04 Abril 2016
"Uma coisa que tentei fazer no blog foi mostrar a face humana do Sínodo, na crença de que uma desmistificação do que estava acontecendo não iria desfazer a importância o encontro, não iria diminuí-lo. Isso não é diferente do que o papa está fazendo com o papado. A sua desmistificação do cargo não o tem diminuído; na verdade, é bem provável que ele esteja, paradoxalmente, conseguindo o contrário", escreve Mark Coleridge, arcebispo de Brisbane, Austrália, desde 2012, em artigo publicado por Crux, 31-03-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Coleridge, de 1997 a 2001, trabalhou na Secretaria de Estado do Vaticano e, mais tarde, foi bispo auxiliar da Arquidiocese de Melbourne.
Eis o artigo.
No início de 2015, fui eleito para representar os bispos australianos no segundo Sínodo dos Bispos sobre o matrimônio e a família. Antes de me dirigir a Roma, perguntaram-me se eu estaria disposto a manter um blog durante o evento.
Respondi que eu não era muito bom nesse tipo de coisa, mas que iria tentar. Eu duvidava que conseguiria mantê-lo atualizado ao longo daquelas três semanas, em parte porque sei o quão ocupados os Sínodos podem ser.
Quando cheguei a Roma, achei que escrever textos para o blog se encaixava bem com o ritmo do Sínodo. Eu poderia fazê-los ou no começo do dia antes da missa, ou depois do almoço antes de retornar aos trabalhos. Na medida em que o Sínodo ia acontecendo, percebi que escrever para o blog era uma maneira de eu focar os meus pensamentos e sentimentos no turbilhão de um processo que é intenso e complexo.
Escrevi as postagens de forma bem rápida e com pouca revisão, deixando para o pessoal da comunicação, em Brisbane, o trabalho de correção no que fosse necessário.
Eu achava que estava mantendo aquele blog apenas para manter as pessoas um pouco atualizadas sobre o que estava acontecendo, o que me pareceu ser uma boa coisa a fazer. O Sínodo pode ser “dos bispos”, mas ele não deve ser somente “para os bispos”. De alguma forma, outros têm de fazer parte da caminhada.
O que eu não esperava era que o blog se tornaria um projeto tão grande. Na verdade, ele passou a ser global. Na época, eu não vi que isso estava acontecendo e não o entendia. Eu ainda não o entendo por completo. Mas o que posso perceber é que o blog deu a muitas pessoas – até mesmo a alguns jornalistas – um sentido do que realmente foi o Sínodo visto do lado de dentro.
Visto do lado de fora, os Sínodos podem parecer tediosos e chatos, até mesmo um Sínodo altamente esperado como foi esse de 2015. Mas visto a partir do lado de dentro, os Sínodos são qualquer outra coisa menos tediosos ou chatos. Eles são um trabalho árduo, mas também são eventos muito interessantes, cheios de personagens ricos e vislumbres reveladores da Igreja como ela realmente é ao redor do mundo. Eles têm os seus momentos dramáticos e suas surpresas, especialmente com alguém como o Papa Francisco presente.
Uma coisa que tentei fazer no blog foi mostrar a face humana do Sínodo, na crença de que uma desmistificação do que estava acontecendo não iria desfazer a importância o encontro, não iria diminuí-lo. Isso não é diferente do que o papa está fazendo com o papado. A sua desmistificação do cargo não o tem diminuído; na verdade, é bem provável que ele esteja, paradoxalmente, conseguindo o contrário.
Para mim, uma desmistificação do Sínodo era o primeiro passo em mostrar aos outros que havia “algo maior do que Salomão” em jogo na assembleia, o que certamente foi a minha experiência.
Os elementos desta mistura foram:
• Reportar sem divulgar segredos, porque o respeito pela confidencialidade do Sínodo era importante.
• Refletir sobre questões-chave, uma vez que muitas das problemáticas mais importantes eram simples de colocar, mas complexas de responder.
• Humor, porque há algumas boas risadas em um Sínodo.
Quando terminou a assembleia, as pessoas me pediram para continuar escrevendo os posts para o blog, porém a vontade havia me abandonado. Em certo sentido, não tinha nada mais para escrever a respeito. Eu não sou um “blogueiro inveterado” (como uma reportagem me descreveu) e o momento havia passado.
Alguns também sugeriram que eu deveria publicar as postagens produzidas para o blog – o que, para minha surpresa, chegaram a mais de 30 mil palavras. Não parecia que chegaria a este número quando eu as estava escrevendo. Decidi não publicar porque as postagens eram manifestações um tanto pontuais e provisórias. Publicá-las daria a impressão que elas eram mais do que simples postagens para um blog. Preferi deixá-las tal como foram escritas, com todas as imperfeições que tiveram. Se as pessoas quiserem vê-las, elas estão disponíveis na rede.
O blog pode ter acabado, mas a caminhada sinodal não. Uma coisa que acabei percebendo desde o encerramento da assembleia é que o blog não foi somente um adendo para o Sínodo. Para mim e para muitos, ele foi parte integrante da caminhada do Sínodo.
Hoje, vejo que a linha divisória entre o Sínodo e o blog é turva; e há um elemento teológico aqui. No processo sinodal, a linha de demarcação entre os bispos e o resto da Igreja ficou turvada, e as mídias sociais vêm sendo uma parte importante nisso. O mesmo tipo de coisa tem ficado evidente nos conflitos que ocorrem no Oriente Médio. As mídias sociais formam uma parte essencial do fenômeno; em grande parte, elas são o que orientam os conflitos, até mesmo o que os torna possíveis.
Venho pensando sobre isso e me perguntando o que elas poderiam significar para a assembleia eclesial nacional – talvez o Concílio Plenário – que os bispos australianos estão, no momento, ponderando.
Eu também me vejo perguntando como seria o próximo concílio ecumênico, especialmente agora que existem duas vezes o número de bispos que existia quando ocorreu o Vaticano II. O mundo digital, e em particular as mídias sociais, terão de fazer parte dos trabalhos conciliares.
Um motivo por que o Vaticano II foi diferente de qualquer concílio precedente foi a presença da imprensa. Algo que vai ser diferente no próximo concílio ecumênico – independentemente de quando ou onde ele possa acontecer – será o papel integrante desempenhado pelas mídias sociais em fazer do concílio um encontro não só dos bispos, mas de toda a Igreja.
Em seu discurso programático de 17 de outubro do ano passado, o Papa Francisco deixou claro que a sinodalidade é algo que se aplica não só a alguns bispos em certos momentos, mas a Igreja toda, o tempo todo.
Isso é exatamente o que venho falando aqui e é o motivo por que penso ser importante que a distinção entre o Sínodo e a cobertura midiática, os bispos e a Igreja continua a ser redefinida, porque assim nós podemos ser a Igreja mais inclusiva que o Espírito Santo parece querer que sejamos.
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Por que as mídias sociais irão moldar o “Concílio Vaticano III” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU