27 Janeiro 2017
O polêmico muro na fronteira entre os Estados Unidos e o México, prometido por Trump, é o assunto debatido por três analistas que convergem em assinalar a discrepância e o despropósito da iniciativa. Abaixo, reproduzimos os três pareceres, publicados por Página/12, 26-01-2017. A tradução é do Cepat.
Eis os pareceres.
Provavelmente, o muro gere maior violência e criminalidade na fronteira, um aumento de mortes e do crime organizado. Jamais pode ser uma solução. O muro surge em meados dos anos 1990 e vai sendo reforçado com todos os governos seguintes, sobretudo a partir de George W. Bush. Contudo, o recorde de deportações de migrantes foi durante o governo de Barack Obama, quando atingiu o número de 2, 8 milhões. Desse modo, mais de 300.000 famílias foram separadas. A última regularização migratória foi em 1986. Muitas pessoas já tinham uma vida, moradia, um trabalho, e foram deportadas do mesmo modo.
A política de Trump vem para aprofundar drasticamente essa postura, não parece haver outro paradigma. Tudo isto com o conhecimento de que as contribuições deste setor são centrais para a economia estadunidense. Só de impostos ao consumo, os imigrantes indocumentados pagam uns 10 bilhões de dólares por ano. O muro simboliza a relutância das autoridades em adotar uma política migratória coerente, realista, que pense na integração e inclusão social. Que seja consciente que a migração não é somente o que acontece em um país, mas que esses temas se resolvem de forma coletiva. Algo preocupante são os discursos, já que se instala a relação entre imigrantes, delinquência, narcotráfico e terrorismo, independente se os dados depois corroboram ou não, o que faz com que se gere um imaginário social que aumenta isso, sendo muito duro para as famílias migrantes em seu cotidiano.
Trump é em si mesmo um expoente de algo que transcende ao fato. A abordagem requer [o entendimento] de uma disputa cultural muito profunda, porque no caso de Trump, como de outros países europeus, este busca o respaldo de um setor de seus eleitores, colocando nos imigrantes o inimigo, para mostrar que ali está o foco da perda de suas fontes de trabalho. A migração é consequência da desigualdade, uma desigualdade que pregam e aprofundam os setores que ele representa. Há que mudar o debate: onde se origina a desigualdade? A causa popular tem que voltar a procurar unir as regiões mais desenvolvidas com as da chamada “periferia”. É preciso mostrar de onde surge. Elaborar todo o circuito argumentativo que coloque uma ordem e compreenda o debate.
Só assim é possível alterar o eco que estes personagens encontram com as posturas de direita mais elementares, colocando o debate em outros termos. Restabelecer o vínculo entre os trabalhadores por setores. No pós-Primeira Guerra Mundial existiu a “aristocracia operária”, que abjurava aos outros trabalhadores que faziam com que seus salários baixassem.
Lamentavelmente, atravessamos uma lógica perversa, não é um mero discurso delirante, mas tem muita acolhida em uma grande quantidade de setores. Evitar a migração não é somente uma reivindicação dos estadunidenses, também é legítimo que os mexicanos possam permanecer em seu país. Está claro que ninguém quer sair de seu lugar.
O muro, para fins práticos, não irá afetar em nada. A grande maioria dos imigrantes ilegais entraram legalmente, depois ficaram em posição ilegal. Essas pessoas entraram de avião, barco ou carro. O muro é uma mensagem para seus eleitores domésticos, não para eliminar a imigração. É um gasto de dinheiro desnecessário, fato para tentar ganhar capital político. Um gesto simbólico que fala da xenofobia e o racismo desta administração. Seu objetivo é mandar um sinal de que é intolerante e agressivo.
Há várias ordens executivas que foram assinadas nestes últimos dias que vão nesse sentido. Muitas foram contra imigrantes muçulmanos, por exemplo. Uma das mais polêmicas foi a que reinstaurou os “black sites”, que são centros de detenção que a CIA possui no estrangeiro, algo que Obama havia cancelado. Irá começar a existir conflitos comerciais, como aconteceu na Argentina com os limões.
O problema é que também existe um efeito complicado em seu Partido Republicano, porque foram os que sempre apoiaram a liberdade de comércio. Terão dificuldades para justificarem a seus eleitores. Acredito que Trump está improvisando e logo terá um conflito interno. Junto a isso, soma-se o fato de ser um mentiroso crônico: sua assessora alcunhou o termo “fatos alternativos”, o que em crioulo são mentiras que disfarça como se fosse uma “leitura distinta”. É o presidente estadunidense mais cínico dos últimos 150 anos.
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Três olhares sobre o muro de Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU