02 Junho 2016
Padre Julio Lancelotti afirma-se como voz isolada contra barbárie da GCM; defesa de outras iniciativas da prefeitura não pode significar silêncio diante dessa violência.
O comentário é de Alceu Luís Castilho, publicado por Outras Palavras, 31-05-2016.
Eis o texto.
O padre Julio Lancelotti tem larga trajetória na defesa da população de rua. Nesta terça-feira, após mais uma madrugada fria em São Paulo, ele publicou mais um protesto, em sua página no Facebook, contra a política executada pela Guarda Civil Metropolitana:
– Nestes dias mais frios e com chuva causa indignação ver a GCM tirando os cobertores da população de rua e destruindo as barraquinhas que são sua única proteção para a chuva e o frio. Junto levam cobertas, colchões, comida, água, remédios e documentos. Até quando a prefeitura agirá desta forma desumana, cruel e torturante?
Vale repetir a pergunta, direcionando-a ao prefeito: até quando, Fernando Haddad? E estendemos a pergunta ao secretário municipal de Direitos Humanos, Felipe de Paula (que sucedeu Eduardo Suplicy): até quando se permitirá essa tortura?
Padre Julio coordena a Pastoral da População de Rua. Não é a primeira vez que ele relata esse tipo de violência contra moradores de rua. Em entrevista à Ponte Jornalismo, no ano passado, ele contou que as ações ocorrem desde as gestões Serra/Kassab e que foram intensificadas na gestão Haddad: “Há ações para espantar, ameaçar, retirar, perseguir e bater nos moradores de rua”.
Não se trata de algo isolado. A repressão é no atacado: “Em muitos pontos da cidade. Parque Dom Pedro, Sé, Glicério, largo Santa Cecília, Vila Leopoldina, Mooca, Largo São Francisco, região de Santana, no viaduto Alcântara Machado. A situação é de muita violência. No Anhangabaú não se vê mais crianças”.
E, mesmo assim, se faz silêncio. Mesmo assim aqueles que se dizem de esquerda – ou os defensores do governo de Fernando Haddad – se fazem de distraídos em relação a essa barbárie. Por quê? Tudo bem espancar moradores de rua, desde que tenhamos ciclovias e corredores de ônibus?
Higienização
Em 2013, Haddad determinou a retirada das barracas de camping, distribuídas por “uma entidade”, segundo o prefeito, aos moradores de rua. Motivo: são proibidas pela Lei Municipal de Uso e Ocupação do Solo. (Aguarda-se ação similar contra os grileiros urbanos.) A prefeitura disse que isso seria feito de modo “humanizado e aberto ao diálogo”: “Gestão Haddad orienta retirada de barracas de moradores de rua”.
Não é que o padre relata: “Imagine só, você cozinha um pouco de feijão, vem o GCM e chuta a comida?” Ele fala de uma higienização sistemática, como se os moradores de rua não fossem seres humanos. Conta que eles são ameaçados. Que se alega, como motivo para repressão, o tráfico. “Mas e o tráfico dos condomínios, escolas, universidades, esse ninguém vê”.
Não custa lembrar que direitos humanos elementares precisam estar acima dos interesses partidários. Reconhecer que a prefeitura tem, em várias outras áreas, políticas mais inclusivas, não significa fechar os olhos para a truculência da GCM. Significa que precisamos ser coerentes.
Ou concordamos com a retirada pura e simples de cobertores e barracas, e com a destruição de comida, água e remédios da população de rua (mulheres, crianças e idosos)? Só se gritará contra isso quando a violência for cometida pela polícia de Geraldo Alckmin?
Ou quando algum guarda mais descontrolado matar diretamente um morador de rua? (Em vez de deixá-lo morrer de frio?)
Basta de conivência.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Haddad vai continuar tirando os cobertores da população de rua? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU