27 Outubro 2016
Uma armena, um refugiado que “fede” e um taxista romano, em um princípio desconfiado, que, ao ouvir a história do estrangeiro, lhe “perfuma” a alma e a transforma. O Papa Francisco dedicou a Audiência Geral na Praça São Pedro da manhã desta quarta-feira, 26 de outubro, ao tema da migração. Começou retomando as palavras de Jesus sobre os estrangeiros (“Eu era estrangeiro e me acolheram, estava nu e me vestiram”): o “fechamento” (os muros, as barreiras, o egoísmo instintivo) “acaba favorecendo tráficos criminosos”, disse.
A reportagem é de Iacopo Scaramuzzi e publicada por Vatican Insider, 26-10-2016. A tradução é de André Langer.
“Todos somos chamados a acolher os irmãos e irmãs que fogem da guerra, da fome, da violência e de condições de vida desumanas”. Em seguida, para ilustrar estas palavras (justamente nos dias em que se volta a acender na Itália e na Europa a polêmica sobre a questão da imigração), contou uma “historinha”, quase uma apologia, que não condena a desconfiança em relação aos estrangeiros, mas demonstra como se pode mudar o coração. “Há alguns dias aconteceu uma pequena história”, contou o Papa.
“Havia um refugiado que procurava uma rua e uma senhora se aproximou: ‘Você está a procura de alguma coisa?’ Aquele refugiado estava descalço. Ele disse: ‘Eu gostaria de ir à Praça de São Pedro e passar pela porta santa’. E a senhora pensou: ‘Está descalço, como vai fazer isso?’ E chamou um táxi. Mas aquele migrante, aquele refugiado fedia. E o motorista do táxi quase não queria que entrasse no carro... mas, finalmente, consentiu. A senhora e o refugiado ao seu lado. E a senhora pediu-lhe que contasse a sua história de refugiado e migrante durante o percurso da viagem... 10 minutos, até que chegaram aqui”, na Praça São Pedro.
“Este homem contou sua história de dor, de guerra, de fome e por que havia fugido da sua pátria para migrar para cá. Quando chegaram, a senhora abriu a bolsa para pagar o taxista, que no princípio não queria que o homem entrasse no carro, porque fedia, e disse à senhora: ‘Não senhora, sou eu que lhe devo pagar, porque me fez escutar uma história que me transformou o coração’. Esta senhora – prosseguiu o Papa – sabia o que era a dor de um migrante, porque tinha sangue armeno e conhecia o sofrimento do seu povo. Quando nós fazemos uma coisa deste tipo, a princípio nos recusamos, porque nos incomoda, ‘fede’... mas ao final – concluiu Francisco – a história ‘perfuma’ a alma e nos transforma. Pensem nesta história e pensem no que podem fazer pelos refugiados”.
O Papa prosseguiu, durante a audiência, com o ciclo de catequese sobre as obras de misericórdia corporal, no âmbito do Jubileu que termina no próximo dia 20 de novembro. Refletiu particularmente sobre o que Jesus disse no Evangelho de Mateus, que narra a fuga da Sagrada Família para o Egito. O Pontífice recordou duas das obras de misericórdia corporais: dar pousada ao peregrino e vestir o nu. “Trata-se de um fenômeno que pertence à história da humanidade e é falta de memória histórica achar que as migrações são características apenas das nossas épocas”, reiterou.
“A história da humanidade é uma história de migrações – disse falando em espanhol. Não há povo que não tenha conhecido este fenômeno. Nem mesmo a história da salvação é alheia a esta situação. Abraão, Moisés, inclusive Jesus, deixaram sua terra e se colocaram a caminho”.
O Papa apelou mais uma vez à memória histórica da nossa salvação, para recordar que não há povo, em parte alguma, que não tenha conhecido o fenômeno migratório. “Estas situações foram vistas, às vezes, ligadas a graves crises sociais, que ao longo dos séculos foram enfrentadas com duas atitudes: fechar-se a quem vem ou acolhê-lo. Pode ser que levantar muros faça mais barulho que a ação discreta de quem ajuda e assiste os emigrantes e refugiados, mas fechar-se não é a solução; só ajuda os tráficos criminosos. A única resposta é a solidariedade”.
“Solidariedade”, palavra recorrente no Pontificado do Papa Bergoglio, uma resposta unânime e concreta que necessita da ação imediata de todos: o compromisso dos cristãos é urgente, disse. “Todos temos o dever de acolher o irmão que foge da guerra, da fome ou da violência e somos chamados a sair ao encontro de quem sofre para lhe dar o abraço e a misericórdia de Deus”.
Neste momento da sua catequese em italiano, o Bispo de Roma destacou a figura de Santa Francisca Javiera Cabrini, que dedicou sua vida àqueles que migravam para os Estados Unidos, a ponto de que também hoje – quase um apelo –necessitamos de testemunhos como o desta santa, para que a misericórdia possa alcançar os muitos que dela necessitam. “É um compromisso que envolve a todos, ninguém está excluído”. E vestir quem está nu. O que significa isso senão “restituir a dignidade a quem a perdeu?”, perguntou o Pontífice.
E falou das muitas formas de nudez, com seu pensamento posto nas mulheres vítimas do tráfico, nas crianças e adolescentes explorados, na discriminação por raça ou por causa da fé. “São todas formas de nudez à qual os cristãos são chamados a estar atentos, vigilantes e prontos para a ação”, insistiu.
Na conclusão da catequese, convidou para pedir ao Senhor a graça de nos abrirmos ao irmão, acolhê-lo, para poder restituir-lhe a dignidade que, em muitos casos, perdeu devido aos abusos, ao egoísmo e à criminalidade. “Assim, a nossa vida será fecunda e nossas sociedades recuperarão a paz”, disse, e deu a bênção.
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Aquele refugiado que fede e transforma o coração de um taxista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU