16 Setembro 2016
Para onde vão os gritos dos que não têm voz, senão para Deus? Como negar que uma imensa injustiça domina toda a terra, todas as nações... Não! Não podemos servir a Deus e ao dinheiro nem fazer de nosso interesse pessoal a finalidade de nossas vidas.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 25º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo C (18 de setembro de 2016). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas
1ª leitura: Contra quem busca «dominar os pobres com dinheiro e os humildes com um par de sandálias” (Am 8,4-7)
Salmo: Sl 112(113) - R/ Louvai o Senhor, que eleva os pobres.
2ª leitura: “Recomendo que se façam preces por todos os homens a Deus que quer que todos sejam salvos” (1Tm 2,1-8)
Evangelho: “Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16,1-13 ou 10-13)
Filhos deste mundo ou filhos da luz
No evangelho de hoje temos um administrador dispensado por malversação e que, por sua vez, comete fraudes a fim de se assegurar um futuro incerto; e temos o proprietário, que não se priva de admirar a astúcia do seu empregado. E Deus, aí dentro, onde está? Pois bem, Ele não está.
A parábola não começa com a fórmula costumeira: "O Reino de Deus é semelhante"; se fosse assim, se estabeleceria um paralelo entre o homem rico e Deus. Mas, aqui, tudo se passa no domínio das nossas relações sociais. A se crer em Amós (1ª leitura), estamos imersos na "lógica" da exploração do homem pelo homem.
O proprietário da parábola tinha motivos para admirar o administrador, que obedecera aos mesmos critérios que os seus. Pois este é mais ou menos o nosso universo, tão rico em indiciamentos e acusações. Somos de fato "filhos deste mundo" e, bem ou mal, estamos buscando nos tornar "filhos da luz".
A questão é esta: será que, para nos tornarmos conformes ao Cristo, mostramos tanta habilidade e entusiasmo quanto os homens (nós inclusive) empregam a fim de garantirem para si mesmos uma situação invejável?
Em outras palavras, o que para nós vem em primeiro lugar: Cristo ou o que possuímos? E que, aliás, só provisoriamente possuímos? A "religião", para nós, corre o risco de ser nada mais do que um ornamento periférico, superposto a uma existência comandada por outros critérios.
Em suma, arrisca a ser uma segurança a mais apenas: sabe lá se algum dia? É como um seguro de vida, alimentado por pequenas contribuições periódicas. Filhos da Luz? Ainda estamos longe...
"E eu vos digo..."
Com esta fórmula do versículo 9, saímos do universo do homem rico e de seu administrador, da sua lógica e suas proposições, para entrarmos nas do Reino dos "filhos da luz".
A ligação entre os dois, o clips, se quisermos, é: "usai o dinheiro injusto para fazer amigos". Pois o que o administrador quis fazer é exatamente o que os filhos da luz devem fazer, mas num sentido todo outro. Além do mais, as moradas que irão se abrir não serão mais as deste mundo, mas as "moradas eternas".
Logo se vê, então, a dissimetria: o administrador desonesto dá bens deste mundo para obter uma compensação neste mundo. Dando-dando, temos um equilíbrio de prestações mútuas.
Já os filhos da luz, ao contrário, mesmo se dão muitas riquezas deste mundo, não recebem por ora nada em troca. É um dom, puro e simples; a fundo perdido. E esta conduta já põe no mundo o Reino que está por vir. É preciso ter fé. Este doador, no entanto, conforme diz o texto, recebe alguma coisa: a amizade.
Esta palavra não foi usada a propósito do administrador, porque ela nos introduz num domínio que não é mais o das transações equilibradas, mas sim o da gratuidade do amor: um outro mundo, portanto.
As moradas eternas reúnem numa mesma unidade todos os que a vida e a morte separaram. O acesso a elas é gratuito, assim como gratuita foi a divisão do dinheiro enganador.
O dinheiro enganador
É fácil denegrir o dinheiro e os esforços feitos para adquiri-lo. E, no entanto, ele representa uma parte mesmo da vida humana: o tempo e o trabalho que foram necessários para ganhá-lo.
É o substituto do tempo de trabalho e serve para trocar os seus frutos. É um instrumento indispensável às relações entre os homens. É preciso dizer que o dinheiro é inocente e até, por si mesmo, benéfico.
Senão, como poderia servir "para fazer amigos"? Por isso Jesus está falando, não de qualquer dinheiro, mas do dinheiro “desonesto", termo que a liturgia traduz por "injusto" ou enganador.
Trata-se do dinheiro ganho fraudulentamente? Possivelmente sim, uma vez que Jesus continua falando em ser fiel ou não, digno de confiança ou não, na gestão das "pequenas coisas".
Ainda aí o texto se bifurca: as "grandes" coisas do versículo 10 se tornam "o verdadeiro bem" do versículo 11, numa outra maneira de referir-se à recepção nas "moradas eternas" do versículo 9. Mas é a outro título que o dinheiro é chamado de injusto e enganador: parece prometer mais do que é capaz de se obter com ele.
Conta-se com ele para se chegar a uma segurança na vida, mas ele é impotente para nos proteger da morte. Na realidade, não é ele que nos engana, mas nós é que podemos nos enganar com respeito a ele.
De fato, podemos transformá-lo num ídolo e devotar-lhe um culto que arruína a nossa verdadeira relação com Deus e com os homens. O dinheiro pode tornar-se senhor, em lugar de permanecer servidor. Temos de servir somente a Deus, em nossos irmãos, e para isso podemos nos servir do dinheiro.
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