24 Novembro 2017
Obra manuscrita entre 1730 e 1740 está em exposição na biblioteca da PUCRS.
Há mais de 10 anos, o professor da Escola de Humanidades da PUCRS Edison Hüttner peregrina atrás de peças da época da catequização dos índios na América do Sul. Coordenador do Projeto de Arte Sacra Jesuítico-Guarani, ele vem montando um inventário da produção artística e cultural daqueles tempos.
A reportagem é de Bruna Porciúncula, publicada por Zero Hora, 20-11-2017
Neste ano, o pesquisador foi brindado com uma relíquia. Na casa de uma família de Panambi, no norte do Estado, Hüttner encontrou um lunário escrito à mão provavelmente entre os anos de 1730 e 1740. O manuscrito feito com uma espécie de bico-de-pena com tinta rudimentar traz informações variadas em latim e espanhol, contemplando desde o cotidiano local até anotações sobre longitude e latitude das 30 reduções que se estendiam nos costados do Rio Uruguai.
A obra, em papel veneziano, teve muitas páginas perdidas, mas nas pouco mais de 260 que atravessaram o tempo, nota-se um trabalho artesanal de editoração. Hüttner diz que, a partir de outras pesquisa sobre as reduções, foi possível constatar que a organização do lunário foi realizada pelo padre Buenaventura Suárez, considerado o primeiro astrônomo nascido nas Américas.
Argentino de Santa Fé, o jesuíta teria atuado na redução de São Cosme e São Damião, atualmente território do Paraguai. Por ali, ele desenvolveu, com a ajuda de equipamentos vindos da Europa, como telescópios, observações da Lua e de outros astros. Nos textos, há referências sobre fases da lua e eclipses.
— Já conhecíamos a arte-sacra desenvolvida pelos jesuítas na nossa região, mas esse lunário nos abre uma perspectiva muito grande sobre a astronomia nas reduções. Quanta sabedoria já tínhamos aqui naquela época — comemora Hüttner.
O pesquisador explica que muitos nativos já tinham, à época da confecção do lunário, conhecimento de caligrafia e sabiam, por ensinamento dos padres, fazer livros de forma artesanal. A marca d'água em algumas páginas, com a simbologia da Lua e de uma âncora, não deixaram dúvidas ao professor de que se tratava de uma peça missioneira legítima. A data estimada do lunário foi reforçada pela anotação cronológica dos papas. O último a ser mencionado na obra foi Clemente XII, que esteve à frente da Igreja Católica entre 1730 e 1740.
A "descoberta" do lunário jesuíta pelo professor Hüttner se deu em uma de suas viagens à região das Missões. Na ocasião, ele voltava de uma de suas incursões pelo Estado atrás de peças jesuítico-guaranis. Tinha encontrado uma estátua de São Nicolau, o Papai Noel missioneiro, de 95 centímetros de altura e 38 de largura. Segundo o pesquisador, trata-se da maior peça do santo feita nos Sete Povos.
Já havia motivos para comemorar, mas o telefonema da psicóloga Andreia Sinnemann, de Panambi, prolongou a estada de Hüttner por aquelas bandas. A tia de Andreia, Liane Janke, havia guardado por cerca de 20 anos a peça, uma herança do marido, Atílio Rolon Romero, que havia morrido anos antes. Quando Andreia viu na TV uma entrevista do pesquisador da PUCRS, entrou em contato para falar da relíquia da família.
— O professor veio até Panambi, onde apresentamos a obra para ele, que nos solicitou autorização para realizar a pesquisa de identificação da obra. Ficamos muito felizes ao descobrir o quão importante ela realmente é — comentou Andreia.
O lunário seguirá como objeto de pesquisa e, para homenagear a cidade que o abrigou até então, também é chamado Código Panambi, em razão das anotações e dos desenhos que ainda precisam ser desvendados. O especialista registrou a peça, mantido como propriedade da família, e trouxe-a para uma exposição de arte-sacra jesuítica, na Biblioteca Central da PUCRS.
— O Lunário Jesuítico é um código para ler a história dos jesuítas no mundo e nos séculos 17 e 18 — diz Hüttner.
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Manuscrito jesuíta do século 18 revela o conhecimento astronômico nas Missões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU