo e o sexismo que estão conectados com isso, o papa tenta abrir a Igreja para vozes fora do Vaticano. O oposto do clericalismo é a colaboração.”
Com o avanço dos “populismos”, disse o superior dos jesuítas à agência Ansa, há perigos “muito grandes” e “o grande risco de voltar a regimes autoritários, ditatoriais”. “A política dos muros, por um lado, é desumana e, por outro, inútil”, disse. “Isso ficou demonstrado em todos os sentidos antes, que a situação dessas pessoas que vêm pedir asilo, que chegam a pé às fronteiras ou atravessam o Mediterrâneo, é que elas arriscam a vida, muitos a perdem: não sabemos quantos milhares estão no fundo do Mediterrâneo. Portanto, os muros são desumanos. Além disso, a intenção de se fechar é inútil, porque há tantos buracos em qualquer muro que se coloque. Só se cria uma situação mais tensa.”
Quanto ao anúncio do muro na fronteira com o México por parte do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e a sua proibição contra os cidadãos de seis países muçulmanos, o número um dos jesuítas disse que são “contrários aos valores estadunidenses e aos valores cristãos”. Em geral, “tentar identificar o Islã com o terrorismo é uma loucura”.
O Voices of Faith, evento que já chegou ao seu quarto ano, ocorreu na tarde dessa quarta-feira, 8, na Casina Pio IV, “no coração do Vaticano”, por ocasião do Dia Internacional da Mulher. O encontro apresenta testemunhos de mulheres de diversos países, unidas para contas, por meio das suas histórias, a contribuição que, como mulheres de fé, e não só, ofereceram e continuam oferecendo nos processos de reconciliação e de pacificação. “O Papa Francisco é promotor de uma nova política de não violência”, afirma a apresentação. “A voz das mulheres deve ser ouvida se se quiser restaurar e sustentar a paz.”
O evento também contou com uma mesa redonda de mulheres que discutiram a necessidade de uma maior liderança feminina na Igreja. “As organizações e as instituições, incluindo a Igreja, só podem se tornar realmente eficazes se as mulheres e os homens participam em igualdade.”
O evento foi concebido por Chantal Goetz e organizado pela Fidel Goetz Foundation e pela Liechtenstein Non Profit Foundation, com a colaboração do Jesuit Refugee Service.
“Perguntam-me: Chantal, você está com raiva?”, perguntou a mesma mulher na introdução. “A raiva pode mudar as coisas. Precisamos de muito mais mulheres com raiva para mudar o mundo e pôr fim à guerra, à crueldade, à violência.”
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"As mulheres ainda não estão suficientemente inseridas na Igreja". afirma Arturo Sosa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU