17 Junho 2016
"O ajuste do primeiro semestre se consolidou com uma inflação que favorece os grandes empresários e afeta a maioria empobrecida, enquanto desencorajou a produção local e estimulou a produção externa, com a invasão de importações que deslocam e competem com a produção local", escreve Julio C. Gambina, Presidente da Fundación de Investigaciones Sociales y Políticas, FISYP. A tradução é de Henrique D. Lucas.
Eis o artigo.
Os primeiros seis meses do governo Macri servem para preparar as condições institucionais de subordinação reivindicadas pelos grandes capitais.
O programa de máxima dos capitais visa diminuir o custo dos salários no processo de produção e circulação e, ao mesmo tempo, baratear as condições de exploração dos bens comuns.
Os afetados seriam os direitos humanos da maioria trabalhadora e os direitos ambientais.
O ajuste do primeiro semestre se consolidou com uma inflação que favorece os grandes empresários e afeta a maioria empobrecida, enquanto desencorajou a produção local e estimulou a produção externa, com a invasão de importações que deslocam e competem com a produção local.
A inflação e a recessão foram duas consequências da política econômica do governo Macri.
A especulação derivada de taxas elevadas impulsionadas pelo Banco Central da República Argentina (BCRA) e o festival de títulos externos emitidos pelo Ministério da Fazenda, associados ao acordo e ao pagamento aos credores externos acabam por relegar o presente e o futuro da economia local às demandas do capital estrangeiro.
Além disso, nesta semana será anunciado o aumento da qualificação do mercado de capitais da Argentina.
Existem três categorias de mercados de capitais: a) dos países capitalistas desenvolvidos; b) dos emergentes (Brasil, Índia, China, etc.); c) dos países fronteiriços (entre os investidores estrangeiros, não são confiáveis).
A nova qualificação aponta para uma escalada da categoria c para a b; para mercado emergente e para o recebimento, portanto, do interesse de investidores internacionais que buscam melhores opções de rentabilidade no marco da crise capitalista mundial.
Abertura econômica, liberalização e a integração subordinada
A Argentina tem sido aceita como "observadora" na Aliança do Pacífico, que é uma imitação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), após a derrota de 2005, e é base de lançamento do Acordo de Associação Transpacífico, TPP.
Este acordo se propõe a disputar as relações internacionais em meio à crise capitalista e à emergência da China como uma potência mundial, com crescente influência na região sul-americana na última década.
A disputa global se dá pela hegemonia da abertura e da liberalização da economia mundial em crise.
O papel do governo argentino é a chave para mudar as relações de poder que tinham sido construídas nos últimos tempos e que habilitavam a discussão sobre integração alternativa.
A realidade é que as expectativas foram frustradas por limites de processos de mudança política e a ofensiva das classes dominantes.
Com a Argentina subordinada à política externa dos EUA e a possível convergência com o Brasil após o "golpe neoliberal brando", facilita-se a discussão no interior do Mercosul.
Além disso, faz algum tempo que o Paraguai posterga sua abertura e o Uruguai tem dado sinais desse movimento (adesão ao Acordo no Comércio de Serviços - TISA, para além do que lhe é convencional). Apenas a Venezuela mantém uma posição crítica, e por isso é essencial ativar o movimento popular "Nossa América melhor sem Tratados de Livre Comércio (TLC)", cuja versão local se materializa sob o lema: "Argentina melhor sem TLC".
O governo Macri estará na Cúpula da Aliança do Pacífico, no Chile, em 1º de julho, anunciando os benefícios da abertura, base para a atração de investimento estrangeiro.
Ele vai antecipar suas opiniões no Fórum Econômico regional, evento que está sendo realizado esta semana na Colômbia, assim como tentará mostrar em Davos, em janeiro, que não é apenas a Argentina que é favorável à circulação de capitais globais.
A mensagem irá salientar que a região está em uma mudança de orientação, voltando-se para políticas de "mercado" coerentes com o que assinalam as organizações financeiras internacionais como "programas desejáveis" para os nossos países sul-americanos.
Convenhamos que as dificuldades para atrair investimentos não são apenas da Argentina, mas a situação brasileira e, em particular, da América do Sul em seu conjunto, não favorecem a demanda de elevada rentabilidade oferecida até pouco tempo atrás.
A conflitividade não controlada pelos governos é um fato e leva a pensar em um cenário político aberto para disputar o sentido social majoritário para o projeto de poder, ou novas recriações de projetos alternativos para a ordem capitalista em crise.
Segundo semestre de ajuste e posterior posicionamento de recuperação
Todos prognósticos apontam para queda do PIB argentino em 2016 e talvez uma recuperação em 2017. É certo que em algum momento deve haver um rebote a partir de algum ponto da recessão, mas ainda assim isso deve acontecer consolidando uma pauta de empobrecimento estrutural que supera todos os parâmetros históricos.
A pobreza cresce, e não me refiro aos picos de pobreza, mas aos pisos que se consolidam em cada ajuste estrutural acrescido durante este momento constitucional, desde 1983.
Nos anos 90, consolidou-se um piso de empobrecimento que foi estendido, e logo reduzido, mas ainda assim o resultado conseguiu estabilizar uma nova base da pobreza e da indigência que modifica substancialmente a estrutura econômica e social do país.
A Argentina, das classes dominantes e do governo, se predispõe, a partir das novas condições políticas, a facilitar o funcionamento da ordem capitalista global, garantindo um papel dependente e subordinado da economia local ao programa liberalizador das transnacionais que atuam no país e de outras que são convidadas à apropriação do trabalho social local.
A população aceitará este destino de subordinação, ou na véspera do bicentenário da independência política serão geradas condições para avançar à independência econômica?
Em 1910, ano do centenário da Revolução de Maio, havia uma tentativa de se ocultar o conflito em plena implementação da inserção subordinada da Argentina na divisão internacional do trabalho, liderada pela Inglaterra.
Agora, depois de 200 anos do dia 09 de julho de 1816, o dia da Independência da Argentina, o conflito social, especialmente de trabalhadoras e trabalhadores, discute o sentido da inserção internacional do país e levanta questões sobre as condições de possibilidade para a independência.
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Macri e seis meses de governo para preparar a inserção subordinada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU