06 Setembro 2017
Nos escritórios da Meia-Lua Vermelha, quando o telefone toca, não inicia nenhuma corrida contra o tempo. Eles já sabem do que se trata. “Cadáveres a serem removidos. Não há ninguém para socorrer.” É assim há meses.
A reportagem é de Nello Scavo, publicada no jornal Avvenire, 05-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os operadores foram treinados para salvar vidas, mas, na Líbia, sempre é tarde demais. Às vezes, o mar devolve, outras, eles são descobertos por acaso em um buraco de areia.
“Muitas vezes, nem se consegue entender se se trata de migrantes mortos pelos traficantes, de combatentes eliminados nos acertos de contas entre grupos paramilitares, ou ambos”, explica uma fonte local.
Há alguns dias, removeram 14 corpos de uma fossa perto de Benghazi. Alguns eram negros, alguns, magrebinos. Mãos e pés amarrados traziam sinais de tortura muito anteriores à morte. Nem isso ajuda.
Os milicianos capturados e interrogados são tratados como os subsaarianos que não têm dinheiro ou que se rebelam nas prisões clandestinas dos traficantes. Eliminados para dar o exemplo, ou porque os seus braços não são bons nem para o mercado interno de escravos.
Os homens do sagaz general Haftar juram que não sabem de nada. No entanto, mais ao sul, nas zonas desérticas, a Organização Internacional dos Migrantes teve que ativar, assim como no mar, uma operação “Sar” para a busca e o resgate dos “desaparecidos” do Saara.
Alberto Preato, representante da OIM no Níger, diz que, depois do momentâneo fechamento da rota marítima rumo à Itália, os traficantes “estão explorando vias terrestres alternativas para a Líbia”. Não é por acaso que essa questão foi levantada também pelas autoridades argelinas no encontro com o ministro Marco Minniti, que, antes de voar para Argel, tinha assegurado que, “sobre os direitos e a acolhida, farei uma batalha pessoal. Acho que é preciso governar os fluxos migratórios sem perder a humanidade”.
Quanto aos acordos com a Líbia, o titular do Viminal defendeu, primeiro, que “os prefeitos das cidades líbias não são chefes tribais”. Acrescentando, depois, que quem “chegasse naquela sala e escutasse aqueles prefeitos – ressaltou, lembrando o encontro para o entendimento com as autoridades locais líbias – não pensaria que estava em Trípoli”.
O governo líbio, no entanto, não tem mangas largas na concessão dos vistos à imprensa estrangeira, e verificar as informações, mesmo as oficiais, é cada vez mais difícil. “O pacto que fizemos – explicou Minniti – é simples: vocês se livram dos traficantes de seres humanos, e nós os ajudamos a construir um circuito econômico alternativo. Eu gostaria de dar a entender aos líbios que não podem fazer o Estado de carniça”.
Com efeito, houve algumas prisões excelentes. Em Sabratha, na área de influência do governo reconhecido de Serraj, e em Benghazi, onde quem dita a lei é o general Haftar. Os poucos diplomatas presentes em Trípoli, no entanto, pedem cautela. “Todos os contrabandistas – dizem – estão envolvidos no tráfico de pessoas, no contrabando de petróleo e de armas e, por conveniência ou pertença tribal, defendem esta ou aquela milícia.”
Pode ser uma coincidência, mas até agora os poucos traficantes detidos na área de Serraj são todos partidários da oposição ao primeiro-ministro. Por sua vez, as únicas prisões realizadas pelo general Haftar envolveram o grupo dos seus inimigos jurados. As colunas de migrantes que atravessam o deserto não sabem nada das mutáveis tempestades de areia nos fortins da política.
Há alguns dias, os jipes da OIM no Níger tiveram tempo para dar de beber a uma dezena de subsaarianos que, há uma semana, não comiam e não tinham sequer uma gota nos cantis. Os passeurs os abandonaram na terra de ninguém nos confins entre Líbia, Tunísia e Níger. Os “contrabandistas das dunas” entenderam imediatamente. Morrer no Sahara é mais fácil, mas rastrear os traficantes é mais difícil. Os parentes em casa, além disso, sempre podem esperar que os seus emigrantes talvez estejam presos na Líbia e impossibilitados de contatá-los. Assim, o mercado não para. E só o destino pode encontrar os restos daqueles que não conseguem.
Como na véspera do verão, quando houve três macabros achados aproximados: os restos de 39 adultos e de cinco crianças no dia 1º de junho; 18 adultos em 14 de junho; 14 adultos e 20 crianças dois dias depois. Nos últimos três meses, os migrantes socorridos nos pântanos de areia foram 600, mil desde abril, com um aumento nas últimas semanas.
“Outras pessoas vão morrer”, preconiza Preato. “Os migrantes nos dizem que o deserto é um cemitério muito mais extenso do que o Mediterrâneo.”
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Cadáveres em fossas comuns na Líbia: o horror perto de Benghazi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU