17 Janeiro 2017
Os riscos de desmonte de toda a legislação social nos EUA. O plano fantasioso de aliar-se à Rússia contra a China. O arsenal nuclear nas mãos de alguém imprevisível. Immanuel Wallerstein, sociólogo, analisa em artigo publicado por OutrasPalavras, 15-01-2017, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. Tradução de Inês Castilho.
Eis o artigo.
A previsão de curto prazo é uma atividade das mais traiçoeiras, que procuro nunca fazer. Prefiro analisar o que está acontecendo em termos da história de longa duração e as prováveis consequências no médio prazo. Contudo, decidi agora fazer previsões de médio prazo, por uma simples razão. Parece-me que todo mundo, em todo lugar, está neste momento focado naquilo que acontecerá no curto prazo. Parece não haver outro tema de interesse. A ansiedade está ao máximo, é preciso lidar com isso.
Começo alertando: penso que 95% das políticas que Donald Trump irá seguir em seus primeiros tempos de governo serão absolutamente terríveis — piores do que esperávamos. Isso já pode ser percebido na indicação de seus principais assessores. Ao mesmo tempo, ele provavelmente enfrentará enormes problemas.
Esse resultado contraditório é consequência do seu estilo político. Se olhamos para trás e observamos como ele chegou à presidência dos Estados Unidos, veremos que foi com certa técnica retórica deliberada, contra todas as probabilidades. Por um lado, ele faz declarações constantes que respondem aos maiores medos dos cidadãos norte-americanos, usando uma linguagem cifrada que os ouvintes interpretam como apoio a políticas que, pensam eles, aliviariam suas muitas dores. Fez isso mais frequentemente em breves tweets ou em comícios públicos fortemente controlados.
Ao mesmo tempo, sempre foi vago sobre quais políticas, precisamente, irá seguir. Suas declarações foram, quase sempre, seguidas de interpretações de seus principais seguidores, frequentemente diferentes e até mesmo opostas. De fato, ele assumiu o crédito por declarações fortes e deixou para outros o descrédito pelas políticas exatas. Foi uma técnica magnificamente efetiva. Levou-o até onde ele está e tudo indica que pretende manter essa política quando estiver no governo.
Seu estilo político tem um segundo elemento. Ele tolerou qualquer interpretação enquanto isso significou apoio a sua liderança. Ao sentir qualquer hesitação quanto ao endosso à sua pessoa, foi ligeiro na vingança, atacando publicamente o ofensor. Exigiu lealdade absoluta, e insistiu em que isso fosse exibido. Aceitou remorsos arrependidos, mas nenhuma ambiguidade com relação à sua pessoa.
Trump parece acreditar que essa mesma técnica lhe será útil em todo o mundo: retórica forte, interpretações ambíguas por um conjunto variado de seguidores principais, e no final políticas muito imprevisíveis.
Ele parece pensar que há apenas dois outros países que importam no mundo, hoje, além dos Estados Unidos – Rússia e China. Como apontaram Robert Gater e Henry Kissinger, está usando a técnica de Nixon ao contrário. Nixon fez um acordo com a China para enfraquecer a Rússia. Trump está tentando um acordo com a Rússia para enfraquecer a China. Essa política parece ter funcionado para Nixon. Funcionará para Trump? Penso que não, porque o mundo de 2017 é muito diferente do mundo de 1973.
Vejamos quais são as dificuldades à frente, para Trump. Em casa, sua maior dificuldade é sem dúvida com os congressistas republicanos, particularmente os da Câmara. Sua agenda não é a mesma que a de Donald Trump. Por exemplo, querem destruir o Medicare. Na verdade, pretendem revogar toda a legislação social do último século. Trump sabe que isso poderia revoltar sua base eleitoral atual, que deseja um Estado de bem-estar social e ao mesmo tempo um governo profundamente protecionista e uma retórica xonófoba.
Trump conta com a intimidação do Congresso para enquadrá-lo. Talvez consiga. Mas então, ficarão evidentes as contradições entre sua agenda pró-ricos e a manutenção parcial do Estado de bem-estar social. Ou então o Congresso prevalecerá sobre Trump e ele achará isso intolerável. O que poderá fazer é uma incógnita. Desde que se conhece por gente, nunca enfrentou esse tipo de situação difícil – até que tenha de fazê-lo.
O mesmo é verdade quanto à geopolítica do sistema-mundo. Nem a Rússia nem a China estão prontas para retroceder minimamente de suas políticas atuais. Por que o fariam? Essas políticas estão funcionando para eles. A Rússia é novamente uma grande potência no Oriente Médio e em toda o antigo mundo soviético. A China está assumindo, devagar e sempre, uma posição de domínio no Norte e no Sudeste da Ásia, e ampliando seu papel no resto do mundo.
Sem dúvida, tanto a Rússia quanto a China passam por dificuldades de tempos em tempos, e ambos estão prontos a, oportunamente, fazer concessões a outros – mas não mais do que isso. Trump descobrirá que não é, internacionalmente, o cão alfa a quem todo mundo deve obediência. E então?
O que ele pode fazer quando suas ameaças sejam ignoradas, é de novo uma incógnita. O que todos temem é que ele venha a agir, precipitadamente, com as ferramentas militares que tem à disposição. Fará isso? Ou será contido por seu círculo de assessores imediatos? Podemos apenas ter esperanças.
Então é isso. A meu ver, o cenário não é favorável, mas também não é sem esperança. Se de alguma forma alcançarmos, neste ano, um ínterim de estabilidade dentro dos Estados Unidos e no sistema-mundo como um todo, então as tendências de médio prazo reassumirão sua primazia. E nesse terreno a história, embora ainda sombria, tem ao menos melhores perspectivas para aqueles que desejam um mundo melhor do que esse que temos atualmente.
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Wallerstein: o que esperar da era Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU