28 Julho 2016
"Ocorre que este dinheiro novo, ao invés de ser investido na produção e na criação de empregos, foi jogado na corrente especulativa das finanças mundiais", escreve Leonardo Boff, escritor, teólogo e filósofo.
Eis o artigo.
A crise econômico-financeira de 2007-2008 estremeceu os fundamentos da economia capitalista (este é seu modo de produção) e o neoliberalismo (este é sua expressão política). A tese básica era dar primazia ao mercado, à livre iniciativa, à acumulação privada, à lógica da competição em detrimento da lógica da cooperação e a um Estado mínimo. O lema em Wall Street de Nova York era: greed is good, traduzindo, a cobiça é boa. Quem olha numa perspectiva minimanente ética já podia saber que um sistema montado sobre um vício (cobiça) e não sobre uma virtude (bem comum), jamais poderia dar certo. Um dia iria implodir.
A implosão começou com a falência de um dos maiores bancos norte-americanos, o Lehman Brothers, levando todo o sistema bancário e financeiro numa incomensurável crise. Em poucos dias pulverizaram-se trilhões de dólares. Parecia o fim deste tipo de mundo. Oxalá fosse.
Curiosamente, os que desprezavam o Estado, reduzindo-o ao mínimo, tiveram que recorrer a ele, de joelhos e mãos juntas. Os bancos centrais dos Estados tiveram que despejar trilhões de dólares para salvar as instituições financeiras falidas. A máquina de fazer dinheiro rodava em máxima velocidade, dia e noite.
Houve como consequência da crise, até hoje ainda não superada, também entre nós, a quebra de milhares de empresas e até de países como a Grécia com altíssimo grau de desemprego. Destruiram-se fortunas mas mais que tudo se criou um mar de sofrimento humano, suicídios e até de fome no mundo inteiro. Dados recentes referem que nos USA uma sobre sete pessoas passa fome. Imaginemos o resto do mundo.
Ninguém seguiu a sábia sentença atribuída a Einstein: “o pensamento que criou a crise não pode ser o mesmo que nos vai tirar da crise”. Temos que pensar e agir diferente. Foi exatamente o que não se fez. Piamente se acredita ainda que este sistema continua bom e válido, a despeito da devastação ecológica que produz, pondo em risco as bases que sustentam a vida. Ele é bom e válido para os especuladores que estão acumulando uma riqueza absurda. Nos USA o 1% dos mais opulentos acumula rendas equivalentes àquela de 90% dos demais norte-americanos.
A despeito de todas as reuniões dos G-8 e G-20 para buscar alternativas, a política ecocômico-financeira continua a mesma: fazer mais do mesmo. Isso está desestruturando os países e poderá levar a uma revolta popular mundial com consequências funestas.
Duas estratégias foram usadas. A primeira foi a injeção de trilhões de dólares por parte dos Estados para impedir a falência total do sistema. Alem dos trilhões de moeda física lançada no mercado, criou-se um complemento chamado quantitative easing. Na definição que me parece correta da Wikipedia: “é a flexibilização quantitative que quer dizer, a criação de quantidades significativas de dinheiro novo (geralmente electronicamente) por um banco, autorizado pelo Banco Central dentro de determinadas condições”.
Ocorre que este dinheiro novo, ao invés de ser investido na produção e na criação de empregos, foi jogado na corrente especulativa das finanças mundiais. Aqui se ganha muito mais, imediatamente, do que no investimento produtivo, que demora muito mais tempo. Desta forma os ganhos vão para os já bilionários, sem solucionar a crise, ao contrário, agravando-a.
O outro expediente foram as políticas de ajustes, vindo sob o nome de austeridade. Para garantir os ganhos dos capitais, organizou-se um ataque sistemático aos direitos sociais, aos serviços públicos de saúde e de educação, ao sistema da providência e às aposentadorias. Isso se inaugurou primeiro na zona do euro e agora na mesma lógica no Brasil. Fragilizou-se a já frágil democracia e a diminuição do gasto público está provocando recessão e desemprego.
Se tivesse havido pensamento e um mínimo de senso humanitário, uma possível saída poderia ser aquilo que incansavelmente vem propondo, há muitos anos, o ex-senador Eduardo Matarazzo Suplicy: a renda mínima cidadã. Pelo fato de alguém ser humano, tem direito a uma renda cidadã que lhe garanta uma vida digna, embora frugal. Diz o estudioso Antonio Martins: ”Um cálculo do site Swiss Info, ainda em 2009, mostrou que só nos primeiros meses de socorro aos bancos, os Estados gastaram 10 trilhões de dólares; seria suficiente para pagar a cada habitante do planeta US 1422, aproximadamente R$ 4,5 mil” (cf. site Outras Palavras de 14;07/16). Seria o “quantitative easing for People” proposto pele líder trabalhista britânico Jeremy Corbyn. Esse dinheiro circularia no consumo, nos benefícios públicos e superaria o grave padecimento humano pelo desemprego e pela fome. Esta seria uma solução viável, mais ética e mais humana. Ela pode ser ainda realizada. Quem sabe, com o agravamento da crise mundial, não sejamos obrigados a esta solução verdadeiramente salvadora.
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A renda cidadã: uma saída viável da crise mundial. Artigo de Leonardo Boff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU