18 Dezembro 2014
A quatro dias do Natal, voltamos o olhar para Maria que nos é apresentada como «cheia de graça» e a que «encontrou graça diante de Deus.» Foi, portanto, beneficiada pelo Amor de Deus, amor gratuito e gracioso. Também nós somos «cheios de graça» a cada Eucaristia! Já para «encontrar graça» diante de Deus, basta fazer a sua vontade, assim como Maria.
A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 4º Domingo do Tempo de Advento. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas:
1ª leitura: 2S 7, 1-16
Salmo: 88 (89)
2ª leitura: Romanos 16, 25-27
Evangelho: Lucas 1, 26-38
O anjo entra em sua casa
A “Força de Deus” (é este o sentido do nome Gabriel) foi enviada a uma entre todas as províncias, cujo nome vem declinado: a Nazaré, na Galileia. Gabriel veio encontrar-se com uma mulher entre todas e o seu nome também nos foi comunicado: Maria, que está noiva de um homem que não é um homem qualquer: chama-se José. O amor com o qual Deus nos ama não é, portanto, um amor global, abstrato, voltado à humanidade em geral. Não: é um amor que se dirige a cada um em particular, pois foi Deus que, aliás, nos concedeu a cada um o dom de existir. Podemos dizer que cada um de nós é amado e buscado como se fosse o único no mundo. E este amor, no entanto, nos invade para nos atravessar e seguir até os outros. Na Anunciação, ele se dirige, através de Maria e de José, para este Jesus, descendente de Davi, mas que ainda não estava ali. A partir de Jesus é que o amor irá reunir a humanidade inteira a qual, de alguma forma, nele irá fundir-se. Então, todos se tornarão Um. O amor que vem de Deus será como uma circulação sanguínea que irriga todos os membros. A Igreja, corpo do Cristo, é a figura desta humanidade unificada. Na origem de tudo isto está o "Sim" de Maria à invasão divina. Devemos compreender que a Anunciação não se refere somente a Maria, a José e a Jesus, mas a cada um de nós e à humanidade inteira. A humanidade completada, perfeita, não é uma coleção de indivíduos justapostos, mas a unidade de um só corpo. A criança que está prometida a Maria traz consigo a humanidade toda. Não olhemos a Anunciação como se fosse um acontecimento exterior a nós: ela não é. Estamos todos incluídos nela. E mais, devemos compreender que este relato não fala apenas de algo que se passou dois mil anos atrás, mas refere-se também ao que nos acontece hoje: Jesus vem ao mundo e a cada um de nós sem cessar, e vem de novo, sempre.
Do medo à fé
Jamais saberemos o que se esconde sob esta figura da visita do anjo. Há aí qualquer coisa de indizível, sem dúvida, de não representável. Por mais que o anjo tenha trazido uma boa notícia, a primeira reação de Maria foi de medo. O anjo então lhe disse: «mè phobou», ou seja, não tenhas medo. Ela terá de viver a passagem do medo à fé, passagem que temos todos de cumprir e que representa a própria substância da nossa relação com Deus. Passagem a se fazer e refazer, o que vale até mesmo para Maria. O anjo irá deixá-la, a luz deslumbrante se apagará e tudo irá voltar ao mais prosaico cotidiano. Terá agora de crer sem ver. Serão trinta anos de rotina, mais três anos de uma aventura incompreensível e inquietante: de fato, em Mateus 12,46 e Marcos 3,32, não vemos Maria em busca de recuperar Jesus? Enfim, na Cruz, a Espada da Palavra, espada de dor, a traspassará (ver Lucas 2,35, para ler em paralelo com Hebreus 4,12). Ter-se-á cumprido então tudo o que se achava escondido no relato da Anunciação e encontraremos Maria com os apóstolos para uma nova gestação, a do novo Corpo do Cristo: a Igreja. Mas, por enquanto, fiquemos com Maria na hora da fecunda visita de Deus e não esqueçamos que, guardadas as devidas proporções, é também a nós que esta passagem da Escritura se refere. Abramo-nos à visita de Deus e façamos para Ele uma morada dentro de nós.
Filho de Deus, Filho do homem
As palavras que o anjo diz a Maria para anunciar o nascimento do Cristo podem causar-nos admiração. Ele, por certo, dá à criança que está por vir o título de «Filho de Deus», mas, para nos atermos ao texto, o futuro desta criança limita-se a herdar o trono de Davi seu pai, e a reinar para sempre sobre a casa de Jacó… Daí se entende que, mesmo depois da Ressurreição, os discípulos perguntassem a Jesus: «Senhor, é agora o tempo em que irás restaurar a realeza em Israel?» (Atos 1,6). Nada está dito sobre a salvação da humanidade inteira. Talvez Maria não estivesse ainda em condição de receber esta mensagem. Notemos o momento em que o nome de Davi vem citado duas vezes na Anunciação: uma vez no versículo 27, para nos dizer que José é «da casa de Davi», e uma vez no versículo 32, onde lemos que Deus dará a Jesus «o trono de Davi seu pai». Por ser filho de José é que Jesus pode ser chamado de Filho de Davi. O que quer que pensemos da paternidade de José, guardemo-nos de subestimá-la. Não é dito que Maria fosse da casa de Davi; prima de Isabel, mais parece ser de linhagem sacerdotal. Acrescentemos que o «Nada a Deus é impossível» do versículo 27 é uma retomada das palavras dirigidas a Sara, a propósito do nascimento naturalmente impossível de Isaac (Gênesis 18,14). Maria vem fechar e coroar a lista das maternidades «milagrosas» da Bíblia.
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