15 Mai 2017
Eles começaram a aparecer com mais força nos protestos em prol do impeachment de Dilma Rousseff, mas mesmo antes disso já eram figuras relevantes nas redes sociais. Alguns de seus expoentes, a essa altura, tinham se tornado figuras carimbadas em veículos da mídia tradicional, enquanto outros amealhavam legiões de fãs com suas análises e comentários. Em 2016, conseguiram eleger representantes diretos e viram triunfos de candidatos que contaram com seu apoio. Agora, em um cenário político que favorece a possível emergência de outsiders, os integrantes da chamada nova direita pretendem almejar voos maiores nas eleições do ano que vem.
A reportagem é de Glauco Faria e Luciano Velleda, publicada por Rede Brasil Atual – RBA, 14-05-2017.
Esse novo agrupamento ideológico, heterogêneo, mas cada vez mais visível, tem sido estudado por parte do meio acadêmico que acompanha sua consolidação nos últimos anos. Não à toa, já que possíveis postulantes desse segmento aparecem com relativo protagonismo em sondagens eleitorais recentes, como é o caso do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). Mas como definir e delimitar o que seria essa nova direita?
“Para sabermos se há uma ‘nova direita’, seria preciso diferenciá-la da ‘velha direita’”, resume Adriano Codato, professor de Ciência Política e coordenador geral do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da Universidade Federal do Paraná (UFPR), explicando em seguida a diferença entre um e outro grupo, proposta pelo cientista político Bruno Bolognesi no âmbito de um projeto de estudo sobre as direitas na América Latina.
Conforme essa divisão descrita por Codato, a velha direita está concentrada em partidos que possuem ligação com as ditaduras militares – por exemplo, DEM, ex-PFL, que teve parte de seus integrantes vindos do PDS, ex-Arena –, sendo caracterizada por pontos como a defesa moderada da não intervenção do Estado na economia, a crítica aos programas de compensação social como Bolsa Família, Fies etc., e pela defesa da moral cívica e da família tradicional (direita laica).
Já a nova direita, segundo o cientista político, surge “tanto como resposta política e eleitoral à velha direita como resposta à ascensão da esquerda”. Ela se faz presente principalmente nas novas e pequenas legendas sem ligação com o sistema de partidos tradicional, como PSC, PRB e PEN, defendendo a intervenção limitada do Estado na economia para garantir a igualdade de oportunidades – programas sociais –, a aceitação da democracia eleitoral, e a defesa radical dos valores cristãos e da família tradicional (direita religiosa).
Se no início do período da redemocratização mesmo políticos com evidente inclinação à direita não se assumiam como tal, hoje o cenário é diferente. “É uma nova geração, são pessoas que têm entre 18 e 40 anos, nasceram nos anos 1980 para cá e não se relacionam com o regime militar. Em geral, rejeitam a ditadura de forma absoluta em termos econômicos”, explica Camila Rocha, doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, que ressalta a diversidade de pensamentos e um ponto em comum entre esses segmentos. “Tem desde monarquistas até libertários, mas todos convergem na defesa da liberdade de mercado, divergem no papel do Estado regulando os costumes.”
Conciliar o liberalismo econômico com o conservadorismo em termos morais tem sido um dos desafios dos que pretendem encarnar o espírito da direita rejuvenescida. Um exemplo disso foi a candidatura do Pastor Everaldo, pelo PSC, à presidência da República em 2014. Um dos principais motes do seu discurso durante a campanha, além da “defesa da família”, era a pregação em prol do Estado mínimo, repetindo bordões como “Mais Brasil e menos Brasília na vida do cidadão brasileiro”. Foi o único presidenciável a defender de forma aberta a privatização da Petrobras. Ao fim, não conseguiu mobilizar nem o segmento evangélico nem os liberais econômicos em torno de sua candidatura, amargando parcos 0,75% dos votos no primeiro turno.
“O programa e o discurso do Pastor Everaldo eram ensaiados por seus financiadores e não uma conversão da direita religiosa ao liberalismo econômico. É muito difícil no Brasil ser ‘liberal’, no sentido econômico, e ser ao mesmo tempo ‘liberal’, no sentido dos direitos individuais”, avalia Adriano Codato. “Os candidatos conservadores-religiosos podem se fantasiar com o liberalismo econômico, mas não podem admitir o liberalismo dos ‘direitos do indivíduo’, pois isso implicaria em admitir o controle sobre o próprio corpo, por exemplo. Além disso, o liberalismo estrito, aquele de manual de Economia, não serve num país de renda tão baixa, necessidades sociais tão altas e que está acostumado a ser provido pelo Estado. O empresariado inclusive. Ou principalmente.”
A legenda do religioso é uma das que têm buscado reforçar uma maior identidade com movimentos da direita emergente, tentando se renovar perante o eleitorado. “Parte da nova direita se organiza principalmente em torno de três partidos: o PSL, que tem uma tendência, o Livres, que quer se tornar hegemônica; o PSC, do Pastor Everaldo, de tendência liberal-conservadora; e o Partido Novo, mais alinhado com o Proposta Republicana (PRO) de Mauricio Macri (presidente argentino), não entrando na pauta de costumes, com um perfil de administração profissional e contando com empresários”, pontua Camila Rocha.
No caso do PSC, a cientista política aponta o advogado Bernardo Santoro, diretor do Instituto Liberal, como um dos responsáveis pela elaboração da plataforma de campanha do presidenciável do partido. “Ele (Everaldo) não tinha qualquer noção de liberalismo econômico antes disso”, afirma. Santoro também colaborou com a campanha de Flávio Bolsonaro à prefeitura do Rio de Janeiro, em 2016, e está trabalhando a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência em 2018. “Uma das tensões da nova direita é entre liberalismo e conservadorismo. Muitos libertários, por exemplo, são contra Bolsonaro e tem sido feito um trabalho de convencimento para que ele seja encarado como alguém confiável”, pontua.
Uma amostra da dificuldade para equilibrar as tensões entre valores distintos da direita são as declarações de Bolsonaro. No início de fevereiro, ele disse que o Estado brasileiro é “cristão” e que as “minorias têm que se curvar”. Na ocasião, Santoro, em seu perfil no Facebook, saiu em sua defesa, dizendo que as críticas ao discurso do parlamentar eram um “caso claro de má-vontade com o deputado”. “Não há nenhum problema em se defender um Estado confessional democrático, que tem em si mesmo um poder de defesa institucional ao marxismo cultural que o estado laico não possui”, escreveu. “O que ele pretende, de fato, é combater, isso com vigor e tenacidade, todas as minorias politicamente organizadas que pretendem e têm tentado implementar agendas de reengenharia social para destruição dos valores cristãos que, sim, fazem parte da construção e sedimentação da nossa sociedade.”
Na mesma postagem, Santoro vê paralelos entre o deputado e o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. “Racionalizando as atitudes dele, o que eu vejo é que, com esse discurso superficial e de chavões, ele atinge a classe popular, cujo pensamento político não é rebuscado e não compreende o tipo de nuance que eu apresentei aqui. Talvez ele tenha percebido algo que eu não percebi, uma forma de comunicação genuína com o povo, tal como Trump fez nos EUA e nenhum analista político lá percebeu (salvo o esquerdista Michal Moore, o único que viu que Trump estava comendo a base democrata no cinturão do aço com seu discurso antiglobalização, onde a eleição se resolveu a seu favor, especialmente em Pensilvânia, Michigan e Wisconsin).”
Que existe uma consolidação do espaço da direita em termos político-eleitorais, não se pode negar. Porém, a questão é saber até onde esse segmento pode ir, já que os postulados neoliberais não encontram grande apoio em meio à população, mesmo entre aqueles que se definem de direita. Nas eleições presidenciais de 2006, aliás, o candidato tucano, Geraldo Alckmin, passou pelo constrangimento de ter que se vestir com um macacão ornado com logotipos de empresas públicas para afirmar que não iria proceder a novas privatizações, uma das marcas dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, único tucano a chegar ao Planalto.
Um estudo feito pelos pesquisadores Esther Solano (Unifesp), Pablo Ortellado e Marcio Moretto (USP) mostra a dificuldade que candidatos atrelados à defesa de princípios do liberalismo econômico podem encontrar em eleições majoritárias. Entre os dias 15 e 22 de outubro de 2016, eles realizaram uma pesquisa sobre assuntos frequentes nas redes sociais quando se aborda política, ouvindo 1.058 paulistanos. Entre os temas estava, por exemplo, a seguinte afirmação: “As empresas estatais como os Correios e o Banco do Brasil deveriam ser privatizadas”. Entre os entrevistados, 53,1% discordaram, diante de 30,2% que concordaram.
Outras afirmações avaliadas foram “O bolsa-família é necessário para reduzir a desigualdade”, com concordância de 54,1% das pessoas. Em relação à frase “Quem começou a trabalhar cedo, deve poder se aposentar cedo, sem limite de idade”, 83,8% disseram estar de acordo, sendo que 83,1% concordam que “Todo mundo deveria trabalhar com carteira assinada”.
“Existe uma diferença grande entre os grupos que tomaram frente da questão do impeachment e as pessoas que estiveram presentes nessas manifestações”, avalia Esther Solano, em evento realizado pelo Instituto Goethe, em São Paulo. “Esses atores (como MBL, Vem Pra Rua e Revoltados On Line) se colocam como pró-mercado, privatistas e defensores do Estado Mínimo. Mas as pessoas que se definem como conservadoras e que foram para as manifestações pró-impeachment não aderem ao consenso neoliberal”, afirma, ressaltando que tal consenso só se aproxima da realidade nas camadas com renda mais alta.
Pesquisa da Fundação Perseu Abramo divulgada em março, que analisava os valores políticos das regiões periféricas de São Paulo, também reforça essa percepção, ainda que, à época, setores da mídia tradicional tenham celebrado os resultados. “No momento antes da crise, quando houve a ampliação do mercado de trabalho e do mercado de consumo, as pessoas passaram a ser incluídas e a experimentar um pouco o que era ter cidadania, ainda que por meio do consumo, de uma maneira intensa e, para alguns desses setores, inédita. No momento em que temos a reversão do ciclo econômico, essas pessoas passam a sentir o impacto desse recuo. Isso vai criando um ambiente marcado por valores ambíguos e paradoxais. No fundo, esse grupo social, como experimentou a cidadania e o consumo, passou a ter a autoestima elevada, auto respeito, passou a desejar o direito de construir a própria biografia de maneira autônoma”, explica, em entrevista à RBA publicada em abril, o professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), cientista político e economista William Nozaki.
“Isso cria uma noção de individualidade diferente da que existia até aquele momento, porque as pessoas passam a se entender como cidadãos. E como cidadãos passam a se ver como indivíduos que querem ter a chance, a oportunidade, de construir a própria vida. Isso cria uma abertura para a inoculação de valores marcados pela presença do empreendedorismo, da competição, mas não no sentido neoliberal, e sim no sentido de ter o direito de construir a própria trajetória de vida. Passa mais por aí do que por uma lógica de competição exacerbada, ou de vitória da livre concorrência de mercado. É mais a construção de uma noção moderna de indivíduo”, afirma.
O estudo conduzido pelos pesquisadores da USP e Unifesp mostra ainda que boa parte do sentimento do antipetismo poderia ter migrado para a antipolítica. Já em abril de 2015, somente 11% dos manifestantes entrevistados nos atos pelo impeachment diziam confiar muito no PSDB, em que pese a maioria deles ter se assumido como votante da legenda. Em relação ao PMDB, partido ao qual pertencia o vice-presidente que assumiria a cadeira de Dilma, esse índice chegava a 1,4%.
“Vivemos um cenário de cultura política rarefeita, uma polarização muito forte e ao mesmo tempo vazia, e isso possibilita a eleição de líderes tecnocráticos num ambiente de democracia fraca. Nesse cenário, o surgimento de lideranças apolíticas pode ser um grande perigo, ao mesmo tempo que as coisas mudam rápido e não é possível fazer muitas previsões com segurança”, observa Rodrigo Estramanho de Almeida, professor da FESPSP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo).
Com um panorama no qual reina o descrédito tradicional, abre-se um caminho para legendas como o Novo ou um repaginado PSL, além de figuras fora da política tradicional e que, pretensamente, rejeitam a política. Isso já se refletiu nas eleições de João Doria, em São Paulo, e de Alexandre Kalil (PHS), em Belo Horizonte, por exemplo. Um perfil de candidato relacionado ao sucesso pessoal, com discurso de “gestão empresarial” na administração pública. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reconheceu essa condição, que afetou a imagem de três possíveis postulantes de seu partido à presidência em 2018, os senadores Aécio Neves e José serra, e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. “A questão é que o sistema político brasileiro não favorece a formação de líderes nacionais. Fora de campanhas, quem aparecia nacionalmente? O ex-presidente, o presidente e um ou outro candidato a presidente. Quando alguém chamava atenção? Só os mais bizarros conseguiam. Isso agora mudou, está mudando. O Doria está fora (desse esquema anterior), o Luciano Huck está fora. Eles são o novo porque não estão sendo propelidos pelas forças de sempre. Temos de ver como isso se desenrola.”
Se nomes da nova direita estão também nos partidos grandes, as legendas menores têm um espaço grande para crescer. O Novo, por exemplo, filiou o técnico de vôlei Bernardinho, emigrado do PSDB, em abril. Uma palestra do ex-treinador (com entrada paga) programada para junho, em Porto Alegre, aparece na agenda de eventos da legenda, indicando que ele poderá agregar outras personalidades públicas ao partido. No PSL, o economista Gustavo Franco, ainda no PSDB, é um dos padrinhos da tendência Livres, representada por libertários que buscam ocupar um espaço maior na agremiação.
Entre os partidos grandes, o prefeito de São Paulo tem investido na fórmula que fez sucesso nas manifestações de 2015, vestindo o figurino do antipetismo e polarizando, sempre que possível, com Lula. Aécio também adotou estratégia semelhante em 2014 e conseguiu superar Marina Silva e chegar ao segundo turno. Mas a radicalidade à direita assustou parte do eleitorado “centrista” e o tucano foi derrotado por Dilma. Em uma disputa pelo eleitorado de Bolsonaro, o antipetismo pode servir a Doria, mas é o suficiente para vencer?
Adriano Codato observa que a ascensão de uma nova direita no Brasil é um fenômeno “bastante complexo e difícil de apreender se olharmos apenas para a dinâmica partidária”. “Entre outras coisas porque há muitos partidos e as formas de classificação deles são complexas e nunca unívocas; existem partidos sem ideologia (‘fisiológicos’), os que são velhos na idade (PSC), mas que renovam/aprofundam seu discurso em direção à nova direita, e o surgimento de forças na nova direita não alinhadas à direita religiosa, como o Novo e o PSL”.
Ele desenvolveu uma tipologia que diferencia a direita brasileira em pelo menos cinco correntes, traçando os “tipos ideais” de políticos que poderiam corresponder a cada uma delas:
– o político tradicional de direita: Ronaldo Caiado (DEM)
– o político da nova direita popular: Pastor Feliciano (PSC)
– o político da direita populista: Jair Bolsonaro (ex-PP; PSC)
– o político da direita neoliberal: Henrique Meirelles (PMDB)
– o político da direita libertária: Fábio Ostermann (PSL)
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Até onde vai a ‘nova direita’? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU