01 Outubro 2016
O vegetarianismo evitaria 7 milhões de mortes por ano, enquanto o veganismo 8 milhões.
Eliminar a carne de nossas dietas traria benefícios tanto para a nossa própria saúde e para a saúde do planeta, mas também poderia prejudicar milhões de pessoas. Entenda o porquê!
A reportagem é de Rachel Nuwer, publicada por BBC Future e reproduzida por Envolverde, 30-09-2016. A tradução é de Katherine Rivas.
As pessoas decidem ser vegetarianas por uma variedade de razões. Alguns fazem isso para aliviar o sofrimento animal, outros porque procuram um estilo de vida mais saudável e um outro grupo, fã da sustentabilidade, porque procuram reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Não importa quanto os carnívoros neguem, os vegetarianos têm um ponto importante: quem deixa de consumir carne proporciona múltiplos benefícios. E quanto mais pessoas façam esta escolha estes benefícios se manifestarão em escala global.
Porém se todo mundo decidisse ser um vegetariano comprometido haveria graves inconvenientes para bilhões de pessoas. “É a história de dois mundos, realmente”, afirma Andrew Jarvis, do Centro Internacional de Agricultura Tropical da Colômbia. “Nos países desenvolvidos o vegetarianismo traria múltiplos benefícios ambientais e para a saúde, porém nos países em desenvolvimento haveria efeitos negativos em relação à pobreza”.
Jarvis e outros especialistas utilizaram a hipótese do que aconteceria se a carne saísse do menu do planeta durante uma noite.
Inicialmente eles examinaram as mudanças climáticas. A produção de alimentos é responsável por um quarto ou um terço das emissões de gases de efeito estufa antropogênicas em todo o mundo e a responsabilidade maior destes números provem da produção pecuária. Apesar disso, muitas vezes subestimamos o impacto das nossas escolhas alimentares.
Nos Estados Unidos, por exemplo, uma família de quatro pessoas emite mais gases de efeito estufa pela carne que consomem do que ao dirigir dois carros. Mas são os carros e não os bifes que estão sempre nas discussões de aquecimento global.
“A maioria das pessoas não pensa nos impactos dos alimentos nas alterações climáticas”, explica Tim Benton, especialista em Segurança Alimentar da Universidade de Leeds. “No entanto, diminuir um pouco o consumo de carne já tornaria as coisas muito melhores para nossos filhos e netos”, diz.
Marco Springmann, pesquisador do programa interdisciplinar Oxford Martin sobre Alimentação no Futuro, tentou quantificar as melhorias. Junto aos seus colegas criou modelos no computador para predizer o que aconteceria se até 2050 todo mundo se tornasse vegetariano. Os resultados mostraram que com a eliminação da carne vermelha as emissões que provém da produção de alimentos reduziriam em 60%. E se o mundo fosse vegano de vez as emissões reduziriam 70%.
“Quando olhamos as alternativas para evitar níveis perigosos de alterações climáticas, percebemos que só conseguiremos estabilizar as emissões da alimentação com as outras emissões se tudo mundo adaptar uma dieta baseada em vegetais”, comenta Springmann. “Um cenário pouco realista, mas que destaca a importância que as emissões da alimentação terão no futuro”.
Alimento, em especial o gado, ocupa muito espaço sendo responsável pelas emissões de gases efeito estufa por causa da conversão de terras e a perda de biodiversidade. De cinco bilhões de hectares de terras agrícolas no mundo, 68% é usado pelo gado.
Se todos fossem vegetarianos, poderíamos dedicar 80% das terras para a restauração de pastagens e florestas, reduzindo ainda mais os impactos do carbono no clima. Transformando pastagens antigas em habitats nativos geraríamos benefícios à biodiversidade, até mesmo para os herbívoros, como os búfalos, e predadores, como os lobos que são mortos ao tentar atacar o gado.
Os 10% ou 20% restante pode ser utilizado no cultivo de plantas para preencher as lacunas na hora de fornecer. No entanto, o incremento de terras agrícolas seria ainda pequeno mas compensaria a perda do território utilizado para produzir alimento para o gado e não para os humanos.
A restauração ambiental e a conversão da alimentação baseada em vegetais exigem planejamento e investimento devido a que as pastagens estão altamente degradadas. “Você não pode tirar as vacas das pastagens e esperar que as terras se tornem uma floresta primária por conta própria”, diz Jarvis.
Pessoas envolvidas na indústria pecuária precisarão fazer transição no mercado profissional, seja na agricultura, contribuindo com o reflorestamento e a produção de bioenergia ou nos subprodutos da colheita (atualmente utilizados para o gado).
Os agricultores poderão até mesmo ser pagos para manter o gado para fins ambientais. “Estou aqui na Escócia onde o ambiente das montanhas é muito artificial, a maior parte tem pastagens de ovelhas”, comenta Peter Alexander, pesquisador de Sistemas Sócio ecológicos na Universidade de Edimburgo. “Se colocamos todas as ovelhas para fora o ambiente ficaria muito diferente e teria um impacto negativo sobre a biodiversidade”.
Devemos pôr um fim às alternativas e subsídios para as profissões relacionadas ao gado, mas ao mesmo tempo enfrentaremos a convulsão social por causa do desemprego em comunidades rurais que tem laços estreitos com a indústria.
“São mais de 3,5 bilhões de ruminantes no mundo e dezenas de bilhões de frangos mortos a cada ano para consumo”, explica Bem Phalan, pesquisador do equilíbrio da demanda de alimentos e biodiversidade na Universidade de Cambridge. “Estamos falando de alterações econômicas gigantes”.
Mas mesmo com as melhores estratégias seríamos incapazes de oferecer meios alternativos de subsistência para todos. Um terço das terras é composto de pastagens áridas e semiáridas que só consegue beneficiar a agricultura animal. No passado as pessoas tentaram converter o Sahel - faixa leste-oeste da África no sul do Saara - de pastagem de gado para terras agrícolas, mas houve desertificação e perda de produtividade. “Sem gado a vida em certos ecossistemas é impossível para algumas pessoas”, diz Phalan. Em especial para os grupos nômades como mongóis e berberes que despojados dos seus rebanhos deveriam se contentar a vida em cidades ou vilas perdendo sua identidade cultural.
Até mesmo aqueles que não subsistem pelo gado sofreriam mudanças. A carne é um elemento importante da história, tradição e identidade cultural. Muitas pessoas acostumam a dar gado como presente de casamento, jantares comemorativos como no Natal tem o peru ou o bife como pratos base. “ O impacto cultural de desistir da carne seria muito forte, por tal motivo os esforços em reduzir o consumo são fracos” explica Phalan.
Os efeitos na saúde são diversos. Os estudos mostram que se todos fossem vegetarianos até 2050 haveria uma redução da mortalidade mundial entre 6% e 10% pela diminuição de doenças cardíacas, diabetes, acidente vascular cerebral e câncer.
A metade dos frutos tem a ver com a redução do consumo de carne vermelha pela metade enquanto os benefícios restantes são fruto das calorias devido as frutas e legumes que as pessoas comem. Uma dieta vegana pode incrementar estes benefícios. O vegetarianismo evitaria 7 milhões de mortes por ano, enquanto o veganismo 8 milhões. As pessoas sofreriam menos doenças crônicas economizado de 2% a 3% do Produto Interno Global.
Mas estes benefícios exigem a substituição da carne por produtos nutricionalmente adequados. Produtos de origem animal contem mais nutrientes que os vegetarianos como grãos e arroz então fazer a substituição certa é fundamental considerando os dois bilhões de pessoas subnutridas no planeta. “A onda global de vegetarianismo pode gerar uma crise de saúde nos países em desenvolvimento porque de onde os micronutrientes vêm?”, questiona Benton
Afortunadamente o mundo inteiro não precisa se converter ao vegetarianismo ou veganismo para colher os benefícios de limitar esta repercussão.
Ao invés disso a moderação do consumo de carne é fundamental. Um estudo descobriu que aderir às recomendações dietéticas da Organização Mundial da Saúde reduziria as emissões de gases efeito estufa no Reino Unido em 17%, porcentagem que diminuiria mais 40% se os cidadãos evitassem os produtos de origem animal ou lanches processados. “Os consumidores não percebem destas mudanças ao ter um pedaço menor de carne no lanche” explica Jarvis. “Não se trata de escolher entre vegetariano ou carnívoro.”
Springmann afirma que algumas mudanças no sistema alimentar podem encorajar os outros para tomar decisões alimentares compatíveis com um meio ambiente mais saudável tais como colocar um preço elevado na carne e reduzir o custo de frutas e legumes. A estratégia ajudaria com a ineficiência devido à perda de alimentos, resíduos e excessos, menos de 50% das calorias produzidas, são utilizadas de forma eficaz. “Há uma forma de ter sistemas de baixa produtividade ricos em animais e bem-estar ambiental e com rentabilidade porque eles estão produzindo carne como um deleite e não como uma obrigação diária”, diz Benton.
“Nesta situação os produtores terão o mesmo resultado, os animais apenas estão crescendo de forma diferente”
Já existem soluções claras para reduzir as emissões de gases de efeito estufa que provem da indústria do gado. O que falta é vontade de implementar estas mudanças.
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E se o mundo se tornasse vegetariano? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU