09 Fevereiro 2017
Quando Stephen K. Bannon ainda se encontrava à frente da Breitbart News, sítio noticioso de extrema direita dos EUA, ele foi ao Vaticano para cobrir a canonização de João Paulo II e fez alguns amigos por lá. Na lista das pessoas com quem se encontrou esteve o cardeal arquiconservador americano, Raymond Burke, que havia enfrentado abertamente o Papa Francisco.
A reportagem é de Jason Horowitz, publicado por New York Times, 07-02-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Numa das antecâmaras do cardeal, em meio a estátuas religiosas e paredes de livros, Burke e Bannon – que hoje é a eminência anti-stablishment do presidente Trump – se aproximam com a cosmovisão que compartilham. Viram o Islã como uma ameaça a ultrapassar um Ocidente prostrado, enfraquecido pela erosão dos valores cristãos tradicionais; ambos se viam ignorados injustamente pelas elites políticas.
“Quando reconhecemos alguém que se sacrificou no intuito de permanecer fiel aos seus princípios e que está travando as mesmas batalhes no cenário cultural, numa seção diferente do campo de batalha, eu não fico surpreso que aconteça um encontro de corações”, disse Benjamin Harnwell, confidente de Burke e que organizou o encontro de 2014.
Quanto a Trump, duas vezes divorciado e que se vangloriou de ter assediado mulheres, pode parecer um aliado improvável dos tradicionalistas no Vaticano, muitos dos quais consideram a sua eleição e a ascensão de Bannon como avanços potencialmente decisivos.
Assim como Bannon se ligou com os partidos de extrema-direita que ameaçam derrubar governos na Europa ocidental, ele também adotou como seus alguns elementos da Igreja Católica Apostólica de Roma que se opõem à direção que Francisco está dando à instituição. Muitos compartilham das suspeitas de Bannon, de que o Papa Francisco é um pontífice perigosamente mal orientado, e provavelmente socialista.
Será que Trump e Bannon não estão tão ocupados assim na tentativa de destruir o nosso país? Neste momento, Bannon está tentando destruir a Igreja Católica também...
Até agora, Francisco tem marginalizado ou destituído os tradicionalistas, em particular o Cardeal Burke, levando a cabo uma pauta inclusiva no tocante à migração, às mudanças climáticas e à pobreza, o que tem feito dele uma figura de popularidade mundial sem igual, especialmente entre os progressistas. No entanto, num mundo turbulento, Francisco de repente se transforma em uma figura mais solitária. Onde certa vez ele teve um aliado poderoso na Casa Branca na pessoa de Barack Obama, agora há o Trump e Bannon, esse sendo o guru ideológico do novo presidente.
Para muitos dos opositores ideológicos do papa no e em torno do Vaticano (pessoas que temem um pontífice que consideram exteriormente avuncular, porém internamente um portador implacável de poder político absoluto), esse momento de raiva na história é uma oportunidade de descarrilhar o que consideram uma pauta papal desastrosa. E em Trump, e mais diretamente em Bannon, alguns que se descrevem como “Rad Trads” – tradicionalistas radicais na gíria em inglês – veem um líder alternativo que irá defender os valores cristãos tradicionais e se pôr contra os intrusos muçulmanos.
“Há grandes setores onde nós e o papa nos sobrepusemos, e na qualidade de católico leal, não quero passar a minha vida lutando contra o papa em assuntos onde não irei alterar o que ele pensa”, disse Harnwell durante um almoço. “Muito mais valioso é passar o tempo trabalhando de forma construtiva com Stephen Bannon”. Harnwell deixou claro que estava falando em seu nome, e não em nome do Institute for Human Dignity, grupo católico conservador fundado por ele, e insistiu que compartilhava os objetivos do papa de assegurar a paz e acabar com a pobreza, somente discordando quanto às ideias de como conseguir isto.
Bannon articulou publicamente a sua visão de mundo em comentários feitos poucos meses depois de seu encontro com Burke, num congresso no Vaticano organizado pelo instituto de Harnwell.
Participando via videoconferência de Los Angeles, Bannon, católico, pronunciou-se contra a secularização galopante, contra a ameaça existencial do Islã e contra um capitalismo que havia se desviado dos fundamentos morais do cristianismo.
Essa fala atraiu muita atenção, e grande aprovação por parte de conservadores, pela expressão explícita do que pensa Bannon. Menos conhecidos são os esforços dele em cultivar alianças estratégicas com aqueles em Roma que compartilham a sua interpretação de uma teologia de direita para uma “Igreja militante”.
As falas de Bannon sobre Harnwell, como “o cara mais inteligente em Roma”, recebem destaques no sítio eletrônico do Institute for Humam Dignity, de Harnwell. O assessor sênior de Trump mantém contato por email com o Cardeal Burke, segundo Harwell. Uma outra pessoa com conhecimento do atual trabalho e alcance de Bannon disse que o funcionário da Casa Branca está telefonando pessoalmente para seus contatos em Roma pedindo ideias sobre quem deveria ser o embaixador na Santa Sé durante o governo Trump.
Durante a vigem de abril de 2014 de Bannon, ele conheceu Edward Pentin, importante jornalista conservador no Vaticano, um correspondente potencial em Roma para o Breitbart News, sítio bastante popular entre os membros do movimento “alt-right”, movimento de extrema direita que atraiu supremacistas brancos.
“Ele parecia saber das batalhas que a Igreja precisa travar”, disse Pentin, autor de “The Rigging of a Vatican Synod?”, livro que afirma que o Papa Francisco e seus apoiadores têm passado por cima dos opositores. Importante nessas batalhas, disse Pentin, foi o foco de Bannon em combater um “marxismo cultural” que tinha se infiltrado na Igreja.
Desde esta visita e do encontro com Burke – experiência que Daniel Fluette, chefe de produção do Breitbart News, descreveu como “incrivelmente poderosa” para Bannon –, o estrategista ideológico de Trump manteve a atenção em Roma. Bannon voltou a dirigir o documentário “Torchbearer” em que a estrela da “Duck Dynasty”, Phil Robertsonk, contempla as consequências apocalípticas de uma cristandade em decadência. Bannon também se reencontrou com uns velhos amigos, incluindo o que viria ser um correspondente do Breitbart News, Thomas Williams.
Ex-padre, Williams disse que costumava debater com Bannon sobre se o papa subscrevia-se a uma ala de extrema-esquerda da Teologia da Libertação, com Bannon chamando o papa de “socialista/comunista”. Williams disse que normalmente defendia o papa, mas que as recentes declarações feitas por Francisco o convenceram de que “Bannon estava certo”.
As ideias de Bannon sobre o papa vieram à público algumas vezes.
No dia 23 de maio, ele e Williams falaram sobre o Papa Francisco no programa de rádio Breitbart News Daily.
Ao discutir um artigo sobre o novo prefeito de Londres, Bannon deu a entender que o papa “parece estar quase pondo a responsabilidade nos homens e mulheres trabalhadores da Itália e da Europa, de que eles têm de sair de onde estão para acomodar” a migração.
Bannon se pergunta: Será que o papa é um elitista?
Muitos críticos de Francisco manifestam opiniões semelhantes, mas eles também muitas vezes evitam dizê-las por medo de uma resposta do papa, que, dizem, tem olhos e ouvidos em todo o Vaticano.
Em vez disso, os críticos do papa colocaram ao longo do fim de semana, de forma anônima, pôsteres de um Francisco “mal-humorado” lembrando as queixas de que ele removia e ignorava clérigos e cardeais. “Onde está a sua misericórdia?”, lê-se nos materiais.
Os conservadores e tradicionalistas do Vaticano secretamente repassaram as falsas montagens com o jornal oficial do Vaticano, o L’Osservatore Romano, fazendo piada do papa. Ou ajudaram a difundir um vídeo no YouTube que criticava o papa e sua exortação sobre o amor na família, “Amoris Laetitia”, que muitos tradicionalistas consideram o começo de Francisco contra a doutrina da Igreja. Com a música “That’s Amore”, uma voz aflita canta: “Quando seremos todos libertos desta tirania cruel, que é Amoris” e “É o clima de medo engendrado por quatro anos, que é Amoris”.
Burke – que disse que a exortação do papa, que abriu as portas para os fiéis divorciados e recasados voltarem a comungar, pode exigir um “ato formal de correção” – vem sendo um crítico aberto de Francisco. Burke e Bannon não quiseram comentar para este artigo.
Poucas semanas atrás, o papa destituiu Burke de sua influência institucional depois que um escândalo irrompeu com os Cavaleiros de Malta, ordem cavalheiresca de quase mil anos, onde ele havia sido exilado como uma espécie de representante para o Vaticano. O papa removeu o grão-mestre da ordem depois que este demonstrou desobediência pontifícia. Havia a sensação na ordem de que o grão-mestre teria seguido orientações do Cardeal Burke.
Burke se tornou um defensor dos conservadores nos EUA. Sob o comando de Bannon, o Breitbart News pediu ao correspondente de Roma que escrevesse com simpatia sobre ele. E num encontro antes da Marcha pela Vida, em Washington, Burke recebeu o prêmio “Law of Life Achievement”, uma réplica do prego usado para prender a mão de Cristo à cruz. De acordo com John-Henry Westen, editor do Life Site News, que anunciou o prêmio, esta homenagem é concedida aos cristãos que “receberam uma facada nas costas”.
Apesar das incursões de Bannon em Roma, Burke e outros tradicionalistas não estão em ascensão no Vaticano.
O Rev. Antonio Spadaro, jesuíta que edita a revista aprovada pelo Vaticano La Civiltà Cattolica e que é amigo próximo do papa, descartou a crítica feita pelos tradicionalistas como sendo o resultado de uma barulhenta porém pequena “câmara de eco”.
Ele também minimizou o efeito da ascensão de Trump sobre os opositores de Francisco no Vaticano, dizendo que se tratava somente de uma ascensão no “nível da imagem” e “da propaganda política”.
O papa vai manter o sentido que vem dando à Igreja e não irá se distrair com lutas contra os que tentam derrubá-lo, disse Spadaro. “Ele segue em frente, e move-se adiante muito rapidamente”.
O religioso acrescentou que a proibição de Trump contra os imigrantes de certos países muçulmanos era “contrária” à visão do pontífice sobre como fomentar a unidade e a paz. Segundo Spadaro, o papa está fazendo tudo o que pode para evitar o choque de civilizações que os fundamentalistas muçulmanos e cristãos querem.
Com efeito, o papa não parece estar diminuindo o passo.
Dias depois da eleição de Trump, na Basílica de São Pedro, o Vaticano oficialmente elevou novos cardeais escolhidos pelo Papa Francisco, que refletiram a ênfase dele em uma Igreja inclusiva – longe da visão de Bannon e Burke.
“Não é que ele esteja apenas trazendo pessoas novas que pensam como ele”, disse depois da cerimônia o Cardeal Blase Cupich, de Chicago. “Ele está transformando a Igreja ao nos fazer pensar sobre como fazíamos as coisas antes”.
Essa transformação ficou clara mais tarde, à noite, quando a velha guarda conservadora veio prestar o seu respeito aos novos cardeais.
João Braz de Aviz, poderoso cardeal próximo do papa, andava em vestes clericais simples, o equivalente a uma roupa civil entre todas aquelas roupas pomposas.
Perguntado sobre se a ascensão de Trump fortaleceria os aliados de Bannon no Vaticano no sentido de intensificar a oposição deles e forçar o papa a assumir uma linha mais ortodoxa, ele deu de ombros.
“A doutrina está segura”, disse ele, acrescentando que a missão da Igreja era mais a de salvaguardar os pobres. É também, lembrou ele aos seus colegas tradicionalistas, a de servir a São Pedro, cuja autoridade é transmitida através dos papas. “E, hoje, Francisco é Pedro”.
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Stephen Bannon conduz uma batalha a outro reduto influente: o Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU