09 Setembro 2016
Os Guarani, apesar das agressões constantes, se mantêm firmes na esperança de que os órgãos de assistência lhes assegurem o direito fundamental de acesso à terra, já devidamente reconhecida. O comentário é de Roberto Liebgott, coordenador do Cimi Regional Sul em artigo publicado por Conselho Indigenista Missionário - Cimi, 08-09-2016.
Eis o artigo.
A comunidade Guarani Mbya de Irapuá vive em um acampamento às margens da BR-290, na altura do quilômetro 299, no município de Caçapava do Sul. Teve a terra tradicional delimitada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) no início de 2011, e declarada pelo Ministério da Justiça em maio de 2016. Portanto, a terra foi caracterizada como sendo de ocupação tradicional do povo Guarani Mbya.
Apesar disso, nenhuma providência foi tomada pelo governo no sentido de promover o assentamento das famílias dentro de sua terra, mantendo-as na beira da estrada sob condições absolutamente desumanas. A pergunta que fica: por que manter famílias em condições de profunda vulnerabilidade sendo que sua terra foi reconhecida como sendo de ocupação tradicional?
Os Guarani Mbya sempre habitaram aquela região. Seu Silvino Werá, cacique da comunidade, convive com a realidade de beira de estrada há décadas. Criou seus filhos e agora os netos sob a violência da estrada e dos fazendeiros que os discriminam e os amedrontam. Não raras as vezes em que os fazendeiros os ameaçaram, impondo que saíssem daquele local. Seguiram firmes, apesar de todo sofrimento.
A violência é cotidiana e brutal. Os indígenas já tiveram seus barracos queimados, já tiveram seu acampamento destruído por tratores, árvores frutíferas plantadas na beira da estrada foram arrancadas, um poço artesiano perfurado para que tivessem água potável foi destruído, os postes que conduziam energia ao local foram derrubados e uma pequena edificação que servia como escola para as crianças foi demolida. A comunidade chegou a ser removida por funcionários do estado do Rio Grande do Sul para uma área distante 60 km de Irapuá. Mas os Guarani retornaram para o local que fica muito próximo de seu tekoha - o seu lugar de viver, a sua terra tradicional.
Nesta semana, em visita à comunidade, presenciamos crianças passando fome e frio, como pode ser constatado em vídeo realizado durante a visita.
https://www.facebook.com/conselhoindigenistamissionario/videos/1055108684597463/
Os Guarani, apesar das agressões constantes, se mantêm firmes na esperança de que os órgãos de assistência lhes assegurem o direito fundamental de acesso à terra, já devidamente reconhecida. Até agora, as respostas dos órgãos - Funai e Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) - têm sido a omissão e o abandono.
Apesar de oficiados pelo Ministério Público Federal (MPF) de Cachoeira do Sul a prestar assistência, nada vem sendo feito no sentido de assegurar às famílias um pouco de dignidade. Estão abandonadas pelo Poder Público. Não foram poucas as reivindicações e apelos para que se garantisse o mínimo para viverem: abrigo, alimentos, água potável, já que tudo o que tinham acabou sendo destruído por fazendeiros. Nada se fez e ao que tudo indica nada farão. Parece uma espécie de conluio entre fazendeiros que não aceitam a presença indígena naquela região, e os que deveriam assegurar à comunidade o mínimo de proteção. Praticam, na verdade, violências que se tornam as mais cruéis de todas: o abandono, a fome e o desabrigo.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) - Regional Sul, comprometido com a causa indígena pela demarcação das terras e pelo direito a uma vida com dignidade, denuncia os órgãos de assistência pela prática de crimes contra a comunidade Guarani Mbya de Irapuá, submetida - pela negligência e omissão - à fome e miséria, sendo que constitucionalmente deve ser protegida e assistida pelos agentes do Estado, mas neste momento está relegada a situação de exclusão absoluta.
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As violências da fome e do desabrigo: talvez as piores crueldades de uma política indigenista insana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU