03 Fevereiro 2018
“O Painel Intergovernamental de Especialistas sobre Mudanças Climáticas (IPCC) “não considera a enorme desigualdade que existe entre aqueles que causam as emissões de gases do efeito estufa. 10% da população mais rica do planeta é responsável pela metade de todas as emissões globais. No outro extremo, 50% da população mundial, começando a partir dos mais pobres, não causa nem 10% das emissões totais. O nível médio de emissões geradas por uma pessoa que faz parte dos 10% mais pobres da população mundial é 60 vezes inferior ao de alguém que pertence aos 10% mais ricos”, escreve Silvia Ribeiro, pesquisadora do Grupo ETC, em artigo publicado por America Latina en Movimiento (ALAI), 31-01-2018. A tradução é do Cepat.
Na semana passada, vazou na imprensa um relatório sobre mudança climática que está sendo preparado pelo Painel Intergovernamental de Especialistas sobre Mudanças Climáticas (IPCC). Trata-se de um relatório sobre os impactos do aquecimento global a 1.5ºC sobre os níveis pré-industriais. Segundo dados obtidos por Reuters, caso se siga no ritmo atual de emissões, este limite já será superado em 2040, o que acarretará impactos graves sobre muitos países, principalmente estados ilhas e com costas baixas, danos provavelmente irreversíveis a recifes de coral (que são o primeiro elo da cadeia alimentar marinha) e o derretimento do gelo na Groenlândia e Antártida ocidental. Embora o relatório seja um esboço e o IPCC tenha declarado que pode mudá-lo após as revisões pelas quais passará, os dados da ciência não mudarão. O que pode – e deveria – mudar são as propostas que o IPCC faz diante desta realidade.
O Acordo de Paris sobre mudança climática que foi assinado por 197 governos, em 2015, estabeleceu a meta de que o aumento do aquecimento global seja “muito abaixo de 2ºC” até 2100. Com os dados revelados, há um risco muito alto de que se ultrapasse essa meta muito antes dessa data. A única maneira de evitar tal situação seria que, imediatamente, fosse colocado em andamento reduções drásticas de emissões de gases de efeito estufa (GEI) em nível global. O IPCC havia afirmado desde antes a necessidade destas reduções, mas este relatório apresenta, além disso, que será necessário remover o excedente de dióxido de carbono da atmosfera por outros meios, como tecnologias de geoengenharia.
O clima planetário já esquentou 1ºC em média, desde de seus níveis pré-industriais, mas, na realidade, três quartos ocorreram nos últimos 50 anos, devido ao aumento vertiginoso de emissões de gases do efeito estufa. Essas emissões são provocadas em sua maioria pelas economias industriais baseadas em combustíveis fósseis (petróleo, gás, carvão). As principais atividades emissoras são a indústria de extração e produção de energia, o sistema alimentar agroindustrial e o crescimento urbano descontrolado, incluindo os transportes, que envolvem todos esses itens.
O IPCC não está olhando, agora, quais atividades causam as emissões. Supõe-se que isto já foi realizado nos relatórios de avaliação globais que elaboram periodicamente. O mais recente é seu Quinto Relatório, que foi publicado em 2014. O próximo será publicado em 2021.
Um aspecto de enorme relevância que o IPCC não considera é a enorme desigualdade que existe entre aqueles que causam as emissões de gases do efeito estufa. 10% da população mais rica do planeta é responsável pela metade de todas as emissões globais. No outro extremo, 50% da população mundial, começando a partir dos mais pobres, não causa nem 10% das emissões totais. O nível médio de emissões geradas por uma pessoa que faz parte dos 10% mais pobres da população mundial é 60 vezes inferior ao de alguém que pertence aos 10% mais ricos. (Oxfam, 2015). Segundo Kevin Anderson, do Centro Tyndall de pesquisa sobre mudança climática, se a população mais rica do planeta reduzisse seu nível de vida a média europeia, se reduziriam 30% das emissões de gases do efeito estufa.
Não obstante, estes dados não são considerados pelo IPCC. Em geral, nas negociações de mudança climática – e também no IPCC, que finalmente é uma instância não só técnica, como também política – há um pacto dos governos nas regiões que mais emissões causam para não interferir nos lucros dos mais ricos, incluídas as transnacionais petroleiras e outras que lucram com as atividades que geram o caos climático.
Ao invés disso, que seria o necessário, o IPCC propõe técnicas de geoengenharia, como grandes plantações para bioenergia com sistemas de captura e armazenamento de carbono em fundos geológicos (BECCS). No Quinto Relatório global do IPCC, já incorporaram esta técnica como uma das possíveis “soluções” para amenizar o aquecimento global, o que motivou muitas críticas, tanto de organizações da sociedade civil, como de cientistas, porque a necessidade de terra, água e nutrientes das grandes plantações para “bioenergia”, para realmente afetar a mudança climática, seria maior que toda a terra usada atualmente na agricultura. Portanto, competiria de forma devastadora com a produção de alimentos e deslocaria camponeses e indígenas, com forte impacto na biodiversidade.
BECCS, assim como todas as propostas de geoengenharia, nunca vai às causas da mudança climática – propõe remover carbono quando já foi emitido –, razão pela qual esta continuaria em curso, gerando assim um negócio cativo para aqueles que vendem as tecnologias para absorver e armazenar carbono. Casualmente, muitas vezes, são as mesmas empresas petroleiras (Exxon, Shell e outras). Empresas que, como explicamos em um artigo anterior, inclusive, possuem dois de seus empregados aceitos pelo IPCC como autores deste relatório.
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Os que fritam o planeta e a geoengenharia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU