1º domingo da quaresma – Ano C – Subsidio exegético

Foto: Pixabay

04 Março 2022

 

"O texto de Lc 4,1-13, mais que uma crônica histórica, deve ser lido, como uma interpretação teológica da pessoa de Jesus à luz do AT. Ninguém pode ficar 40 dias sem comer e só depois sentir fome. Jesus que era igual a nós, em tudo, menos no pecado (Hb 4,15), não suportaria todo este tempo sem se alimentar. O número 40 lembra os quarenta anos no deserto (Ex 16ss), como também Moisés no monte (Ex 24,18; Dt 9,9). As tentações não são um fato ocorrido num determinado dia. Antes, estamos diante de um fato teológico que recapitula a história do AT na pessoa de Jesus. Onde o velho Israel falhou, Jesus permaneceu fiel. Certamente ele não foi tentado uma única vez, mas como todos os seres humanos, enfrentou esta realidade durante toda a sua vida."

 

Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF:


Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló
Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno


Leituras do dia

Primeira Leitura: Dt 26,4-10
Segunda Leitura: Rm 10,8-13
Salmo: 90,1-2.10-15
Evangelho: Lc 4,1-13

 

O Evangelho

 

O texto de Lc 4,1-13, mais que uma crônica histórica, deve ser lido, como uma interpretação teológica da pessoa de Jesus à luz do AT. Ninguém pode ficar 40 dias sem comer e só depois sentir fome. Jesus que era igual a nós, em tudo, menos no pecado (Hb 4,15), não suportaria todo este tempo sem se alimentar. O número 40 lembra os quarenta anos no deserto (Ex 16ss), como também Moisés no monte (Ex 24,18; Dt 9,9). As tentações não são um fato ocorrido num determinado dia. Antes, estamos diante de um fato teológico que recapitula a história do AT na pessoa de Jesus. Onde o velho Israel falhou, Jesus permaneceu fiel. Certamente ele não foi tentado uma única vez, mas como todos os seres humanos, enfrentou esta realidade durante toda a sua vida.

 

No batismo (Lc 3,21-22), Jesus refaz a caminhada do antigo povo que passou o Mar Vermelho (Ex 14). Nesta caminhada, como outrora, acontecem as tentações:

 

A primeira tentação lembra a fome e o maná do povo no deserto (Ex 16). Transformar pedra em pão é ter acúmulo de alimentos. Portanto, não se trata de fazer uma mágica, ou milagre. O antigo povo acumulou o maná que apodreceu (Ex 16,20). Jesus fiel a Deus, não quis acumular comida, pois ela é de todos. Ele, como ser humano (Jo 1,14), sentiu o que todas as pessoas sentem: garantir seu próprio bem-estar. Porém, ele colocou a vida de todos acima de seus interesses pessoais. Fidelidade a Deus não comporta egoísmo.

 

A segunda tentação, ser dono do mundo, também encontra paralelo no povo do deserto (Ex 18), quando Moisés se tornou um novo faraó, acumulando o poder, tornando-se assim opressor, pois sempre que um só manda, ou decide a sorte de todos, a opressão e as injustiças, começam. Jesus poderia dominar devido à sua lucidez e espírito de liderança, pois até queriam torná-lo rei (Jo 6,15). Mas se assim agisse estaria na lógica do opressor, que ele contradisse (Mc 10,42-45). Jesus quer nova maneira de exercer o poder, isto é, que todos participem, pelo servir (Jo 13,1ss).

 

A terceira tentação reflete o bezerro de ouro (Ex 32). É o desejo de ter um deus fácil. Ao invés de se tornar servo de Deus, deseja Deus como seu servo para satisfazer seus interesses pessoais. É a ilusão de uma religião sem compromissos.

 

Estas três tentações marcam a história da humanidade: acúmulo de comida, acúmulo de poder e uma religião alienada, um deus do tamanho dos interesses dos fiéis. Hoje, muitos males que afligem o mundo têm suas raízes nestas três tentações: O acúmulo de bens que causa a fome dos menos favorecidos: salários exorbitantes que oneram o erário público e salários de fome para a maioria. A ânsia de domínio dos coronéis de certos partidos que compram seus eleitores, para depois impor seus interesses. O pior é que, em todas igrejas, numas mais, noutras menos, se prega um evangelho sem compromisso. Ou seja, se reduz a mensagem de Jesus a milagres, a fenômenos carismáticos, a moralismos, sem se importar com as injustiças sociais. Ou melhor, até se foge de tudo que aponta para a justiça social. Desta forma, as pessoas se iludem de serem muito religiosas, mas fogem dos compromissos da fé, transformando Deus, num ídolo.

 

Relacionando com as outras leituras

 

Dt 26,4-10: a memória da história do povo está na mente dos fiéis que nunca esquecem de que foi Javé que os libertou e deu terra. Isto resultou no credo histórico que era repetido todos os anos, ao colher os primeiros frutos. Assim, sempre se lembra que tudo vem de Deus e a ele pertence. Os frutos oferecidos depois eram doados aos levitas, estrangeiros, órfãos e viúvas (vv.11-13). Deus é honrado pela gratidão, pela profissão de fé, pela adoração, mas principalmente pela partilha com os pobres. Todo culto adquire sentido, quando resulta em partilha com os menos favorecidos.

 

Rm 10,8-13: o credo cristão central é que Deus ressuscitou Jesus dos mortos, por isto, ele é o Senhor. Tal fé proclamada leva à universalidade: todos, judeus e gregos encontram em Deus o generoso salvador.

 

 

Leia mais