04 Novembro 2016
No dia 2 de novembro, escrevi sobre o bem que a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos – USCCB, na sigla em inglês, é capaz de realizar, e sustentei que aqueles que estão tentados a desistir deveriam pensar duas vezes. Hoje, quero olhar para o motivo pelo qual alguns católicos tendem nesse sentido, a saber: quero analisar o fato de que a Conferência está há tempos perseguindo uma agenda envolta por guerras culturais que vem servindo muito negativamente à Igreja.
A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada por National Catholic Reporter, 03-11-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A assembleia plenária por vir em Baltimore irá marcar o fim do mandato de Dom Joseph Kurtz como presidente da USCCB. O período deste seu mandato foi um tanto infeliz. Desde o seu primeiro discurso presidencial três anos atrás – em que não mencionou a necessidade de uma reforma imigratória ampla, coisa que na ocasião estava sendo debatida no Congresso, enquanto ao mesmo tempo conseguiu mencionar a “teologia do corpo” – até a sua infeliz declaração e o vídeo de três semanas atrás sobre os emails do Wikileaks, Kurtz aliou-se aos guerreiros culturais com tudo o que isso implica.
A Conferência dos Bispos continuou tendo como prioridade uma cruzada travada em nome da liberdade religiosa, o que tem prejudicado a imagem da Igreja de uma maneira que nem os seus inimigos conseguiriam fazer. A luta contra a legislação que rege o emprego de métodos contraceptivos no país baseou-se em uma compreensão teológica insanamente estreita naquilo que constituiu uma cooperação com o mal. Depois de o governo apresentar um compromisso viável, se não ideal, a Conferência negou-se a cooperar, preferindo declarar vitória e ir para casa. Desde então, associou-se a luta pela liberdade religiosa a esforços para discriminar americanos LGBTs, prejudicando a causa mais ainda ao ligá-la à intolerância e afastando milhões de jovens católicos no processo.
Sob a liderança de seu vice-presidente, o Cardeal Daniel DiNardo, a Conferência produziu às pressas uma versão desajeitada do documento “Faithful Citizenship”, guia quadrienal dos bispos para a formação das consciências antes das eleições. Infelizmente, os moderados na Conferência descobriram que podiam viver com os fragmentos que lembravam um equilíbrio no texto, enquanto que os guerreiros culturais vêm apresentando, nas últimas semanas, interpretações altamente tendenciosas e seletivas desse mesmo documento, não fazendo outra coisa senão endossando a candidatura de Donald Trump. A carta de Dom William Murphy lida nas missas da Diocese de Rockville Center, no estado de Nova York neste último fim de semana, é chocante. Um vídeo de Dom Thomas Paprocki é horroroso. Os moderados, de modo sensato, têm se mantido fora da briga partidária ao mesmo tempo em que recordam os católicos dos valores e das virtudes que podem e devem formar suas consciências.
Depois, houve a recente fala de Dom Charles Chaput na Universidade de Notre Dame. Este discurso poderia ser interpretado como uma réplica mais ou menos indireta àquilo que o Papa Francisco disse aos bispos do país em 2015, quando lhes dirigiu a palavra na Catedral de São Mateus, em Washington, DC. O Santo Padre aconselhou contra o emprego de uma linguagem dura, ao que o arcebispo apresentou uma invectiva. O papa mencionou uma série de questões importantes, não apenas uma, mas o arcebispo falou como se o único problema que realmente importa fosse o aborto, e como se um voto contra os democratas vá transformar significativamente a cultura política e jurídica sobre o direito de viver, o que, na melhor das hipóteses, é uma proposição discutível. O Santo Padre pediu uma Igreja engajada, especialmente junto aos pobres, sem m edo de sujar as mãos, e o arcebispo disse que não deveríamos temer uma Igreja menor e mais santa.
Lembremos exatamente o que o Papa Francisco disse aos bispos na citada catedral. Ele advertiu contra o tipo de perspectiva mundana que os guerreiros culturais adotam: “Ai de nós, porém, se fizermos da cruz um vexilo de lutas mundanas”, disse na ocasião para, em seguida, advertir contra “as tentações de fechar-se, no recinto dos medos, a lenir as feridas, recordando um tempo que não volta e planificando respostas duras às resistências já ásperas”. O papa afirmou que adotar um modelo mundano faz surgir uma paisagem diferente, onde os bispos ignorariam “que a condição da vitória duradoura é deixar-se trespassar e esvaziar-se de si mesmo (Flp 2, 1-11)”.
Francisco apresentou uma abordagem diferenciada da liderança eclesial na comparação com aquela adotada pelos guerreiros culturais: pediu por uma cultura do encontro baseada no diálogo. “O diálogo é o nosso método, não por astuciosa estratégia, mas por fidelidade Àquele que nunca Se cansa de passar e repassar pelas praças dos homens até às cinco horas da tarde a fim de lhes propor o seu convite de amor (Mt 20, 1-16)”. O Santo Padre indicou que o diálogo é essencial à evangelização, pois, se não o seguimos, “não é possível entender as razões do outro, nem compreender profundamente que o irmão que devemos encontrar e resgatar, com a força e a proximidade do amor, conta mais do que as posições que, apesar de certezas autênticas, julgamos distantes das nossas. A linguagem dura e belicosa da divisão não fica bem nos lábios do pastor, não tem direito de cidadania no seu coração e, embora de momento pareça garantir uma aparente hegemonia, só o fascínio duradouro da bondade e do amor é que permanece verdadeiramente convincente”. Se existe uma repreensão mais concisa e firme à abordagem dos guerreiros culturais, eu desconheço.
Tomara que os bispos leiam novamente este discurso do papa antes de fazerem o check-in no hotel em Baltimore. Francisco é inteligente e está bem-informado sobre o estado da Igreja nos Estados Unidos. A franqueza com que falou aos bispos no ano passado é uma medida de sua preocupação com a maneira como os bispos do país vêm conduzindo a si próprios bem como uma medida de sua confiança na capacidade deles de traçarem um melhor curso daqui para frente. Caso escolham ignorar os ensinamentos dados pelo papa, este já mostrou que está disposto a repeti-los.
Então, o que vai acontecer? Mais três anos de guerras culturais? Os bispos estarão elegendo os seus líderes. Suspeito que não haverá votos suficientes para impedir que o atual vice-presidente, o Cardeal DiNardo, ascenda ao cargo máximo, porém os bispos irão se arrepender ao assim proceder. A antipatia de DiNardo para com Dom Robert McElroy em uma sessão pública no ano passado decepcionou muitos bispos. Perguntei a alguns deles se afronta repentina foi uma exceção: “Todos podemos ter um dia ruim” foi o que ouvi. Disseram também que a explosão do prelado não foi surpresa. Mesmo assim, a experiência diz que o vice-presidente assumirá a presidência. Somente uma única vez nos últimos anos este precedente foi quebrado, quando Dom Jerry Kicanas acabou não eleito presidente se is anos atrás. Eis uma outra característica dos guerreiros culturais: eles consideram certo romper com os precedentes quando fazer isto lhes favorece, porém invocam estes mesmos precedentes quando eles funcionam a seu favor, sabendo que os moderados são menos inclinados a entrar em combate ferozes por posições e cargos.
Assim que elegerem um novo presidente a partir de um conjunto de dez candidatos, em seguida os bispos escolherão um novo vice-presidente com base nos nove restantes. Há vários guerreiros culturais a escolher aqui, sendo os arcebispos Chaput, William Lori e Allen Vigneron os mais destacados. Tenho minhas dúvidas sobre se Chaput tem mesmo condições de participar da eleição dado a idade que tem: ele completará 75 anos antes de o mandato terminar e, no ano passado, Dom William Murphy não quis ser indicado para o posto porque o período estender-se-ia além da idade de aposentadoria. Dom Gregory Aymond está bem no centro ideológico: em alguns momentos ele lembra um guerreiro cultural, mas, em essência, é um homem de igreja. Dom Thomas Wenski compartilha do compromisso radical do papa para com os pobres e imigrantes, mas ambém pode assumir-se um guerreiro cultural em algumas ocasiões. Dom Jose Gomez é um pastor amável, porém tem se envolvido em projetos conservadores que ajudam a manter vivas as guerras culturais como, por exemplo, uma nova plataforma midiática com os sítios Crux e Catholic News Agency. Veja a lista de escritores que compõem essas iniciativas e pergunte-se se haverá realmente um equilíbrio ou algo inclinado às ideias de Francisco.
Algumas das candidaturas para a presidência de comissões não apresentam uma divisão ideológica. A Comissão para a Tutela das Crianças conta com dois candidatos destacados em Dom Joseph Tyson e Dom Timothy Doherty. As indicações para a Comissão Internacional “Justiça e Paz” são Dom Timothy Broglio e Dom Robert McElroy: ambos líderes altamente capazes, embora eu tenha ficado surpreso que Broglio tenha sido nomeado para participar dessa comissão em especial. Esse prelado lidera a arquidiocese dos militares americanos e alguns países com os quais esta comissão vai lidar possuem sentimentos ambivalentes concernentes às forças armadas.
A disputa mais interessante acontecerá entre Dom Robert Barron e Dom Frank Caggiano diante da Comissão para Evangelização e Catequese. Não sei muito sobre Caggiano, mas Barron produziu um vídeo estranho chamado “Heroic Priesthood”, literalmente “sacerdócio heroico”, que exibe um monte de filmes originais com seminaristas jogando basquete, praticando corrida, natação, fazendo exercícios na sala de musculação, boxe e várias vezes apresentando um padre a celebrar a missa praticamente sozinho.
Mas somente em duas ocasiões, durante seis segundos a começar no minuto 3:26, e por quatro segundos em 9:04, veem-se os seminaristas fazendo o que consideraríamos um ministério, na primeira vez aparentemente movendo coisas em uma dispensa de alimentos e, na segunda, conversando com um sem teto. Suspeito que o Papa Francisco faria um vídeo vocacional bem diferente.
Haverá debates na assembleia, ainda que a pauta pareça escassa. Infelizmente, nos últimos anos os debates mais interessantes e importantes aconteceram a portas fechadas em sessões executivas, onde os bispos puderam dizer o que quisessem.
A dúvida, portanto, é se a Conferência vai traçar um novo curso, um trajeto mais coerente com a visão articulada pelo Papa Francisco, ou se vai permanecer na trilha das guerras culturais. Será que os líderes católicos celebrarão e continuarão a boa obra que a Conferência faz e procura fazer ainda mais, ou será que continuarão a deixar suas ações e opiniões serem formadas pela direita alternativa católica? Suspeito que o resultado em Baltimore vá contar com uma grande mistura, porém que os guerreiros culturais tentarão e conseguirão manter os espaços institucionais que sustentam hoje dentro da Igreja. Não devemos ser otimistas para com as ideias de Francisco. A eleição de guerreiros culturais para a chefia da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos é uma rejeição direta da orientação dada pelo pontífice e todos sabemos disso.
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EUA. Prevendo a assembleia geral dos bispos: Veremos uma nova direção? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU