24 Junho 2016
Antecipamos, aqui, um trecho da antologia de textos de Bento XVI sobre o sacerdócio. Trata-se do trecho inicial da sua homilia mais antiga, proferida em 1954 em Berchtesgaden e dedicada a Franz Niegel no dia da sua primeira missa.
Intitulado Insegnare e imparare l’amore di Dio [Ensinar e aprender o amor de Deus] (Siena: Cantagalli, 2016, 304 páginas), o livro reúne 43 homilias do papa emérito. Fecha a coleção, introduzida pelo cardeal Gerhard Müller, a carta de Bento XVI para a convocação do Ano Sacerdotal (16 de junho de 2009). O livro é publicado às vésperas do 65º aniversário da ordenação sacerdotal de Joseph Ratzinger, que foi realizada no dia 29 de junho de 1951, na catedral de Freising, Alemanha.
A antologia é a primeira de uma coletânea de "textos escolhidos", que será lançada em seis línguas, sobre ciência e fé, Europa, minorias criativas, política e fé, universidades, Eucaristia. O aniversário será comemorado com uma cerimônia que será realizada no Vaticano, no dia 28 de junho.
O texto foi publicado no jornal L'Osservatore Romano, 23-06-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O pescador do lago
Joseph Ratzinger
No Evangelho de hoje, que o diácono acaba de proclamar para nós, está contido algo do fascínio da Terra Santa. É quase como se, por um instante, ouvíssemos o fragor suave das ondas do lago no qual o Senhor tinha navegado tão frequentemente com os Seus discípulos, como se percebêssemos o luminoso esplendor do céu do sul que se arqueia límpido e a saudação dos campos ao redor de todo o lago, cujas flores o Senhor magnificou nas Suas parábolas.
No Seu anúncio do Reino eterno, o Senhor colocou dentro algo do fragor das ondas e do perfume das flores da Sua terra, e nós ficamos contentes com isso, porque reconhecemos com alegria a afinidade com a beleza da nossa pátria.
Mas tudo aquilo que ali é dito é apenas o marco externo em que se enquadra a coisa maior e mais importante: a manhã da existência de um homem em que ele recebe o chamado e o encargo da sua vida. Simão, que, como pescador, havia anos que sulcava o lago, mais uma vez, zarpa para pescar. Mas, quando arrasta as redes para a margem, tão pesadas e repletas – desta vez, a pesca não era mérito dele –, inicia algo novo: "De agora em diante, serás pescador de homens", diz-lhe o Senhor.
A rede e o barco, agora, permanecem onde estão, outros vão cuidar deles. Tu, agora, deves lançar as redes de Deus no mar do mundo. Agora, tu deves trazer em segurança, à margem da eternidade, os homens que, relutantes, naquele mar do mundo, se fecham na ilusão da sua suposta felicidade. E deves fazer isso, passando pela noite desoladora de tantos insucessos; deves fazer isso sem perder o ânimo e sem resmungar, mesmo nas horas amargas nas quais tudo te parece em vão e o trabalho da tua vida, desperdiçado.
Isso aconteceu naquela época, quase 2.000 anos atrás, em uma manhã da existência de um homem. Mas não só naquela época. Acontece agora também, aqui, hoje.
De fato, o que acontece na ordenação sacerdotal e na primeira missa, senão isto: que Cristo se apresenta de novo a alguns jovens, tirando das suas mãos barcos e redes, às quais eles tinham amarrado este ou aquele sonho de juventude, e lhes diz: agora, vocês devem se tornar pescadores de homens. Devem zarpar no mar do mundo para lançar a rede de Deus com coragem e com magnanimidade, em uma época que parece ter todo o interesse de fugir de Deus, o santo predador.
Por isso, é como um eco do Lago de Genesaré, quando, no início da ordenação sacerdotal, o bispo enuncia aos jovens diáconos as futuras tarefas que estão à sua frente; de modo objetivo, franco, simples e sintético, assim como antigamente a língua dos romanos, dominadores do mundo, ele formulou essas tarefas.
O sacerdote deve oferecer o sacrifício, abençoar, presidir, pregar e batizar. Palavras breves, mas repletas de conteúdo, sobre as quais os candidatos ao sacerdócio refletiram muito nos dias dos exercícios antes da ordenação, porque, nessas palavras, certamente, está encerrado, agora, todo o sentido da sua vida futura.
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O pescador do lago. A homilia de Joseph Ratzinger na sua primeira missa, em 1954 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU