02 Mai 2017
Ele se diz cristão. Um católico "muito ativo". Suas orações? O breviário, especialmente à noite. E as orações tradicionais, repetidas quase nostalgicamente todos os dias. Com uma religiosidade "de carola". Conceitos que poderiam ser normais para qualquer fiel. Mas que surpreendem por quem as pronunciou: Gianni Vattimo. O conhecido filósofo italiano, ícone do partido radical, pai do "pensamento fraco" e estudioso do existencialista alemão Nietzsche. Em uma entrevista, afirmou que Francisco "é uma oportunidade" para que a Igreja deixe estruturas superficiais para trás. E alertou que "se falam mal do Papa," é porque ele está certo.
A reportagem é de Andrés Beltramo Álvarez, publicada por Vatican Insider, 30-04-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Nascido em 1936, assim como Jorge Mario Bergoglio, Vattimo acusa o peso dos anos. Grisalho, caminha lentamente com uma bengala. Mas o passar dos anos não afetou sua lucidez, nem a veia polêmica de suas declarações. Quase irreverente. Sempre afiado, faz graça com o fim de seus dias. Afirma que está escrevendo um livro novo e imagina a possibilidade de deixá-lo inacabado. Porque "todo bom filósofo deve deixar algum texto inédito".
"Francisco é uma grande oportunidade para a Igreja. Há Papas que representam uma oportunidade de renovação e transformação. Estou exagerando, entendo que o Papa é sempre o Papa, muitas vezes preciso lembrar a mim mesmo que o Papa não pode fazer tudo, apenas um pouco. Mas estou convencido de que ele tem boas intenções e, paradoxalmente, os que o veem como uma ameaça à Igreja têm razão, porque é uma ameaça para a Igreja tradicionalista, pois - no fundo - ele enfrenta os problemas", disse ele.
Como Parlamentar Europeu, ganhador de prêmios e títulos "honoris causa" de universidades em vários países, acredita que se diferentes setores "falam mal do Papa" é porque ele "é alguém que poda, que traz alguma purificação, que faz coisas não são necessariamente agradáveis".
Ao mesmo tempo, como "fiel periférico", demonstrou preocupação. Ele espera que o papa seja tão equilibrado a ponto de se livrar de muitas coisas obsoletas da Igreja sem "estragar" a experiência religiosa dos fiéis.
"O Papa, em sua tentativa de renovar e atualizar, de colocar a Igreja ao alcance dos pobres, enfrenta um problema de equilíbrio: ele deve fazer o que é certo e o que faz não deveria causar escândalos. É um momento delicadíssimo de transformação na Igreja", assinalou.
Em outras ocasiões ele disse que era "ateu, graças a Deus", mas agora parece ter mudado de ideia. Apesar de não aceitar abertamente. Talvez porque ele nunca deixou de considerar-se católico, à sua maneira, apesar de ser um crítico ferrenho da própria Igreja. Ou, talvez, porque está repensando sua trajetória.
"Eu vivo um cristianismo muito 'de carola', rezo as orações tradicionais e às vezes me pergunto se isto vem de uma certa nostalgia à Igreja tradicional", reconheceu durante a conversa. E seu entusiasmo por Francisco já é uma contradição com sua antiga oposição à autoridade do papa como representante de Deus.
Mais tarde, ele explicou que o ateísmo vem de sua recusa a acreditar no "Deus dos filósofos", o "Deus moral", fiador supremo da ordem no mundo capitalista. "O que nos interessa neste Deus capitalista?", questionou.
E acrescentou: "a Igreja, por muitos séculos, especialmente na Europa, foi uma ferramenta de conservação, mas essa atuação acabou preservando seus próprios privilégios. Isso é algo que o Papa está deixando para trás. Neste momento a tarefa dos cristãos deve ser deixar a 'abundância' da Igreja, por exemplo no patrimônio excessivo. Veja bem, não quero dizer que devem vender os Museus do Vaticano, não vamos exagerar. Mas talvez ter um pouco menos não vai fazer mal algum".
Assim, Vattimo mostrou-se aberto às gradações. Nem um pouco radical. Por mais que tenha enfatizado sua crença de que a Igreja deve se reduzir em algumas partes, ele nunca defendeu seu desaparecimento, nem muito menos. Reconheceu que sem o catolicismo, ele nunca teria feito contato com o evangelho. E chegou a se colocar como exemplo.
"Não posso querer que a Igreja se reduza além de um certo limite, porque, nesse caso, quem vai pregar o evangelho? Quem vai conhecer a Cristo? Mas é possível conciliar as duas coisas. Além disso, e principalmente, pode-se projetar um Jesus mais próximo à imagem que ele queria dar de si mesmo", disse.
Não somente isso, ele também ofereceu uma interpretação teológica dessa redução. Porque, segundo ele, na história do cristianismo "o enfraquecimento religioso tem um caráter providencial". E explicou: "uma religião forte frequentemente vem acompanhada do colonialismo, dos poderes, da disciplina pública, das ditaduras. Acho muito acertado o atual movimento de redução e acredito que entre no plano de salvação divina."
Ao mesmo tempo, ele ressaltou a importância do papado como "poder histórico" que representa mais de um bilhão de fiéis. Mas esclareceu que quem ocupa esse espaço pode atuar como poderoso ou pobre, e Francisco escolheu agir como pobre. Por isso, considerou o Papa Francisco como o "primeiro debilista" do mundo. Expoente do pensamento fraco (‘pensiero debole’, em italiano), como ele o concebe.
"Poderes fortes estão muito atentos, porque perceberam que (o Papa) tem uma certa 'veia comunista'. Isso o salva (risos). Eles preferem adotar a atitude de sempre, quando os Papas pregam a pobreza: deixam que ele fale desde que não incomode muito. Mas o Papa Francisco está puxando a corda tanto quanto possível, para agir diferente. Estou feliz porque graças a ele eu tenho orgulho de ser católico, quando em outros momento cheguei a ter vergonha", afirmou.
O processo de renovação iniciado por Francisco demorará muito? Sobre isso, respondeu de forma realista: "Eu honestamente não sei. Espero que não, mas acho bastante compreensível que estejam sendo preparadas ações na direção oposta na Igreja. Ainda assim, certos passos que ele deu não têm volta. Sempre acreditamos que o Papa não pode transformar a Igreja totalmente, mas pode transformar 50% e sobre o resto poderia haver um refluxo. Mas, resumindo, muitas coisas continuarão".
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"Eles criticam o Papa porque ele está certo", afirma Gianni Vattimo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU