20 Abril 2016
A presidenta Dilma Rousseff (PT) intensificou nesta terça-feira sua cruzada para tentar obter apoio internacional contra o impeachment. Na segunda entrevista coletiva em dois dias, Rousseff afirmou ser vítima de misoginia, que o processo de destituição dela não tem base legal, pois está cercado de "meias verdades", e criticou o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que em seu voto pelo impeachment homenageou o coronel Carlos Brilhante Ustra, reconhecido pela Justiça como torturador e ex-chefe do centro onde a mandatária esteve presa nos anos 70.
A reportagem é de Afonso Benites, publicada por El País, 19-04-2016.
“De fato, fui presa nos anos 70, de fato, eu conheci bem esse senhor ao qual ele [Bolsonaro] se refere. Foi um dos maiores torturadores do Brasil. Sobre ele recai não só acusação de tortura, mas também acusação de morte. É só ler os papéis da Comissão da Verdade e mesmo outros relatos”, disse Dilma. É terrível você ver no julgamento alguém votando em homenagem ao maior torturador que esse país conheceu. É lamentável.”
Em 2008, Ustra, morto em 2015 e ex-chefe do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna) em São Paulo, tornou-se o primeiro militar a ser reconhecido, pela Justiça, como torturador durante a ditadura. O ultra-direitista Bolsonaro se referiu a ele como "o pavor de Dilma", provocando enorme reação pública.
Antes, ela havia dito que o seu processo de impeachment aflorou sentimentos até então pouco comum entre a população brasileira, como o de ódio. “Lastimo que esse momento no Brasil tenha dado abertura para a intolerância, para o ódio, para esse tipo de fala. Acho gravíssima a aventura golpista porque ela levou a uma situação que nós não vivíamos no Brasil, que é uma situação de raiva, de ódio, de perseguição”. Questionada sobre se era alvo de misoginia por um jornalista, a presidenta disse que parte do processo enfrentado por ela é por ser mulher. “Têm atitudes comigo que não teriam com um presidente homem”, afirmou.
Na conversa de pouco mais de uma hora no Palácio do Planalto com 44 repórteres de veículos de comunicação estrangeiros, a mandatária brasileira tentou convencer os ouvintes de que é vítima de uma ilegalidade. “Estou sendo vítima de um processo baseado em uma flagrante injustiça e fraude jurídica e política e, ao mesmo tempo, de um golpe. O Brasil tem um veio golpista adormecido.”
Ela repetiu as críticas que tinha feito no dia anterior ao seu vice-presidente, Michel Temer (PMDB), a quem chamou de conspirador, e ao presidente da Câmara, dizendo que o impeachment é baseado em uma tentativa de vingança do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já que ele não obteve o apoio do PT para evitar a cassação de seu mandato.
“Não é justo que o país passe por 15 meses, sistematicamente, tendo aqueles que não chegam ao poder pelas formas que são as previstas na democracia, tentem encurtamentos de caminho, que instabilizam politicamente o país, que inviabilizam a sua estabilidade econômica”, disse, em crítica à oposição.
Estelionato eleitoral
A presidenta negou que tenha cometido um estelionato eleitoral na campanha de 2014, quando negou que ia fazer ajustes e cortes, mas depois anunciou medidas neste sentido ainda em dezembro daquele ano. Justificou que a crise das commodities e a seca na região Sudeste interferiram na economia local e ambas eram imprevisíveis. “Entendo que as pessoas tentem atribuir certas falas ao fato de eu ter enganado. É muito difícil perceber que isso aconteceu em um espaço curto de tempo e não foi só comigo, foi com todos os países emergentes”.
Instada a fazer uma autocrítica sobre sua gestão, ela, mais uma vez, negou-se. Admitiu, porém, que fará mudanças em seu Governo caso sobreviva ao processo de impeachment no Senado. “Não acho que é questão de mea culpa nem que é tarde demais. Nunca é tarde demais para o Brasil.”
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Dilma sobre Bolsonaro: “É terrível homenagear o maior torturador do Brasil” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU