24 Janeiro 2017
"A Igreja em saída e missionária, muitas vezes, foi utilizada como slogan, mas, ao contrário, deveria ser o status constitutivo do cristão. Portanto, devemos assumi-la a fundo, assim faz o Papa Francisco, conjugando-a na práxis eclesial com esse horizonte e projeto."
A opinião é do presidente da Associação dos Teólogos Italianos, Roberto Repole, padre da diocese de Turim, em entrevista concedida a Luca Rolandi e publicada no sítio Vatican Insider, 18-01-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
De que modo a Evangelii gaudium foi retomada no mundo eclesial, especialmente italiano?
Eu acho que é um documento realmente indicativo da Igreja de Francisco, e não é por acaso que ele pediu à Igreja italiana, durante o Congresso de Florença, que assuma o compromisso de fazer com que ele se torne carne viva da comunidade eclesial em todos os seus componentes e em todos os níveis, começando pelas comunidades eclesiais de base.
Talvez, se poderia fazer algo mais na recepção do documento que, naturalmente, nos convida a repensar a realidade da Igreja, especialmente em um contexto como o de hoje, em que a Igreja é marcada, quer queiramos ou não, por um horizonte de cristandade e por uma percepção de que, no fundo, ainda somos normalmente cristãos, para passar a uma consciência mais plena e madura de que isso já não é tão óbvio.
Por isso, deveria ser repensado o modo de estar dentro deste mundo e nesta sociedade, e como se estruturar como crentes em Cristo. A Igreja em saída e missionária, muitas vezes, foi utilizada como slogan, mas, ao contrário, deveria ser o status constitutivo do cristão. Portanto, devemos assumi-la a fundo, assim faz o Papa Francisco, conjugando-a na práxis eclesial com esse horizonte e projeto.
Qual o seu balanço do quarto aniversário do pontificado de Francisco?
Uma concepção diferente do próprio papado. Menos sacral em relação ao que estávamos acostumados desde sempre. Encontramo-nos diante de um magistério que se coloca diante de alguns aspectos. No fundo, é um papado que solicita o debate entre as diversas posições, em busca de uma autêntica fidelidade ao Evangelho, sem pré-compreensões e preconceitos. Nesse sentido, Francisco deu início a um processo que, em alguns aspectos, deveria ser conatural à própria natureza da Igreja desde o Concílio Vaticano II, embora nem sempre foi assim nos últimos 50 anos. No seu pontificado, a dimensão da misericórdia, do amor e da esperança para todos são realmente o sentido profundo da orientação do Espírito da Igreja na história, a nossa história. Um debate, às vezes, também muito acirrado, mas que vai ajudar a comunidade cristã a ser mais autêntica.
Como você descreve a relação entre a Igreja e o mundo, de acordo com Francisco, um dos poucos não só espirituais de hoje?
Indubitavelmente, o Papa Francisco é uma referência para a vida social em muitos níveis, talvez porque não há outras referências ideais e políticas capazes de provocar uma adesão e uma aceitação de programas e perspectivas por parte das pessoas e das comunidades. A crise das ideologias e das narrativas históricas, e a acentuação do individualismo e do niilismo no nosso mundo ocidental permitiu que nos reencontrássemos diante de questões grandiosas e urgentes, sem que haja respostas nem ideais nem de testemunhas.
Ao mesmo tempo, o Papa Francisco é o representante de uma Igreja que dá esperança e luz. Palavras e ações concretas que remetem ao coração humano a mensagem e a presença de Cristo na história. Há muitos na Igreja e fora dela que querem enfrentar os desafios da história e da modernidade através da atualização do Evangelho. Porque a Palavra de Deus é vital também para as dinâmicas e as relações sociais. Mas não devemos nos enganar. Porque Francisco já existia antes: Jorge Mario Bergoglio é padre e depois bispo na Argentina, em Buenos Aires, e ninguém, ou poucos, falava dele. É por isso que o “caso” Francisco não existe.
O seu programa magisterial é muito concreto. Por exemplo, um aspecto fundamental é a grande ênfase com que o papa reconheceu as idolatrias do nosso tempo, especialmente uma certa idolatria economicista. Neste momento, não encontramos muitos outros personagens que demonstrem essa coragem. E eu acho que essa sua voz deve ser compreendida na sua consistência teológica, o outro lado da moeda que, na sua primeira parte, apresenta a necessidade de uma Igreja missionária e em saída. Precisamente porque devemos anunciar o Deus de Jesus Cristo, um Pai que cuida dos mais pobres, dos explorados, de quem é refugiado, de quem está oprimido pela guerra e pela violência. Justamente por isso, temos o dever de denunciar aquelas idolatrias que provocam esses desastres: sociais, ambientais e estruturais.
Qual é o vínculo entre o estudo teológico hoje e o papado de Bergoglio?
Um dos grandes desafios que devemos recolher também da Evangelii gaudium é repensar os grandes temas da teologia, de modo a fazer com que se perceba que há um Evangelho também para o homem de hoje. Nesse sentido, devemos valorizar toda a grande tradição cristã e os movimentos e os carismas do passado – pensemos na Idade Média, tempo histórico fundamental para entender o hoje – para reapresentar o Evangelho na contemporaneidade. E esse é um desafio formal para a teologia.
Outro aspecto fundamental é como apresentar o valor salvífico de Jesus Cristo em um tempo tão indiferente e autossubsistente. A palavra “salvação”, tão fundamental no cristianismo e também em outras religiões, pode correr o risco de estar dormente, a ponto de não ser mais percebida como central. Embora existencialmente haja uma grande necessidade de palavras de salvação. Nesse sentido, devemos aceitar um desafio que é central no mundo cristão e no debate com as outras religiões. Em cenários multiculturais, multiétnicos e em grande a transformação em que estamos vivendo.
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"Francisco é uma referência para a vida social, porque não há outras." Entrevista com Roberto Repole - Instituto Humanitas Unisinos - IHU