02 Agosto 2017
O superintendente do Incra em Rondônia, Cletho Muniz de Brito, é categórico: ou o governo federal retoma a reforma agrária ou a situação no campo vai ficar insustentável. “Podem ocorrer catástrofes, chacinas”, afirma.
A entrevista é de Amanda Rossi, publicada por BBC Brasil, 28-07-2017.
O Estado, que é líder em mortes por conflito no campo no Brasil, tem hoje quase 9 mil famílias vivendo acampadas, aguardando desapropriação de terras improdutivas. Enquanto isso, diz seu representante, o órgão já viu seu orçamento e número de funcionários despencar.
“Para atender uma demanda emergencial, o Incra de Rondônia precisaria de R$ 100 milhões. É quase todo o orçamento que o Incra tem para obtenção de terra no Brasil todo ao longo de 2017”, afirma Brito em entrevista à BBC Brasil.
Diante do impasse na reforma agrária, o número de mortes está aumentando no país. Mapeamento feito pela BBC Brasil nos dados da ONG Global Witness mostrou que a Amazônia Legal concentrou 9 entre 10 mortes de ativistas em conflitos no campo ocorridas no Brasil entre 2015 e maio deste ano – a maioria deles sem-terra e trabalhadores rurais.
Rondônia é um destaque negativo dessa estatística – foram 40 das 132 vítimas no período. Se fosse um país, o Estado seria o território mais perigoso do mundo para ativistas que lutam pela terra, à frente de Honduras, líder do ranking da organização internacional. São 23 áreas de alto risco em Rondônia, segundo monitoramento do Incra.
A queda no ritmo da reforma agrária é apontada por especialistas como um dos fatores que elevaram a tensão no campo no Brasil. Essa redução começou já no governo Dilma Rousseff e, no ano passado, a quantidade de terras destinadas a esse fim foi a menor já registrada: 27 mil hectares. Para comparação, em 2005 foram 13,4 milhões de hectares.
“Estou fazendo minha parte. Em Brasília, o governo federal precisa de uma política grande para o campo”, diz Brito.
A BBC Brasil procurou diferentes órgãos do governo federal, incluindo a Casa Civil, para comentar as críticas, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Veja os principais trechos da entrevista:
O que provocou essa queda tão acentuada na reforma agrária?
Temos uma demanda muito maior do que a oferta. O orçamento do Incra para 2015 foi de R$ 2 bilhões. Para 2016, R$ 1,5 bilhão. E, para 2017, são 740 milhões – mas 46% desse valor foi contingenciado.
Quer dizer, o Incra está sobrevivendo com cerca de R$ 300 milhões, seja para pagar a sua máquina corrente (salários e despesas) como para pagar obtenção de terra para reforma agrária. Se formos olhar só para a obtenção de terra, o Incra tem esse ano cerca de R$ 130 milhões para todo o Brasil.
O que precisa ser feito?
A retomada da reforma agrária. É preciso haver um projeto grande para o campo. O governo federal tem que ter uma política de Estado, uma política macro para o campo.
Passando essa turbulência política do governo executivo, eu acho que é urgente buscar recursos (para a reforma agrária). Nem que sejam recursos internacionais, onde quer que seja, para atrair investimento para o Incra, para que a gente possa obter as terras necessárias para minimizar os conflitos no campo.
Caso isso não seja feito, o que pode acontecer no campo?
A situação no campo vai ficar insustentável. Podem acontecer catástrofes, podem acontecer chacinas. Aqui em Rondônia, por exemplo, nós já estamos com um número elevado de mortes no campo em função da briga pela posse da terra.
Rondônia é hoje o Estado onde mais está morrendo gente no campo. Nos últimos 12 meses, já tombaram mais de 30 pessoas vinculadas às questões da terra. Todo dia em Rondônia está ocorrendo uma reintegração de posse. Então, nós não sabemos o que pode acontecer amanhã.
Sou do Incra, estou fazendo minha parte. Em Brasília, o governo federal vai ter que ter uma política grande para o campo.
A situação agrária de Rondônia é uma bomba-relógio?
Nós temos um problema muito sério na mão. O Estado de Rondônia tem um deficit no campo muito grande. Neste momento, estamos com 106 áreas de conflito mais acentuado, sendo 64 acampamentos sem-terra e 8.759 famílias vivendo debaixo da lona.
Para atender uma demanda emergencial, o Incra de Rondônia precisaria de R$ 100 milhões. É quase todo o orçamento que o Incra tem em Brasília para obtenção de terra no Brasil todo ao longo de todo o ano de 2017.
E qual é a situação do Incra em Rondônia?
Eu já fui superintendente do Incra de Rondônia em outra ocasião, há 20 anos. Naquela época, havia 500 funcionários. Hoje, temos pouco mais de 100. Como há funcionários se aposentando, nós vamos chegar ao ano de 2019 com apenas 40 em Rondônia. Não é suficiente para atender nossa demanda.
O Incra precisa urgentemente passar por um processo de atualização do seu corpo funcional. Tem que ter concurso público. Se não tiver, em dado momento, não vamos mais ter gente.
E como se chegou a essa situação?
Talvez, nesses últimos anos, a reforma agrária não tenha sido importante para a política dos governos federais que passaram. Porque, se fosse importante, teria havido concurso público para o Incra. O salário do Incra é um dos piores salários da União.
O que foi feito nesses últimos anos na área da reforma agrária?
O melhor para te responder isso é falar do que deixaram de fazer. O Incra deixou de buscar terras improdutivas para destinar para a reforma agrária. O Incra deixou de cumprir com seu papel institucional.
Aí, o governo federal achou melhor dividir o Incra no meio. Aí, criou o programa Terra Legal para fazer regularização fundiária e deixou o Incra só com a reforma agrária. E, com o pouco que temos aqui, nós estamos tentando juntar esse quebra-cabeça, achar uma saída.
Qual a demanda de reforma agrária em Rondônia?
Para zerar os acampamentos em Rondônia, para não ter nenhum sem-terra acampado, precisaria assentar 9 mil famílias. Nós temos um panorama de monitoramento de conflitos agrários no Estado. Está na minha frente, estou vendo ele agora. Há áreas sem problema. Há outras em vias de ter problemas. E há ainda linhas vermelhas, que mostram onde já morreu gente.
Nessas áreas de linha vermelha, elegemos 12 processos prioritários para fazer obtenção da terra. Seriam necessários R$ 100 milhões e poderíamos assentar de 1,5 mil a 2 mil famílias.
Se o senhor tivesse esse dinheiro, o que mudaria?
Pelo menos a gente começava a diminuir o conflito. Reduzia (a tensão) nessas áreas mais graves. Mas a gente não poderia parar o processo aí. Teria que buscar alternativa para resolver os outros acampamentos.
O senhor acha que pode sofrer retaliação política por criticar a situação do Incra publicamente?
Aqui em Rondônia eu sou da casa, é a terceira vez que sou superintendente do Incra no Estado. Estão sabendo do esforço concentrado que estamos fazendo. Estou conversando com Brasília.
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‘Situação no campo vai ficar insustentável, podem ocorrer catástrofes’, diz chefe do Incra em Rondônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU