05 Fevereiro 2017
Missa do Papa Francisco com a Vida Consagrada no dia da Festa da Apresentação do Senhor. Em sua homilia, faz um cântico aos “sonhos” e “profecias” dos anciãos, como Ana e Simeão, e, sobretudo, previne a vida religiosa contra a “tentação da sobrevivência”. Uma tentação que converte os consagrados em “profissionais do sagrado”, “faz olhar para trás” e “esteriliza a profecia dos mais jovens”.
A reportagem é de José Manuel Vidal e publicada por Religión Digital, 02-02-2107. A tradução é de André Langer.
Antes da missa, foi celebrada a bênção das velas na Basílica de São Pedro, onde brilham milhares de velas acesas nas mãos de frades, irmãs, presbíteros e leigos, enquanto o coral entoa o Hino de Simeão e a procissão se dirige do átrio à basílica.
Antes das leituras, apagam-se as velas e acendem-se as luzes da basílica. Entre os concelebrantes, o cardeal João Braz de Aviz e o arcebispo José Rodríguez Carballo, respectivamente, presidente e secretário do Dicastério da Vida Religiosa.
Como é de se esperar, predominam na basílica frades e freiras com seus hábitos.
A Primeira Leitura é do livro de Malaquias; o Evangelho, de Lucas – a passagem da apresentação de Jesus no Templo.
Quando os pais de Jesus levaram o Menino para cumprir as prescrições da lei, Simeão “movido pelo Espírito” (Lc 2, 27) toma o Menino nos braços e começa um cântico de bênção e louvor: “Porque meus olhos viram o teu Salvador, que apresentaste diante de todos os povos; luz para iluminar as nações e glória do teu povo, Israel” (Lc 2, 30-32). Simeão não apenas pôde ver; também teve o privilégio de abraçar a esperança que desejava, e isso o faz exultar de alegria. O seu coração se alegra porque Deus habita no meio do seu povo; sente-O carne da sua carne.
A liturgia de hoje nos diz que com esse rito, 40 dias depois do nascimento, o Senhor “foi apresentado no Templo para cumprir a lei, mas, na realidade, veio para encontrar-se como povo fiel” (Missal Romano, 02 de fevereiro, Monição à procissão de entrada). O encontro de Deus com o seu povo desperta a alegria e renova a esperança.
O cântico de Simeão é o cântico do homem crente que, ao final dos seus dias, é capaz de afirmar: É verdade! A esperança em Deus nunca decepciona (cf. Rm 5, 5); Ele não decepciona. Simeão e Ana, na velhice, são capazes de uma nova fecundidade, e testemunham isso cantando: a vida vale a pena ser vivida com esperança, porque o Senhor mantém sua promessa; e será, mais tarde, o próprio Jesus quem irá explicar esta promessa na Sinagoga de Nazaré: os doentes, os presos, os abandonados, os pobres, os anciãos, os pecadores, também eles são convidados a entoar o mesmo cântico de esperança, ou seja, que Jesus está com eles, está conosco (cf. Lc 4, 18-19).
Herdamos este cântico de esperança dos nossos pais. Eles nos introduziram nesta “dinâmica”. Em seus rostos, em suas vidas, em sua entrega cotidiana e constante pudemos ver como este louvor se fez carne. Somos herdeiros dos sonhos de nossos pais, herdeiros da esperança que não decepcionou as nossas mães e pais fundadores, os nossos irmãos maiores. Somos herdeiros de nossos anciãos que se animaram a sonhar, e, assim como eles, queremos hoje também nós cantar: Deus não decepciona, a esperança nele não será em vão. Deus vem ao encontro do seu Povo. E queremos cantar enfronhando-nos na profecia de Joel: “Derramarei o meu espírito sobre todos os viventes, e os vossos filhos e filhas profetizarão, os vossos anciãos terão sonhos e os jovens visões” (3, 1).
Faz-nos bem acolher o sonho de nossos pais para poder profetizar hoje e encontrar novamente aquilo que um dia inflamou o nosso coração. Sonho e profecia juntos. Memória de como sonharam os nossos anciãos, nossos pais e mães, e coragem para levar adiante, profeticamente, esse sonho.
Esta atitude nos fará fecundos, mas sobretudo nos protegerá de uma tentação que pode esterilizar a nossa vida consagrada: a tentação da sobrevivência. Um mal que pode se instalar pouco a pouco em nosso interior, dentro das nossas comunidades. A atitude de sobrevivência torna-nos reacionários, medrosos, vai nos fechando lenta e silenciosamente em nossas casas e em nossos esquemas. Faz-nos olhar para trás, para os feitos gloriosos – mas do passado – que, longe de despertar a criatividade profética nascida dos sonhos de nossos fundadores, busca atalhos para fugir dos desafios que hoje batem às nossas portas.
A psicologia da sobrevivência tira força aos nossos carismas porque nos leva a domesticá-los, a pô-los “ao alcance da mão”, mas privando-os daquela força criativa que eles inauguraram; faz-nos querer proteger espaços, edifícios ou estruturas mais que possibilitar novos processos. A tentação da sobrevivência nos faz esquecer a graça, converte-nos em profissionais do sagrado, mas não pais, mães ou irmãos da esperança que fomos chamados a profetizar.
Esse ambiente de sobrevivência seca o coração de nossos anciãos privando-os da capacidade de sonhar e, desta maneira, esteriliza a profecia que os mais jovens são chamados a anunciar e realizar. Em poucas palavras, a tentação da sobrevivência transforma em perigo, em ameaça, em tragédia, o que o Senhor nos apresenta como uma oportunidade para a missão. Esta atitude não é exclusiva da vida religiosa, mas nós, em particular, somos convidados a cuidar para não cair nela.
Voltemos à passagem do Evangelho e contemplemos novamente a cena. O que despertou este cântico em Simeão e Ana não foi, certamente, o olhar para si mesmos, o analisar e rever sua situação pessoal. Não foi o permanecer fechados por medo de que algo de ruim pudesse acontecer. O que despertou o cântico foi a esperança, essa esperança que os sustentava na velhice. Essa esperança viu-se recompensada no encontro com Jesus. Quando Maria coloca nos braços de Simeão o Filho da Promessa, o ancião começa a cantar os seus sonhos.
Quando coloca Jesus no meio do seu povo, este encontra a alegria. Sim, só isso nos poderá restituir a alegria e a esperança, só isso nos salvará de viver em uma atitude de sobrevivência. Só isso fará fecunda a nossa vida e manterá vivo o nosso coração: colocar Jesus onde ele tem que estar – no meio do seu povo.
Todos estamos conscientes da transformação multicultural que atravessamos; ninguém coloca isso em dúvida. Daqui a importância de que o consagrado e a consagrada estejam inseridos com Jesus, na vida, no coração destas grandes transformações. A missão – de acordo com cada carisma particular – nos recorda que fomos convidados a ser fermento nesta massa concreta. Certamente, poderão haver “farinhas” melhores, mas o Senhor nos convidou a levedar aqui e agora, com os desafios que nos são apresentados.
E não com atitude defensiva, nem movidos pelos nossos medos, mas com as mãos no arado ajudando a fazer crescer o trigo tantas vezes semeado em meio à cizânia. Colocar Jesus no meio do seu povo é ter um coração contemplativo, capaz de discernir como Deus vai caminhando pelas ruas das nossas cidades, dos nossos povoados, dos nossos bairros. Colocar Jesus no meio do seu povo é assumir e querer ajudar a carregar a cruz dos nossos irmãos. É querer tocar as chagas de Jesus nas chagas do mundo, que está ferido e deseja e pede para ressuscitar.
Colocarmo-nos com Jesus no meio do seu povo! Não como voluntaristas da fé, mas como homens e mulheres que somos continuamente perdoados, homens e mulheres ungidos no batismo para partilhar essa unção e consolo de Deus com os outros.
Colocarmo-nos com Jesus no meio do seu povo, porque “sentimos o desafio de descobrir e transmitir a mística de viver juntos, de misturar-nos, de encontrar-nos, de tomar nos braços, de apoiar-nos, de participar nesta maré um pouco caótica que [com o Senhor] pode transformar-se em uma verdadeira experiência de fraternidade, em uma caravana solidária, em uma peregrinação sagrada. (…) Como seria bom, salutar, libertador, esperançoso, se pudéssemos trilhar este caminho! Sair de si mesmo para se unir aos outros” (Exort. Apost. Evangelii Gaudium, 87) não só faz bem, mas transforma a nossa vida e esperança em um cântico de louvor. Mas, poderemos fazer isso somente se assumirmos os sonhos dos nossos anciãos e os transformarmos em profecia.
Acompanhemos Jesus no encontro com o seu povo, a estar no meio do seu povo, não no lamento ou na ansiedade de quem se esqueceu de profetizar, porque não se ocupa dos sonhos dos seus pais, mas no louvor e na serenidade; não na agitação, mas na paciência de quem confia no Espírito, Senhor dos sonhos e da profecia. E assim compartilhamos o que nos pertence: o cântico que nasce da esperança.
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O Papa adverte a Vida Religiosa para a “tentação da sobrevivência” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU