Por: Lara Ely | 19 Setembro 2017
A recente prisão na Espanha do coronel uruguaio Eduardo Ferro, um dos responsáveis pela Operação Condor, que caçou e prendeu lideranças de esquerda em toda América Latina, demonstra que, passados 50 anos da ditadura militar, há torturadores soltos e sem punição.
Preso cerca de dez dias atrás em um hotel de Madri, o coronel acusado pela morte e desaparecimento de pessoas em seu país estava foragido desde março, quando foi citado pela segunda vez na sentença da juíza uruguaia Dolores Sánchez, que investiga o desaparecimento de um militante comunista em 1977 durante o governo de Aparicio Méndez. Em novembro passado, ele já havia sido chamado a depor em Montevidéu, mas também não compareceu.
Articulada pelos principais governos militares da América Latina junto à inteligência norte-americana, a Operação Condor ocorreu entre os anos 1970 e 1980 e foi encabeçada pelo Chile de Pinochet. Tem esse nome em atributo aos pássaros dos Andes que comiam carne seca, e no Brasil denomina-se Carcará. Seu saldo sangrento nos anos 1970 deixou 30 mil pessoas mortas, 400 mil presas e 4 milhões exilados em todo o continente.
Segundo o jornalista Luiz Cláudio Cunha escreveu no livro O sequestro dos Uruguaios, a “Condor era uma vasta ação terrorista de Estado que atropelava fronteiras nacionais e afrontava direitos humanos, forçando o desaparecimento de quem ousasse contestar os regimes de força dos generais. Dissidentes políticos eram caçados por comandos clandestinos militares e policiais”.
(Imagem: O sequestro dos Uruguaios, obra de Luiz Cláudio Cunha)
Trinta anos depois de ter noticiado como repórter uma tentativa de militares uruguaios e policiais brasileiros sequestrarem os ativistas uruguaios Lílian Celiberti e Universindo Dias, o jornalista lançou um livro para relatar o testemunho de como foi ter encontrado a Condor em pleno voo. Contrariando a regra de sangue da operação, ele o repórter fotográfico que o acompanhava na ocasião escaparam vivos para contar a história.
Segundo Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos do RS, Ferro foi o responsável, juntamente ao delegado Pedro Selig, na tarde de 12 de novembro de 1978, pelo sequestro dos uruguaios na Capital gaúcha. “Foi ele pessoalmente quem pegou Lilian pelo braço, na rodoviária, enquanto os policiais prendiam seus filhos e Universindo”, afirmou.
O defensor dos Direitos Humanos aponta que, mesmo com essa história conhecida pelos uruguaios, Ferro seguiu à frente do exército, subindo de cargos e se promovendo. Além de Ferro, que foi preso por ter desacatado ordem da juíza, outros dois militares envolvidos na Condor circularam pelo Estado.
Krischke aponta que a grande maioria dos que praticaram crimes de lesa humanidade ainda continuam impunes. Segundo ele, a Argentina é o país que mais avançou na punição desses crimes, com mais de 700 condenações, algumas com prisão perpétua. “Uruguai e Chile também avançaram bastante nas condenações. Mas, lamentavelmente, no Brasil, não há uma única condenação”, diz.
Em sua entrevista por telefone ao IHU, ele cita dois coronéis atuantes na Operação Condor que tiveram passagens recentes pelo Estado, em Santana do Livramento: Juan Manuel Cordero e Pedro Mato Narbondo, sendo o primeiro levado à cadeia depois de denúncia de Krischke e o segundo encontra-se no Brasil, onde naturalizou-se e, por esta razão, não pode ser extraditado, uma vez que é nascido em Roma.
"Nos últimos tempos, eu estava preocupado com a minha segurança, pois desde que ele (Ferro) ganhou ordem de prisão por desobediência, e desapareceu, em março deste ano, recebi ameaças de morte. Esses bandidos quando fogem do Uruguai vêm para cá. Eu poderia ser um dos alvos", afirmou ele, que viajou a Montevidéu sob a proteção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (medida cautelar).
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Meio século depois, líderes da Operação Condor seguem sem punição - Instituto Humanitas Unisinos - IHU