12 Janeiro 2017
"Evidentemente, ninguém sabe, com certeza, como será o dia de amanhã. Mas as indicações atuais apontam para um Brasil, no futuro, menos católico, mais evangélico e com maior pluralidade religiosa (inclusive com maior presença das pessoas que se declaram sem religião)", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 11-01-2017.
Eis o artigo.
O Brasil está passando por uma grande transformação na sua moldura religiosa. Os católicos continuam como o grupo majoritário, mas perdem espaço em termos absoluto e relativo. Os evangélicos, em sua multiplicidade e diversidade, é o grupo que mais cresce. Mas também tem aumentado as demais denominações não cristãs e o número de pessoas que se declaram sem religião. Isto quer dizer que o Brasil está passando por uma mudança de hegemonia entre os dois grupos cristãos (católicos e evangélicos), ao mesmo tempo em que aumenta a pluralidade religiosa, pois cresce e diversifica a proporção das filiações não derivadas do cristianismo. Este processo ocorre em todo o território nacional, mas em ritmos diferentes nas escalas espacial e social. Porém, uma coisa é clara: pluralidade gera pluralidade, pois quanto mais diversificadas são as opções religiosas (incluindo os sem religião) mais rápido é a diminuição da proporção de católicos.
Os católicos agregavam quase 100% dos brasileiros antes da Proclamação da República, em 1889. Esta proporção caiu ligeiramente nas oito décadas seguintes, mas os católicos ainda eram ampla maioria em 1970, quanto representavam 91,8% da população. A partir daí a queda se acelerou e chegou a 83% em 1991. A diminuição foi de 8,8% em 21 anos. Mas o pior viria entre 1991 e 2010, pois a perda foi de 18,4% em 19 anos. Isto representou quase um por cento de perda ao ano (-0,97%). Os católicos são doadores universais. Para cada 100 pessoas que deixaram de ser católicos, 72 foram para as filiações evangélicas, 18 para os sem religião e 10 para as outras religiões não cristãs.
Se a tendência da transição religiosa ocorrida no período 1991 a 2010 continuar, pode-se fazer uma projeção linear até 2040, com os católicos perdendo 0,97% aa, os evangélicos ganhando 0,69% aa, os sem religião ganhando 0,17% aa e as outras denominações aumentando 0,1% aa. O resultado pode ser visto no gráfico 1, quando em 2036, os evangélicos (em sua multiplicidade), com 40,3%, ultrapassarão os católicos, com 39,4%. Em 2040, os católicos teriam 35,5% e os evangélicos teriam 43%. Os cristãos (católicos + evangélicos) passariam de 92% em 1991, para 86,8% em 2010 e cairiam para 78,6% em 2040. Portanto, este quadro caracteriza bem a transição religiosa, com mudança de hegemonia entre os dois maiores grupos e aumento da pluralidade (queda da percentagem de cristãos).
Mas há quem discorde deste cenário. O sociólogo Paul Freston, considera que a queda dos católicos tem um piso e a subida dos evangélicos tem um teto. Ele diz: “Pelas tendências atuais, o futuro previsível da religião no Brasil vai depender de três fatores. Em primeiro lugar, o catolicismo continua a declinar (perde cerca de 1% da população anualmente), mas haverá um limite nesse declínio. Há um núcleo sólido de católicos praticantes, pelo menos 25% da população, que dificilmente vai ser erodido. Além disso, se a Igreja Católica conseguir se organizar melhor e fazer frente à concorrência, é improvável que fique abaixo de 40%. Em segundo lugar, atualmente, de cada duas pessoas que deixam de se considerar católicas, apenas uma passa a ser evangélica. A outra adere a uma outra religião, ou se torna ‘sem religião’. Em terceiro lugar, o resto do campo religioso está muito pulverizado, e não há sinais de uma ‘terceira força’ religiosa. O resultado de tudo isso é que, “a continuarem as tendências atuais”, nunca haverá uma maioria evangélica no Brasil. O mais provável é que a população evangélica não passe de uns 35%, na melhor das hipóteses. Teríamos, então, o seguinte cenário: 40% de católicos, 35% de evangélicos, e 25% de outras religiões e de pessoas ‘sem religião’” (2009, p. 2).
Porém, esta hipótese de haver um limite ao processo de transição religiosa não apresenta argumentos convincentes e não se sustenta nas evidências empíricas. Como mostram Alves, Cavenaghi e Barros (2014): “A cidade de Seropédica, é um exemplo de rápida mudança religiosa. Até o início dos anos de 1990, Seropédica fazia parte do município de Itaguaí. No censo demográfico de 1991, Itaguaí tinha 55% de pessoas que se declaravam católicas e 21% de evangélicos. Em Seropédica, houve quase um empate no ano 2000, com os evangélicos atingindo 35,9% e os católicos 38,8%. As outras religiões perfaziam um percentual de 5,3% e os sem religião 20,1%. Na primeira década do século XXI a mudança continuou de maneira acelerada entre a população total do município, com os católicos caindo para 27,4% em 2010, os evangélicos subindo para 44%, as outras religiões para 6,3% e os sem religião subindo para 22,3%. Portanto, entre 1991 e 2010, os católicos de Seropédica caíram de mais de 50% para cerca de um quarto (25%). Foi uma perda muito acelerada e parece que não vai ser interrompida imediatamente, pois os católicos estão mais representados entre os idosos e os evangélicos mais representados entre as mulheres em período reprodutivo e as novas gerações. Independentemente da migração inter-religiosa, haverá mudança apenas por conta da inércia demográfica e da sucessão de gerações” (p. 1078).
Em outras cidades fluminenses, como Japeri e Queimados, os católicos já estavam abaixo de 30% e os evangélicos acima de 40%. Nas grandes cidades, como Nova Iguaçu e Duque de Caxias, os evangélicos já estão acima dos 35% e ultrapassaram os católicos. Em Paty do Alferes os evangélicos passaram de 33% em 2000 para 46,2% em 2010. Assim, independentemente do trânsito religioso, os evangélicos devem continuar crescendo por conta de estarem mais representados entre as mulheres e os jovens, tornando a transição religiosa uma realidade.
O IBGE não fez nenhuma pesquisa sobre religião na atual década. Mas existem outras pesquisas que apontam para a continuidade da transição religiosa. Pesquisa encomendada à Universidade Municipal de São Caetano pela Diocese de Santo André para diagnosticar a transformação do Grande ABC e sua população desde os anos 1960 até agora, apontou que a Igreja Católica vem gradativamente perdendo fiéis. Cinquenta e seis anos atrás, dos 499.398 moradores da região, 90,7% eram católicos. Em 2010, das 2,5 milhões de pessoas, 56,5% se declararam seguidoras do catolicismo e, neste ano, elas representam 46,8% em universo de 2,7 milhões de habitantes. Portanto, os católicos perderam quase 10 pontos em apenas 6 anos. O que mostra que a transição está se acelerando e não se reduzindo (Oliveira, 07/12/2016).
Pesquisa Datafolha, divulgada no dia de Natal (25/12/2016), mostra que a percentagem de católicos caiu de 63% em 2010 para 50% em 2016, os evangélicos subiram de 24% para 29%, os sem religião de 6% para 14% e as outras denominações ficaram constante em 7%, no mesmo período, segundo a Datafolha. Entre 1994 e 2016 a perda dos católicos tem sido de 1,14% ao ano, superior ao que aponta os censos demográficos do IBGE (em outro artigo vamos tratar das pesquisas Datafolha sobre religião).
Portanto, as indicações são de que a transição religiosa está se aprofundando e se acelerando no Brasil, assim como ocorre em outros países da América Latina. David Stoll, em livro bastante conhecido, já havia registrado, em 1990, que a América Latina estava se tornando protestante. De fato, países como Guatemala e Honduras já estão bastante avançados na transição religiosa, enquanto o Uruguai é o país menos católico e menos religioso da região.
Evidentemente, ninguém sabe, com certeza, como será o dia de amanhã. Mas as indicações atuais apontam para um Brasil, no futuro, menos católico, mais evangélico e com maior pluralidade religiosa (inclusive com maior presença das pessoas que se declaram sem religião). Muito provavelmente, o país vai superar os 500 anos de predomínio católico e terá uma nova arquitetura religiosa no século XXI.
Referências:
ALVES, J. E. D; NOVELLINO, M. S. F. A dinâmica das filiações religiosas no Rio de Janeiro: 1991-2000. Um recorte por Educação, Cor, Geração e Gênero. In: Patarra, Neide; Ajara, Cesar; Souto, Jane. (Org.). A ENCE aos 50 anos, um olhar sobre o Rio de Janeiro. RJ, ENCE/IBGE, 2006, v. 1, p. 275-308
ALVES, JED, CAVENGHI, S. BARROS, LFW. A transição religiosa brasileira e o processo de difusão das filiações evangélicas no Rio de Janeiro, PUC/MG, Belo Horizonte, Revista Horizonte – Dossiê: Religião e Demografia, v. 12, n. 36, out./dez. 2014, pp. 1055-1085
ALVES, JED, BARROS, LFW, CAVENAGHI, S. A dinâmica das filiações religiosas no brasil entre 2000 e 2010: diversificação e processo de mudança de hegemonia. REVER (PUC-SP), v. 12, p. 145-174, 2012.
ALVES, JED. A vitória da teologia da prosperidade, Folha de São Paulo, 06/07/2012
ALVES, JED. Os Papas, os pobres e a perda de hegemonia dos católicos no Brasil, Ecodebate, RJ, 31/07/2013
ALVES, JED. “A encíclica Laudato Si’: ecologia integral, gênero e ecologia profunda”, Belo Horizonte, Revista Horizonte, Dossiê: Relações de Gênero e Religião, Puc-MG, vol. 13, no. 39, Jul./Set. 2015
ALVES, JED. A transição religiosa no Brasil: 1872-2050. Ecodebate, RJ, 25/07/2016
STOLL, David. Is Latin America turning protestant? The politics of Evangelical Growth. University of California Press, 1990
FRESTON, Paul. Presente e futuro da igreja evangélica no Brasil (parte 2). Ultimato Online, Edição 316, Janeiro-Fevereiro 2009
OLIVEIRA, Vanessa. Número de católicos cai quase pela metade no Grande ABC, Diário do Grande ABC, 7 de dezembro de 2016
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Uma projeção linear da transição religiosa no Brasil: 1991-2040 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU