25 Abril 2016
O Concílio Vaticano II (1962-1965) é um marco importante na experiência eclesial católica. Nele iniciou-se um processo de atualização, não do seu conteúdo propriamente, mas na forma como o vive e comunica.
A Igreja não inicia no Vaticano II, mas nele e a partir dele assume uma postura de abertura. Não se percebe como a “sociedade perfeita”, mas como parceira na caminhada plural escutando e discernindo os “sinais dos tempos”.
Na disposição em ouvir os “sinais dos tempos” ousa uma vivência da fé no provisório, nutrindo-se da incapacidade de dizer tudo, mas buscando criativamente compor uma palavra relevante para as pessoas de cada tempo. Tal disposição nem sempre encontrou correspondência na recepção do Concílio.
John W. O’Malley, no Cadernos Teologia Pública, edição 94, apresenta desde uma hermenêutica da reconciliação (João XXIII) – como experiência possível e esperada – a vitalidade do Concílio Vaticano II como busca de uma atualização das estruturas eclesiais, numa nova relação consigo mesma e com outros interlocutores, sem atropelos e sem embaraços.
Através do Concílio, a Igreja obteve a oportunidade de repensar suas atitudes, dispondo-se a um processo de reconciliação com a “modernidade”, entendida como “o longo século XIX”, ou ainda, a partir de sua “abertura ao mundo” reconciliando os desentendimentos históricos que afastaram ambos interlocutores de um autêntico entendimento.
John O’Malley acena cinco elementos que precisam ser levados em consideração, no processo realizado pela Igreja para a resolução dos conflitos com a “modernidade”: multiculturalismo, pluralismo religioso, mudanças radicais na política e na sociedade, consciência histórica, a questão dos “homens e mulheres de hoje”.
A pastoralidade é um “fio condutor” visível e salutar do Concílio. Não fixado nos tradicionais “anátemas”, mas ampliado na compreensão e na consciência da Igreja como “mãe amorosa de todos” (João XXIII). Sem precedentes na história, a Igreja conseguiu repensar suas palavras e atitudes devido ao estilo adotado: retórica epidíctica ou demonstrativa.
O estilo adotado acentua o elogio, que encontrando consonância na pastoralidade, faz o exercício de perceber a “modernidade” não mais como abominável, mas reconhece-a na sua positividade. Nele encontram-se três elementos articuladores: forma, vocabulário e intertextualidade.
A mudança não acorreu apenas na forma, mas na própria linguagem conciliar. Quando a palavra torna-se escrita, nascem os documentos – Constituições Dogmáticas, Declarações e Decretos – que não podem ser lidos isoladamente, mas na sua unidade de corpus textual.
Nesse caso, a abertura da Igreja não transparece somente em um documento específico, mas na íntima relação entre os documentos. É uma abertura que transpassa todo o corpus unitário, com sua própria coerência. O espírito de abertura e de reconciliação encontra no serviço exercido pelo papa Francisco um chão fecundo.
John O’Malley acentua que Francisco não é um papa conciliar, ou seja, que este não interviu diretamente no Concílio seja como bispo, ou ainda, como perito. Mas, através de palavras e de ações – permeadas do “espírito do Concílio” – demostra uma autêntica recepção e interiorização do Concílio.
A hermenêutica da reconciliação – desejada por João XXIII – encontra no ministério de Francisco, como bispo de Roma, um lugar primordial e torna-se expressão eloquente de uma vivência humana e libertadora – denunciando as estruturas que não auxiliam o progresso humano no mundo de hoje: a globalização da indiferença, o sofrimento dos pobres, etc.
A hermenêutica da reconciliação – desde João XXIII até Francisco – é um elemento teológico fundamental não somente para reconciliar um passado de amarguras, mas para (re)pensar um presente e um futuro mais humano e solidário, que transparece verdadeiramente a “face materna e amorosa” da Igreja.
John W. O’Malley é um jesuíta norte-americano, doutor em História pela Harvard University, professor de teologia da Georgetown University e membro da Fundação Guggenheim e da Sociedade Filosófica Norte-Americana. Ele participou do II Colóquio Internacional IHU – O Concílio Vaticano II: 50 anos depois. A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade.
Eis algumas obras:
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Por Jéferson Ferreira Rodrigues
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Revisitar o Concílio Vaticano II na perspectiva de John W. O’Malley - Instituto Humanitas Unisinos - IHU