28 Junho 2017
Apesar da disparidade das dimensões, das formas de governo e das histórias, nós dois somos potências globais, com interesses e influência mundial. Sob muitos pontos de vista, a Santa Sé é única no mundo na sua capacidade de buscar a sua própria agenda. Ela tem relações diplomáticas com 180 países, perdendo apenas para os Estados Unidos.”
A reportagem é de Paolo Mastrolilli, publicada no jornal La Stampa, 27-06-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O relatório que, no dia 14 de março de 2013, foi enviado pela Embaixada estadunidense no Vaticano ao vice-presidente Biden, em vista da sua participação na posse do Papa Francisco, apresenta o menor Estado e a mais antiga democracia do mundo como potências paritárias.
Somado aos documentos escritos um ano depois por ocasião da visita do presidente Obama, que o jornal La Stampa obteve em conformidade com a lei, ele descreve com franqueza os pontos de contato e as divergências da estratégia para a Síria às suspeitas sobre os financiamentos estadunidenses para os evangélicos.
Os “cabos” enviados logo depois da eleição citavam “funcionários da Cúria muito surpresos e nervosos” com a escolha de Bergoglio. A administração Obama tinha tido problemas com Bento, especialmente sobre os “temas da vida” e esperava agora em uma nova relação: “Além de estar entre o Novo e o Velho Mundo, o papa também poderia servir de ponte entre a ala conservadora e a moderada da Igreja. Sobre as questões sociais, ele é um conservador ‘true-blue’, determinado opositor do aborto, casamento gay, contracepção. Ao mesmo tempo, tem um profundo compromisso com a justiça social em favor dos pobres, uma prioridade para a ala mais liberal da Igreja e para os jesuítas”.
O texto, depois, cita uma entrevista concedida ao La Stampa por Bergoglio, quando ele ainda era cardeal, na qual criticava a vaidade de alguns membros da Cúria e prenunciava a sua reforma.
O relatório enviado ao católico Biden em 14 de março entra mais em detalhes: “Sob a orientação de Francisco, o Vaticano vai trabalhar para promover as liberdades fundamentais, a paz, a justiça e a ordem internacional, a democracia”. E explica: “Diante do crescente secularismo e daquilo que muitos na Igreja veem como anticlericalismo e anticatolicismo, Francisco será firme contra tais pressões e defenderá fielmente os ensinamentos sobre aborto, eutanásia, pena de morte, casamento gay e os tradicionais valores da família. Ele quererá assegurar a ortodoxia, mas também ser bastante aberto ao diálogo, de acordo com a ideia de que a adesão a esses ensinamentos não pode ser tanto uma imposição, mas sim o resultado da persuasão da razão”.
Francisco vai tentar melhorar as relações com o Islã e “fortalecer as relações com os judeus, como já é evidente a partir da acolhida recebida pelos líderes judeus no mundo”. Mas, depois, os diplomatas advertem Biden de um potencial elemento de atrito com os Estados Unidos: “Uma questão muito importante para a Igreja na América Latina é a deserção de milhões de católicos para os grupos evangélicos protestantes. Muitas vezes, esses grupos estão baseados ou são financiados pelos Estados Unidos”, alimentando a suspeita de que os protestantes estadunidenses ainda tentam minar o catolicismo.
O relatório aponta que a Santa Sé vê a guerra no Iraque de 2003 como o evento gerador da instabilidade no Oriente Médio, continuada com a Primavera Árabe e o Isis, do qual deriva a perseguição contra os cristãos e a sua fuga da região: “Ditaduras derrubadas, que antigamente ofereciam uma proteção moderada às comunidades cristãs, foram substituídas por governos, em alguns casos, dominados pelos islamitas (como no Egito) e, em outros, incapazes de garantir a segurança (como no Iraque)”.
Há também uma referência aos problemas internos: “O recente escândalo Vatileaks revelou uma Cúria atormentada pelas lutas internas e pela disfunção. A Igreja é acusada de ter encoberto por décadas os abusos sexuais de menores e adolescentes por parte dos padres. Francisco vai reforçar o compromisso de proteger os jovens e aplicar o protocolo que exige a remoção do ministério de todos os sacerdotes que cometeram abusos. O papa também herda uma batalha interna de poder pela gestão do banco vaticano, que deve continuar um processo de respeito aos padrões internacionais de transparência, ou corre o risco de ser excluído do sistema bancário global. A reforma da Cúria será uma prioridade para Francisco, não tanto para evitar escândalos, mas sim para fornecer um governo capaz de enfrentar esses desafios”.
Um ano depois, em 6 de março de 2014, a Embaixada estadunidense no Vaticano enviou um novo relatório, desta vez dirigido ao presidente Obama, para prepará-lo para o seu encontro com o papa: “Apesar dos muitos atos revolucionários de Francisco, ele não está tentando mudar a doutrina da Igreja. Em vez disso, ele desloca o diálogo dos temas sociais candentes para questões mais práticas de natureza pastoral. Ele está esclarecendo que as questões culturais obscureceram o papel mais fundamental da Igreja na assistência aos pobres, doentes e necessitados”.
Obama queria ouvir exatamente isso, na esperança de reconstruir a relação bilateral sobre novas bases, em uma previsível antítese com o que aconteceria, depois, com a eleição de Trump: “Francisco também tem como alvo o capitalismo e o materialismo desenfreados, concentrando-se nos temas da exclusão e da desigualdade, que levavam ao sofrimento físico dos pobres e deserdados, enquanto os ricos sofrem no plano ético e moral”. Ele contra um sistema financeiro que “manda em vez de servir”, embora reconhecendo “o papel fundamental desempenhado pela moderna atividade empresarial para tirar milhões de pessoas da pobreza”.
A reforma da Cúria continua, embora com dificuldade, assim como o melhoramento das relações com os judeus. Francisco encoraja a retomada das negociações entre israelenses e palestinos, mas tem reservas sobre a estratégia na Síria: “Influenciado pelos bispos locais e pelos patriarcas, o Vaticano muitas vezes é crítico ao apoio à oposição, que inclui fundamentalistas islâmicos, porque considera que eles representam uma séria ameaça para o futuro de uma Síria democrática e multiconfessional”.
Mas a esperança é a de construir uma nova aliança, até porque é indispensável que as duas figuras de referência da comunidade global se entendam: “Sr. Presidente, o Papa Francisco é o segundo líder mais seguido no mundo do Twitter depois do senhor – e é o mais retuitado”.
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“O Vaticano é como nós, estadunidenses: potência global que influencia o mundo” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU