11 Agosto 2017
“Eu sempre trabalhei à luz do sol. Quando eu recebo um pedido de ajuda, em primeiro lugar, eu aviso a Guarda Costeira italiana e maltesa. Por isso, não entendo precisamente onde nasce a acusação de favorecimento à imigração ilegal.”
A reportagem é de Carlo Lania, publicada no jornal Il Manifesto, 10-08-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Pe. Mussie Zerai voltou recentemente a Roma da África, onde ficou sabendo que estava sendo investigado no inquérito que a procuradoria de Trapani está realizado sobre a atividade das ONGs envolvidas no resgate de migrantes no Mediterrâneo.
Na Etiópia e Uganda, o sacerdote trabalha em um projeto que prevê a atribuição de bolsas de estudo para jovens africanos. “Um apoio aos refugiados – explica –, um modo para ajudá-los a ficar o mais próximo possível das suas casas, na esperança de que a situação nos seus países melhore.”
A notícia da intimação contra ele foi comunicada na terça-feira “para uma investigação – diz – que se arrasta há meses, já que começou em 24 de novembro de 2016”.
Sacerdote desde 2010, fundador da Agência Habeshia para os direitos dos migrantes, em 2015 ele foi candidato ao Nobel da Paz justamente por causa da sua atividade em favor dos refugiados. Uma condição de refugiado que o Pe. Zerai conhece bem, por tê-la vivido em primeira mão.
Eritreu de Asmara, ele fugiu do seu país quando tinha apenas 17 anos para chegar a Roma no início dos anos 1990. Ele considera uma missão “ir às periferias e inclinar-se ao lado dos últimos da terra”.
Pe. Zerai, entendeu em que se baseiam as acusações contra você?
A partir dos papeis que me foram entregues, não há nenhuma acusação específica. Espero que os advogados entendam melhor do que se trata.
Nesses anos, você manteve contatos com todas as ONGs que, hoje, estão envolvidas no Mediterrâneo.
Senão precisamente com todas, com muitas delas. Certamente com MSF, Moas, Sea Watch e Watch the Med, que não é uma ONG com navios como as outras, mas faz um serviço de levantamento de dados e informações via telefone. Normalmente, quando eu recebo um pedido de socorro, em primeiro lugar, eu sempre aviso a Guarda Costeira italiana e maltesa, antes ainda das ONGs. Depois, como a Guarda Costeira sempre me pediu para dar uma confirmação por escrito do telefonema, eu também envio um e-mail. Esse é o modo em que eu sempre me comunique. Nada de chats secretos, como foi escrito, ou sabe-se lá o quê. Não há nada de secreto.
E com os voluntários da Jugend Rettet, que estão sendo investigados pela procuradoria de Trapani, você nunca teve contato?
Não, que eu me lembre eu nunca me comuniquei diretamente com eles.
Mas praticamente todos os migrantes que partem da África têm o seu número de telefone.
Eu sempre trabalhei à luz do sol. Especialmente a partir de 2011, desde que eclodiu a revolta na Líbia e eu tentei coordenar a evacuação dos refugiados que ficaram presos nas várias cidades líbias rumo à Tunísia. Naquela ocasião, muitas pessoas tinham os meus contatos, porque eu usava as rádios que transmitem nas nossas línguas, Voice of America ou Rádio Erena, que transmite a partir da França, para explicar como chegar aos campos de refugiados que o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados tinha aberto em Sciuscia, na Tunísia. Os jornalistas que faziam as transmissões informaram o número do meu celular. Desse modo, todos aqueles que ouviam o programa, quer estivessem na Líbia, na Eritreia, na Etiópia ou em qualquer parte do mundo, receberam o meu número.
Qual a sua opinião sobre as polêmicas em torno do papel das ONGs?
Eu não consigo compreender até o fim, mas imagino que, por trás das polêmicas, há a tentativa de limitar o máximo possível a intervenção dessas ONGs, a fim de reduzir as partidas dos botes. O objetivo final é impedir a chegada de outras pessoas que procuram na Europa asilo, proteção ou um futuro diferente. Apelo ao primeiro-ministro italiano Paolo Gentiloni, mas também à União Europeia, para que ponham como prioridade o resgate das vidas humanas e não se preocupem apenas em como fechar as fronteiras. As rejeições também tornam a União Europeia cúmplice de todos aqueles horrores que, nestes dias, ouvimos sobre o que acontece nos centros de detenção na Líbia: as torturas, as violências, a privação de comida e água. Tudo isso também torna a Europa cúmplice, porque delegou à Líbia a tarefa de não permitir que os migrantes partam.
Você acha justo fazer com que as ONGs assinem um código de conduta?
Eu preferiria que houvesse um acordo de coordenação, em vez de um regulamento. Especialmente se as novas normas limitam ou impedem uma fase importante dos socorros, como o transbordo dos migrantes de um navio para outro. Isso significa que, diante de um barco que transporta 500-600 imigrantes, não podendo transbordar em um navio de resgate pequeno, pegará somente aqueles que conseguir fazer subir a bordo. Os outros esperarão e terão sorte se outro navio chegar antes de morrer. É como dizer: salvemos alguns poucos, mas não todos.
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“Eu sempre agi de acordo com a Guarda Costeira.” Entrevista com o Pe. Mussie Zerai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU