05 Abril 2016
O sociólogo e teólogo francês Jacques Ellul (1912-1994) se interroga sobre "para quem e por que trabalhamos?" A resposta: "Para dar a Deus os elementos, as pedras, as ideias para construir a Jerusalém celeste".
O artigo póstumo foi publicado no jornal Avvenire, 02-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Para quem e por que trabalhamos? Se ficarmos em um plano pragmático, responder a essa pergunta é fácil demais. Trabalhamos porque somos obrigados, forçados. Por que trabalhamos? Porque não temos alternativa.
E para quem trabalhamos? Se somos pessoas honestas, para a família e para os filhos. Mas, de novo, poderia perguntar: por que o fazemos? No fim das contas, para ganhar mais e, assim, ter a possibilidade de consumir mais.
Gostaria de ir além da habitual resposta cristã a essas perguntas e me colocar com firmeza na perspectiva do Apocalipse. Dito em outros termos, gostaria de realizar uma inversão de perspectiva. Normalmente, o fim buscado com o trabalho é claro: ganhar e consumir mais. A esse objetivo, o cristianismo acrescenta, por um lado, a valorização do trabalho como virtude e como lei ou mandamento de Deus, e, por outro, a visão do trabalho como pena e punição. Considero que, na Revelação bíblica, podemos encontrar coisas bem diferentes.
O texto bíblico faz do trabalho uma finalidade e não uma obrigação ou uma lei. Nós, cristãos, estamos voltados ao que está por vir (Reino de Deus, Jerusalém celeste), não estamos submetidos à dura constrição da Lei. Estamos voltados para uma finalidade última, que está além das realizações temporais e históricas, imediatas e sempre insatisfatórias. Nós devemos (também no trabalho) olhar para o futuro e não nos fixarmos no passado.
Em outras palavras, o trabalho não deve ser a atividade do condenado e do preso, mas a produção de coisas (valores) novas que participam do futuro. Isso não significa esquecer o passado, mas estar ciente de que ele foi ultrapassado […].
Eu encontro essas constatações na parte final do Apocalipse de João. Sobre o tema do trabalho, é útil ter em mente os versículos 18, 22-24 (condenação da Babilônia): "E o canto de harpistas e músicos, de flautistas e tocadores de trombeta, em você nunca mais se ouvirá; e nenhum artista de arte alguma em você jamais se encontrará; e o canto do moinho em você nunca mais se ouvirá; e a luz da lâmpada nunca mais em você brilhará; e a voz do esposo e da esposa em você nunca mais se ouvirá. Porque os seus mercadores eram os grandes da terra, e com magia você enfeitiçou todas as nações" […].
Recordemos sempre que a Cidade Nova é um dom de Deus. "Ela desce do céu, de junto de Deus" (Ap 21, 2). É o santuário do "Deus entre os homens". "Ele habitará com eles, e eles serão o seu povo" (Ap 21, 3). Esses são os textos para se refletir quando se quer falar do trabalho!
Comecemos levando em consideração a conotação positiva dada ao trabalho no julgamento pronunciado contra a Babilônia. Um dos elementos da condenação é que, na Babilônia, não será mais possível encontrar a felicidade e a beleza do trabalho.
É evidente que, no início, ficamos em dúvida se a condenação, além da Babilônia, não envolve também os músicos, os artesãos etc. Mas eu considero que essa é uma leitura equivocada, porque os harpistas, os flautistas e os tocadores de trombeta, os artesãos e os operários são enumerados junto com outros elementos indubitavelmente positivos: a luz, a lâmpada, a voz do noivo e da noiva.
Sobre isso, não pode haver dúvidas. O texto nos diz que a maldição contra a Babilônia também envolve em si a impossibilidade de perceber na grande cidade a felicidade, a beleza do trabalho, a criação artística, ou seja, o canto do moinho ao trabalho. Nessa citação, o trabalho não é mais apresentado como uma condenação ou como uma dura lei.
Esses versículos parecem aludir a um aspecto totalmente positivo: o trabalho é posto no mesmo nível do encanto da vida, da paz e do amor. O trabalho faz parte daquele conjunto de elementos positivos que caracterizam e constituem a vida humana. Mas por que a condenação, então? Por que o trabalho como valor positivo e a felicidade do trabalho se afastaram da Babilônia? Porque, na Babilônia, a essência do trabalho foi completamente invertida. O trabalho não é mais a expressão natural da felicidade do homem, mas se tornou um instrumento de dominação, de força, de corrupção e sedução. […]
O Apocalipse apresenta a nova Jerusalém como descendo do céu e como dom gratuito. Assim como o corpo corruptível ressuscita, mediante o juízo, como corpo espiritual e glorioso, do mesmo modo, a história, as obras, o trabalho e os pensamentos dos homens ressuscitam por meio do juízo na superabundância absoluta de uma obra perfeita, precisamente como aquela cidade a que o homem tendeu ao longo do curso da sua história, mas sem nunca chegar a realizá-la.
Esse é o cumprimento da esperança e do trabalho do homem. Mas a nova criação só pode se realizar se, primeiro, existiu a criação do homem, assim como quem ressuscita é a pessoa que realmente existiu. Se não existiu um corpo, não existiu nem mesmo a pessoa e, consequentemente, não pode haver ressurreição. Os "espíritos" não ressuscitam.
Em outras palavras, se não tivesse havido a história, não haveria sequer a eternidade e a ressurreição. Do mesmo modo, sem a obra histórica do homem, sem o trabalho do homem, sem a produção e a técnica, não haveria a Jerusalém celeste. É necessária a contribuição do trabalho humano para que a obra de Deus possa ser completa. Exatamente como para a multiplicação dos pães e peixes: foi necessário que os discípulos oferecessem o pouco que tinham. […]
Por isso, apresentamos a Deus as nossas pobres invenções, muitas vezes nefastas; a nossa técnica, expressão do nosso desejo de poder, o nosso miserável e repetitivo trabalho (acordar, trabalhar, dormir); os nossos esforços para produzir uma riqueza desonesta; o nosso cansaço e o sentimento da nossa inutilidade; os nossos insolentes sucessos e as nossas obras grandiosas; a perfeição da nossa arte (incluindo a arte da guerra e da tortura) etc...
Tudo é assumido por Deus para ser transfigurado através da morte e do juízo (assim como a vida humana foi inteiramente assumida por Jesus Cristo na encarnação para ser transfigurada).
Por que e para quem trabalhamos? Para dar a Deus os elementos, as pedras, as ideias, os materiais para construir a Jerusalém celeste, onde todas as coisas terão o lugar que lhes cabe e o seu significado. Essa é a promessa que está diante de nós e, sem a qual, nada teria sentido.
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Trabalhar para construir a cidade celeste. Artigo de Jacques Ellul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU