19 Mai 2016
O padre jesuíta James Martin, editor-geral da revista America, fez uma apresentação no dia 13 de maio, na Creighton University, em Omaha, Nebraska, sobre o seu mais recente livro intitulado “Seven Last Words: An Invitation to a Deeper Friendship with Jesus” (HarperOne, 2016). Martin concedeu uma entrevista no mesmo dia, logo após a apresentação.
A entrevista é de Elizabeth A. Elliott, publicada por National Catholic Reporter, 17-05-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis a entrevista.
O que o senhor acha da questão do diaconato para as mulheres?
Ficou bastante claro que o Papa Francisco quis reabrir o debate. Eu acho que ter diaconisas é, realmente, a recuperação de uma realidade histórica e também algo que aponta em direção ao futuro em termos de capacitar as mulheres a terem uma maior participação na vida litúrgica da Igreja e, portanto, uma maior participação em cargos de liderança. Porque a pregação é uma forma de liderança e a celebração dos sacramentos é uma forma de liderança também. Acho a ideia fantástica.
Como o senhor responde à resistência ao debate sobre a ordenação de diaconisas?
Provavelmente existe uma série de motivos para essa resistência. Um deles é de natureza teológica: as pessoas acham que isso não se justifica teologicamente e que está próximo demais da ordenação sacerdotal. Segundo, acho que existe um medo de mudar. É algo novo e diferente, e as pessoas tendem a temer a mudança. Terceiro, acho que, infelizmente, há uma certa misoginia.
A primeira vez que ouvi uma mulher fazer uma reflexão num retiro foi sobre a Anunciação, e me lembro de eu ter pensado o quão pobre a Igreja está sendo por não ser capaz de ouvir os pontos de vista delas sobre as Escrituras. Não só sobre questões femininas e sobre as mulheres na Bíblia, mas tudo. Essa situação realmente me surpreendeu e eu jamais esqueci.
Estando bastante próximo da ordenação sacerdotal, será que eles irão mudar os procedimentos atuais?
A ironia aqui é que quando Febe era uma diaconisa, ela não foi ordenada ao diaconato da forma como os diáconos são ordenados hoje. Os padres não eram ordenados padres da forma como são ordenados hoje. Portanto, não acho convincentes os argumentos contra a ordenação feminina. Os argumentos a favor são bem convincentes, por outro lado, inclusive os argumentos históricos.
Caso essa possibilidade fosse totalmente sem sentido, o papa teria dito sem rodeios. Ele não o disse. Ele falou que precisamos estudar mais o assunto. Curiosamente, houve uma reação exagerada ao anúncio inicial, em que as pessoas disseram que ele havia aprovado a ideia e, então, houve uma reação também exagerada ao anúncio do padre jesuíta Federico Lombardi, em que disse que o papa não estava aprovando nada. Já a reação ao que esse padre disse foi: “Ah, agora sim, esta ideia está totalmente fora de cogitação”, o que também não é verdade.
O papa está aberto ao debate. Quando um grupo de mulheres lhe faz uma pergunta, ele se mostra aberto. O papa de fato crê nas ações do Espírito Santo entre o Povo de Deus. Esse é um dos motivos por que ele tentou encorajar os bispos a fazerem sondagens entre os fiéis antes dos Sínodos. Se ele acredita no trabalho do Espírito Santo entre o Povo de Deus, ele certamente acredita no trabalho do Espírito Santo e das religiosas. E elas estão fazendo estas perguntas. Ele confia no Espírito.
O senhor tem mais de 400 mil curtidas em sua página no Facebook. Para o senhor, o que as pessoas estão buscando?
Por trabalhamos na revista America, acabamos sendo uma espécie de local de encontro para troca de notícias, vídeos, histórias. É ótimo poder compartilhar estas coisas com as demais pessoas.
Segundo, eu acho que elas apreciam a espiritualidade inaciana. Particularmente eu tento ser honesto em relação às minhas próprias lutas e com as coisas que gosto e não gosto. Tento convidar as pessoas a olharem para as coisas que eu acho interessante. Gosto de criar um espaço onde as pessoas possam discutir ideias. Penso que muitas pessoas sentem que não possuem voz na Igreja, então acho que elas estão felizes por poderem debater coisas em um fórum aberto e caritativo.
Aos fiéis da geração millennial e aqueles que não estão na Igreja, o senhor se sente como um pároco virtual?
Eu vejo este trabalho como um ministério, e os jesuítas aprendem que devem se encontrar com as pessoas onde elas estão. Penso que as mídias sociais são um modo particular de as pessoas explorarem a sua espiritualidade. Em décadas passadas, pegávamos um livro, e hoje as pessoas vão para uma página do Facebook ou o Twitter, ou mesmo para o Instagram. É uma maneira que elas usam para explorar as coisas. Há muitas pessoas que vêm até mim e dizem: “Eu leio a sua página no Facebook, mas nunca comento”. Portanto, sei que elas estão acompanhando o que posto.
É um ministério. Ir aonde as pessoas estão, e as pessoas estão mas mídias sociais. Por que não sair por aí da mesma forma como Jesus saía em meio ao povo? Estes espaços não devem ser ignorados por nós. Nenhum meio de comunicação está abaixo da gente. Sempre existem maneiras de nos encontrarmos com as pessoas. As redes sociais são também um modo de mostrar às pessoas outras partes da Igreja Católica.
O senhor sente alguma responsabilidade ou um fardo por ser tão seguido nas redes sociais?
Eu sei que não falo oficialmente pela Igreja ou pela Companhia de Jesus, ou ainda pela revista America. Sei também que o que coloco ou digo reflete na Igreja, na Companhia de Jesus e na revista. Portanto, tenho sempre muito cuidado ao me expressar. Na maior parte, o que posto tem a ver com os Evangelhos. Assim, se estes ofenderem as pessoas, então que assim seja.
Eu tento chegar especialmente às pessoas que se sentem às margens da sociedade: fiéis LGBTs, divorciados e recasados, mulheres que se sentem marginalizadas. Jesus foi às margens e os jesuítas também devem ir.
Em 2009, o senhor escreveu uma história sobre católicos gays. As coisas para estas pessoas melhoraram desde então, ou desde o papado de Francisco?
As coisas melhoraram para os fiéis católicos gays desde que o Papa Francisco disse as suas cinco palavras mais famosas: “Quem sou eu para julgar?” É difícil não perceber o impacto nesse sentido. Quando esteve nos Estados Unidos, o papa se encontrou com um ex-aluno gay e o companheiro deste. Em Amoris Laetitia, ele diz que nós, antes de qualquer coisa, devemos tratar as pessoas LGBTs com respeito. Portanto, acho que o seu tom e a sua maneira, bem como a sua abordagem, realente fizeram as pessoas LGBTs se sentirem mais acolhidas.
Para dizer a verdade, basta perguntarmos a elas para saber. Não é algo abstrato. Estas pessoas me dizem: “Nós gostamos deste cara, eu me sinto mais acolhido”. É fantástico. Por que não iríamos querer que as pessoas se sintam mais assim? Eu ainda acho que a Igreja precisa fazer mais por elas.
Como o senhor acha que é possível melhorar nesse sentido?
Primeiro, escutando a experiência destas pessoas. Em geral, as pessoas LGBTs ouvem as pregações ao invés de serem ouvidas. Segundo, saindo do caminho delas para fazê-las se sentir mais acolhidas, bem-vindas. Terceiro, incluindo-as em postos de liderança como as demais pessoas, na qualidade de ministros e leitores eucarísticos, coisas assim. Mas a primeira coisa é escutá-las. Que experiência elas trazem?
O que o senhor acha que a Igreja precisa fazer para incentivar uma maior participação dos leigos?
Acho que uma das grandes promessas não cumpridas do Vaticano II foi a participação dos leigos nos processos decisórios dos altos níveis da Igreja. Os ambientes em que eles podem se manifestar, serem ouvidos e influir nas decisões ainda estão vagos. Vimos a crise de abuso sexual. Como estas pessoas podem influir nas mudanças? Não existem espaços onde os leigos podem se sentir representados.
Penso que os sínodos são um grande caminho para começar. Pôr leigos em papéis de chefia na Igreja é essencial. A chancelaria é um com começo. No Vaticano, poderia haver leigos dirigindo alguns dicastérios. O Conselho Pontifício sobre a Família: por que ele não pode ser dirigido por um homem (ou uma mulher) casado? O Cardeal Pietro Parolin disse que uma mulher poderia ser a secretária de Estado. Com certeza existem coisas que não exigem ordenação. Acho que os leigos precisam ter um lugar onde suas vozes possam ser ouvidas e institucionalizadas.
O senhor pode dar uma resposta à recente carta orientadora do governo Obama sobre os direitos civis dos alunos transgêneros sob a lei Título XI nas escolas públicas?
Eu não estou muito por dentro dessa questão, mas diria que não compreendo qual o problema em se deixar as pessoas transgêneras usar os banheiros em que elas se sentem confortáveis. Pessoalmente, acho que estão exagerando e que as reações das pessoas estão sendo muito estranhas. Não sei muita coisa sobre a comunidade transgênera, mas sei que tudo isso só nos dá mais motivos para buscar tratá-los com dignidade.
Achei muito bonito o comentário feito pelo nosso ministro da Justiça, de que “estamos com vocês, iremos ajudá-los”. Da mesma forma como a Igreja precisa tratar os gays e as lésbicas com respeito, compaixão e sensibilidade, coisas presentes no catecismo, o mesmo deve acontecer com os transgêneros. E deixá-los usar os banheiros parece uma coisa simples e justa de se fazer.
Se Jesus estivesse num barco conversando conosco, o que ele diria?
Para Jesus, o movimento é sempre de fora para dentro. Ele sempre está indo às margens, olhando para as pessoas que estão excluídas e chamando-as para entrar. Para Jesus, a comunidade vem em primeiro lugar, em seguida a conversão.
Para João Batista, era a conversão primeiro e, então, a comunidade. Faço aqui uma simplificação, é claro, mas para Jesus é a acolhida que leva à conversão, e me parece que vemos isso no Papa Francisco. As pessoas se sentem acolhidas e, assim, começam a pensar sobre como conformar a sua vida aos mandamentos de Cristo.
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