26 Agosto 2017
"Negacionistas, estamos de olho nas suas lorotas" escreve Alexandre Araújo Costa físico e professor da Universidade Estadual do Ceará, em artigo publicado por O que você faria se soubesse o que eu sei?, e reproduzido por EcoDebate, 25-08-2017.
Como infelizmente temos assistido a um recrudescimento do negacionismo nas redes sociais, estamos tendo de dedicar um esforço extra para combater a patifaria desinformação disseminada, nociva em diversas dimensões:
1) deseduca, no sentido literal da palavra, pois repassa ao público leigo e especialmente à juventude em idade escolar noções falsas sobre o nosso mundo físico;
2) mina de forma totalmente irresponsável a credibilidade da ciência que, mesmo considerando seus limites e sua inserção no contexto social, econômico, etc., não pode ser negada como grande conquista humana;
3) ao negar a existência de um problema tão grave, que pode mesmo ser considerado o maior dilema civilizacional jamais posto diante da humanidade, sabota a consciência coletiva sobre a necessidade de incidir sobre ele de maneira urgente e resoluta.
Claro, mesmo sabendo da “Assimetria de Brandolini” (“a quantidade de energia necessária para refutar bobagens é uma ordem de magnitude maior do que para produzi-la”), não há saída mágica. Só informação pode dar conta de enfrentar o negacionismo, esse Pinóquio zombie que tanto mente compulsivamente como se recusa a assumir que está morto e apodrecido. Neste “post” selecionamos alguns dos mitos negacionistas que insistem em se levantar da tumba e cuja refutação apresentamos em nossa fanpage no Facebook.
Um dos mitos incrivelmente mais persistentes do negacionismo climático é o de que “o aquecimento global parou em 1998”. Mas será que isso faz algum sentido?
Evidentemente que não, bastando olhar os dados, o que pode ser feito não apenas utilizando a base de dados da NOAA, como fizemos, mas a de qualquer outro instituto de pesquisa sério. Em primeiro lugar, 1998 é apenas o 8º ano mais quente do registro histórico e deve sair dos top 10 até o final desta década. Os seguintes anos registraram temperaturas médias globais maiores que 1998: 2005, 2009, 2010, 2013 e a sequência de recordistas 2014, 2015 e 2016. Em segundo lugar, mesmo escolhendo 1998 como ponto final de um período de 19 anos (1980-1998) e como período inicial de outro (1998-2016), que seria uma situação que poderia mascarar o aquecimento global, o que os dados revelam? Uma simples regressão linear mostra que no primeiro período, terminando em 1998, a taxa de aquecimento foi de +0,15°C/década, e que no período seguinte, começando em 1998, foi de +0,17°C/década.
Importante: na verdade, em Climatologia normalmente usamos períodos de 30 anos para termos uma boa representação estatística. E quando consideramos 1957-1986 (aquecimento de +0,09°C/década) e 1987-2016 (aquecimento de +0,17°C/década), a aceleração do aquecimento global fica ainda mais nítida.
A origem do mito está no fato de que no período 1997-1998 ocorreu um grande El Niño, o maior do registro histórico, que não foi sequer superado pelo evento de 2015-2016. E é durante eventos de El Niño que o Oceano Pacífico despeja na atmosfera quantidades maiores do calor por ele acumulado (lembrando que os oceanos acumulam 93,4% do calor associado ao aquecimento global). Então por alguns anos, por conta desse “ponto fora da curva”, ficou a impressão de que o aquecimento global teria pelo menos tido uma “pausa” ou “hiato”, sendo que até alguns cientistas sérios se deixaram levar por essa ideia errada.
Importante alertar! Esse “zombie” pode voltar a qualquer momento, pois como é pouco provável que 2017 supere o recorde de temperatura do ano passado, o cadáver deve voltar rastejando dizendo “o aquecimento global parou em 2016″…
Você já deve ter visto na internet alguém afirmando que o ser humano não poderia alterar o clima do planeta porque “os vulcões emitem muito mais CO₂”. E aí? Será que essa informação procede?
Fomos checar essa informação na literatura científica. Num artigo publicado na EOS (revista da American Geophysical Union) pelo cientista Terry Gerlach, do “Cascades Volcano Observatory”, do U.S. Geological Survey, o autor faz uma revisão das estimativas de emissões vulcânicas. Os resultados que ele encontrou são de estimativas de 0,18 a 0,44 bilhões de toneladas de CO₂/ano. Por sua vez, segundo dados do CDIAC (Carbon Dioxide Information Analysis Center) disponíveis aqui, as emissões humanas são de 9,855 bilhões de toneladas de carbono por ano, o que, fazendo o devido cálculo (multiplicando por 44 e dividindo por 12) nos dá mais de 36,1 bilhões de toneladas de CO₂/ano, somando a queima de petróleo, gás e carvão e a produção de cimento.
E isso não muda muito quando se tem uma grande erupção. O Pinatubo, segundo Gerlach et al 1996, aqui, emitiu 42 milhões de toneladas de CO₂, o que na realidade é o que somente 8 termelétricas a carvão de potência em torno de 1000 MW emite em um ano.
Em resumo, a afirmativa é para lá de falsa! Haja nariz de Pinóquio para sustentá-lo. Não só os vulcões não emitem mais CO₂ que a humanidade como na verdade esta é que emite entre 82 e 200 vezes mais CO₂ do que todos os vulcões do planeta juntos, incluindo os submersos.
Recentemente nas redes sociais, um negacionista conhecido fez a seguinte afirmação “o caso é que CO₂ sobe e temperaturas não acompanharam”, referindo-se a anos recentes. Nós fomos checar se essa afirmação procedia e…
Pois é, como sabemos desde 1958 existem medições diárias de CO₂ feitas no Observatório de Mauna Loaa, mantido pela National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA). O que fizemos foi simplesmente cruzar os dados com os de temperatura média global, que obtivemos a partir do site da NASA – National Aeronautics and Space Administration. O gráfico, que mostra os valores de concentração de CO₂, em partes por milhão, no eixo à esquerda, e a anomalia de temperatura, em °C, no eixo à direita, não deixa margem para dúvidas. As duas variáveis andam juntas.
Qualquer um aliás, pode repetir o experimento e baixar os dados diretamente: os dados de concentração de CO₂ estão disponíveis no site do ESRL/NOAA e os de temperatura podem ser obtidos junto à página da NOAA (como indicamos antes) ou no site do NASA-GISS. Em tempo, para quem curte os detalhes matemáticos… Calculamos a correlação entre as duas séries e dá um valor muito próximo do máximo (que é um): 0,948!
Nesses tempos em que o negacionismo climático se disfarça de conhecimento científico, você pode ter esbarrado com a afirmação de que “a Terra já teve temperaturas mais altas durante o ‘Período Medieval Quente'” ou algo parecido. Será que isso tem fundamento? Não, não tem. É mais uma distorção que os negacionistas fazem dos fatos científicos conhecidos.
Há poucas décadas, em alguns estudos de Paleoclimatologia (ciência que estuda o clima do passado), começaram a surgir indicativos de que na Europa e em outras regiões do Hemisfério Norte as temperaturas teriam sido mais elevadas na Idade Média do que na chamada Idade Moderna. Esses períodos ficaram conhecidos, respectivamente, como “Período Medieval Quente” e “Pequena Era do Gelo”.
Evidentemente, muitas perguntas naturalmente surgiram. Como esse período relativamente quente da Idade Média se compara ao aquecimento de hoje? O fenômeno era global ou regional, isto é, circunscrito à Europa e outras áreas do Hemisfério Norte? Durante algum tempo (talvez até o final da década de 1990 ou início da década de 2000), não tínhamos de fato conhecimento suficiente para responder, pelo menos não de maneira categórica, a tais perguntas.
Mas a ciência avança. De lá para cá, fomos capazes de achar respostas para as duas questões. Primeiro, como indicaram diversos estudos independentes compilados pelo IPCC no seu 4º relatório, as anomalias de temperatura contemporâneas no Hemisfério Norte já haviam quase certamente ultrapassado, já antes de 2007 (quando o mesmo foi publicado), os valores medievais. Mais importante, a taxa de variação, ou seja, o aquecimento observado, já era maior do que em qualquer momento dos últimos 1000 anos.
Mais do que isso, estudos posteriores mostraram que o aquecimento verificado na Idade Média não foi propriamente global, mas sim predominantemente regional. Vastas porções da Ásia e dos oceanos estiveram, na realidade, mais frias naquele momento.
Em suma, há mais de uma década sabemos que a noção de que as temperaturas medievais estiveram acima das atuais não passa de um mito. É uma hipótese que foi desmentida com base nas evidências.
E hoje em dia? Ora, além dos avanços científicos, nos últimos anos foi o próprio aquecimento global que se acelerou. Daí, os trabalhos mais recentes refletem esse fato, como mostrado em nossa figura. Nela, retratamos, além das anomalias de temperatura observadas (em vermelho), duas reconstruções de temperatura, a de Markott et al (2013), publicada na Revista Science e a do projeto PAGES, especificamente a parte dedicada às variações climáticas dos últimos 2000 anos, o PAGES-2K.
O que podemos concluir quando colocamos juntas todas essas evidências? Que é inquestionável não haver paralelo, nos últimos dois milênios, para o aquecimento do presente. Atualmente, o aquecimento é bem maior em amplitude e muito maior em velocidade do que tudo o que se viu desde o “ano zero”. A tendência do aquecimento global do presente, por sinal, é não apenas a de continuar, mas inclusive de se acelerar, deixando mais e mais a Anomalia Climática Medieval (nomenclatura mais apropriada para um fenômeno regional) para trás.
Da série de lorotas espalhadas pelos negacionistas climáticos uma das mais famosas é que “é o Sol”, ao invés do aumento da concentração de gases de efeito estufa, o fator exclusivo ou principal por trás do aquecimento observado do sistema climático.
Pelo fato de o Sol ser a fonte primária de energia para praticamente tudo que acontece no clima terrestre, esta é uma afirmação que até parece fazer sentido. Mas como todo mito negacionista, não resiste a um exame minimamente aprofundado.
O primeiro ponto é que obviamente, como mostra a figura, as variações observadas de temperatura e de insolação seguem comportamentos bem diferentes desde o final do século XIX para cá. As variações na irradiância são dominadas pelo ciclo de 11 anos e a amplitude desse ciclo, embora tenha crescido no final do século XIX e início do século XX, deixou de aumentar e até decresceu nas últimas décadas. Já a temperatura, principalmente desde meados do século XX para cá, segue tendência de aquecimento praticamente contínua!
O segundo ponto é que os valores de energia envolvidos não fecham a conta. Distribuindo os pouco mais de 1360 W/m² de irradiância sobre a superfície da Terra, chega-se a aproximadamente 340 W/m² incidindo no topo da atmosfera. Descontando o que é refletido para o espaço (albedo), conclui-se que chegam, em média, em cada ponto da superfície terrestre, 235 W/m² de radiação solar. Ora, como se pode constatar também pelo gráfico, as variações na radiação solar entre mínimo e máximo ficam em torno de apenas 0,1% do total. O resultado é que o máximo desequilíbrio energético que as variações solares podem produzir é da ordem de 0,235 W/m². Este é um valor muito pequeno, cerca de 10 vezes menor do que a forçante radiativa associada aos efeitos antrópicos no presente somados. Tão pequeno, que equivale à perturbação no clima associada ao CO₂ existente em 1920 (303 partes por milhão), em comparação com os níveis pré-industriais (280 ppm). Seria necessário que o clima da Terra fosse muito mais sensível do que é (felizmente, não é o caso), para que aquecesse tanto assim em resposta às variações solares!
Mudança na temperatura da baixa troposfera (acima)
e da baixa estratosfera (abaixo). Esse padrão não é
compatível com um aquecimento causado pelo Sol,
ao mesmo tempo em que é perfeitamente explicado
pelo aumento da concentração de gases de efeito estufa.
Mas o que talvez seja mais incompatível com a conversa de que “é o Sol” seja a “assinatura” do aquecimento. Se o Sol ficar mais ativo, o que deveria acontecer com a estratosfera, camada da atmosfera que fica em cima da troposfera, com menor densidade e contendo ozônio que absorve praticamente toda a radiação ultravioleta? Claro, a estratosfera seria a primeira camada a esquentar, mas as observações recentes mostram, pelo contrário, que a estratosfera está esfriando (o que tem a ver com menos infravermelho escapando da camada de baixo, a troposfera). É o que mostra, por exemplo, a figura ao lado, com gráficos obtidos a partir da página Remote Sensing Systems.
Resumindo: embora o Sol seja a fonte primária de energia para o sistema climático terrestre, as variações recentes nessa fonte são pequenas demais para produzirem alterações climáticas sensíveis como as que estão sendo observadas e as próprias características dessas mudanças seriam diferentes!
Negacionistas, estamos de olho nas suas lorotas!
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5 mentiras que os negacionistas contam, refutadas em ‘Negacionismo, esse Pinóquio Zombie’, por Prof. Alexandre Costa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU