27 Junho 2017
"A tecnologia avança rápido demais e oferece-nos novas possibilidades com uma velocidade que a teologia e os outros canais de conhecimento humano não conseguem acompanhar". O cardeal Gianfranco Ravasi, 74 anos, teólogo, estudioso bíblico, presidente do Conselho Pontifício da Cultura, porém não é um homem que se dê por vencido. Com o "Cortile dei Gentili" (Pátio dos Gentios) e a "Mesa redonda permanente para o diálogo entre ciência e religião" está à procura de "aliados" entre aqueles que ainda têm fé no homem e em seu pensamento. "Ateus, cientistas, e mesmo aqueles que ainda acreditam nas ideologias. Não é mais o momento de contraposições, mas de diálogo".
Na última reunião da "Mesa redonda" tratou-se sobre inteligência artificial e da relação entre seres humanos e humanoides.
A entrevista é de Elena Dusi, publicada por Repubblica, 25-06-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Qual o objetivo desse diálogo entre fé e ciência?
Religião e ciência são muitas vezes consideradas magistérios independentes, duas linhas paralelas. E do ponto de vista do método, é correto que seja assim. Mas compartilham o mesmo sujeito e o mesmo objeto. Precisam se encontrar, mais cedo ou mais tarde.
Ciência e fé são duas tonalidades da mesma música?
O conhecimento do mundo por parte dos seres humanos ocorre através de muitos canais: a ciência e a racionalidade, mas também a teologia, a estética, o amor, a arte, o jogo e o simbolismo, que é inclusive a primeira forma de buscar conhecimento quando somos crianças. Perdê-los ou simplificá-los acarreta um empobrecimento. E, infelizmente, isso é o que está acontecendo hoje.
Por culpa da ciência?
Não, por culpa da ignorância. Estamos vivendo uma globalização da cultura contemporânea dominada apenas pela técnica ou pela pura prática. Há, por exemplo, uma superprodução de dispositivos tecnológicos frente aos quais não conseguimos elaborar uma atitude crítica equilibrada. Encontramo-nos em uma era de bulimia dos meios e atrofia dos fins. A formação escolar e universitária quase não se ocupa com os aspectos da antropologia geral. Assim, o ensino da arte, literatura, grego, latim e filosofia vão aos poucos sendo reduzidos.
Com que consequências?
Sentimo-nos muitas vezes esmagados, achatados por uma única dimensão. O uso massivo da ciência e da tecnologia produziu em nós uma mudança que não é apenas de superfície. Quando se aprende a criar robôs com qualidades humanas muito evidentes, quando se desenvolve uma inteligência artificial, quando se manipula diretamente o sistema nervoso, não estão sendo feitos apenas grandes avanços tecnológicos, em muitos casos valiosos no âmbito terapêutico médico. Também está sendo feito um verdadeiro salto antropológico, que atinge questões como liberdade, responsabilidade, culpa, consciência e, se quisermos, alma.
A ciência avança rápido demais?
Não é tanto a ciência, quanto a tecnologia: é rápida e nos oferece novas possibilidades com uma velocidade que a teologia e os outros canais do conhecimento humano não conseguem acompanhar. Por esse caminho podemos acabar em uma civilização midiática e digital que está se tornando totalizante. Falamos de transumanismo como um dos medos do futuro, mas de certa forma já começou. Os nativos digitais são funcionalmente diferentes em relação aos homens do passado. Muitas vezes invertem tanto a relação entre real e virtual, como a forma tradicional de considerar o que é verdadeiro e o que é falso. É como se estivessem dentro de um jogo digital. Além disso, o homem, que sempre foi um contemplador e guardião da natureza, hoje se tornou uma espécie de cocriador. A biologia sintética, a criação de vírus e bactérias que não existem na natureza é uma expressão dessa tendência. Todas essas operações têm implicações éticas e culturais que devem ser consideradas.
Ciência e fé, como podem colaborar?
Entre espiritualidade e racionalidade, entre fé e ciência, pode se instaurar uma tensão criativa. Já falava João Paulo II que a ciência purifica a religião da superstição e a religião purifica a ciência da idolatria e dos falsos absolutos.
A ecologia é um ponto de encontro?
Os acordos de Paris estão agora passando por dificuldades. E muitos "laicos", inclusive, passaram a se identificar com a Laudato si’ do Papa Francisco, que acredito está se tornando um ponto referencial para a questão ecológica. Por outro lado, está escrito nas primeiras linhas do Gênesis que Deus confiou a terra ao homem para "cultivá-la", mas também para "cuidá-la”.
Os seus encontros com os laicos já existem há alguns anos. Que balanço pode ser feito?
O fundador do cristianismo, Jesus de Nazaré, era um laico, não um sacerdote judeu. Ele não hesitou em formular um princípio capital: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". A contraposição entre clericais e anticlericais já foi agora ultrapassada. Alguns aspectos do secularismo são comuns a todos nós e a teologia há muito deixou de considerar a filosofia e a ciência apenas como suas coadjuvantes. Os problemas são outros. Simplificação, indiferença, banalidade, superficialidade, estereótipos, clichês. Uma metáfora do filósofo Kierkegaard parece-me a mais apropriada aos dias de hoje: o navio acabou nas mãos do cozinheiro de bordo e as palavras que o comandante transmite com seu alto-falante não são mais a rota, mas o cardápio de amanhã. É indispensável uma reproposta por crentes e não crentes dos grandes valores culturais, espirituais e éticos como um choque positivo contra a superficialidade, agora que estamos vivendo uma virada antropológica e cultural complexa e problemática, mas certamente também estimulante.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A técnica avança rápido demais e vai mudar nossa alma. Entrevista com Gianfranco Ravasi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU