12 Fevereiro 2016
Na perspectiva evolutiva, a teologia interpreta a presença do mal de modo diferente. As criaturas, pela sua estrutura temporal, podem acolher a perfeição somente em pequenos fragmentos na sucessão de eventos sucessivos. Cada criatura material está em devir e, como tal, não só é limitada, mas também incompleta.
A análise é do teólogo italiano Carlo Molari, padre e ex-professor das universidades Urbaniana e Gregoriana de Roma, em artigo publicado na revista Rocca, n. 3, 01-02-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O ano jubilar da misericórdia repropôs a reflexão sobre o pecado e sobre a redenção. Recentemente, o Papa Francisco, falando do batismo, também relembrou a doutrina tradicional do pecado original.
Acho útil retomar a reflexão para favorecer um desenvolvimento da doutrina de fé. Essa é precisamente a tarefa da teologia e corresponde à indicação precisa da constituição pastoral do Concílio Vaticano II, em que se afirma: A Igreja "aprendeu, desde os começos da sua história, a formular a mensagem de Cristo por meio dos conceitos e línguas dos diversos povos, e procurou ilustrá-la com o saber filosófico. Tudo isso com o fim de adaptar o Evangelho à capacidade de compreensão de todos e às exigências dos sábios. Essa maneira adaptada de pregar a palavra revelada deve permanecer a lei de toda a evangelização" (GSp 44 EV 1, 1.461).
Paulo VI, no discurso do dia 11 de julho de 1966 aos teólogos reunidos para um simpósio sobre o pecado original, também expressou a convicção de que "bispos e sacerdotes não podem desempenhar dignamente a sua missão de iluminação e de salvação do mundo moderno, se não forem capazes de apresentar, defender e ilustrar as verdades da fé divina com conceitos e palavras mais compreensíveis às mentes formadas pela atual cultura filosófica e científica" (Paulo VI). Sobre o pecado original, o esclarecimento que a teologia desenvolveu ainda não foi difundido.
As contradições do Catecismo da Igreja Católica
A doutrina do pecado original da forma como está exposta no Catecismo da Igreja Católica (1992) contém elementos contraditórios. Várias vezes no catecismo se levanta a interrogação sobre a presença do mal: "E se o mundo provém da sabedoria e da bondade de Deus, qual a razão do mal? De onde ele vem? Quem é responsável por ele? E será que existe uma libertação dele?" (n. 284). "Se Deus Pai todo-poderoso, Criador do mundo ordenado e bom, tem cuidado com todas as suas criaturas, por que o mal existe?" (n. 309). "Por que Deus não criou um mundo tão perfeito que nenhum mal pudesse existir nele?" (n. 310).
A resposta do Catecismo é complexa e permanece ancorada no modelo estático segundo o qual as criaturas humanas foram constituídas desde o início em um estado de perfeição, e só o evento do pecado dos anjos e, depois, dos seres humanos teria introduzido o mal no âmbito das criaturas.
A encarnação do Verbo e o nascimento de Jesus também são explicados como eventos condicionados pelo pecado original. Na primeira parte, o Catecismo resume as etapas da história da salvação e admite a dificuldade da resposta ao problema do mal: "A essa questão, tão premente como inevitável, tão dolorosa como misteriosa, não é possível dar uma resposta rápida e satisfatória. É o conjunto da fé cristã que constitui a resposta a essa questão: a bondade da criação, o drama do pecado, o amor paciente de Deus que vem ao encontro do homem pelas suas alianças, pela Encarnação redentora de seu Filho, pelo dom do Espírito, pela agregação à Igreja, pela força dos sacramentos, pelo chamamento à vida bem-aventurada, à qual as criaturas livres são de antemão convidadas a consentir, mas à qual podem, também de antemão, negar-se, por um mistério terrível. Não há nenhum pormenor da mensagem cristã que não seja, em parte, resposta ao problema do mal" (n. 309).
Posteriormente, o Catecismo recorre ao modelo evolutivo, mas de modo insuficiente. De fato, ele escreve: "No seu poder infinito, Deus podia sempre ter criado um mundo melhor (em nota, refere-se a Tomás de Aquino, Summa theologiae, I, 25, 6). No entanto, na sua sabedoria e bondade infinitas, Deus quis livremente criar um mundo 'em estado de caminho' para a perfeição última. Esse devir implica, no desígnio de Deus, juntamente com o aparecimento de certos seres, o desaparecimento de outros; o mais perfeito, com o menos perfeito; as construções da natureza, com as suas destruições. Com o bem físico também existe, pois, o mal físico, enquanto a criação não tiver atingido a perfeição (cita-se São Tomás de Aquino, Summa contra gentiles , 3, 71)" (n. 310).
Essa última reflexão do Catecismo também é citada pelo Papa Francisco na encíclica Laudato si': "De certa maneira, [Deus] quis limitar a Si mesmo, criando um mundo necessitado de desenvolvimento, onde muitas coisas que consideramos como males, perigos ou fontes de sofrimento, na realidade, fazem parte das dores de parto que nos estimulam a colaborar com o Criador" (n. 80; na nota 49, escreve: "O Catecismo ensina que Deus quis criar um mundo em caminho para a perfeição última, o que implica a presença da imperfeição e do mal físico").
Desse modo, a imperfeição da criação é atribuída a uma misteriosa livre escolha de Deus, que, embora podendo criar o mundo perfeito, teria preferido, em vez disso, criá-lo incompleto e, por isso, em devir.
No entanto, quando se defronta a reflexão sobre a criação do ser humano, o Catecismo parece esquecer essa admissão e defende que, com o ato criativo de Deus, "Adão e Eva foram constituídos em um estado de santidade e de justiça originais" (n. 375), razão pela qual, "enquanto permanecesse na intimidade divina, o homem não devia nem morrer" (n. 376).
De fato, portanto, o Catecismo atribui o sofrimento e a morte do ser humano não à sua estrutura incompleta e temporal, mas sim a uma culpa original sua e, portanto, a uma punição de Deus: "Toda essa harmonia da justiça original, prevista para o homem pelo plano de Deus, será perdida pelo pecado dos nossos primeiros pais" (n. 379).
Sublinha-se, assim, a historicidade do evento: "A narrativa da queda (Gn 3) utiliza uma linguagem feita de imagens, mas afirma um acontecimento primordial, um fato que ocorreu no princípio da história do homem (cita-se em nota o Concílio Vaticano II, Gaudium et spes, 13). A Revelação nos dá uma certeza de fé de que toda a história humana está marcada pela culpa original, livremente cometida pelos nossos primeiros pais" (n. 390; cita-se em nota o Concílio de Trento, DS1513; Pio XII, Enc. Humani generis: DS 3897; Paulo VI, alocução do dia 11 de julho de 1966).
Perspectiva evolutiva
Na perspectiva evolutiva, no entanto, a teologia interpreta a presença do mal de modo muito diferente. As criaturas, pela sua estrutura temporal, podem acolher a perfeição somente em pequenos fragmentos na sucessão de eventos sucessivos. Cada criatura material está em devir e, como tal, não só é limitada, mas também incompleta. Enquanto Deus é plenitude total, perfeição integral, a criatura humana é fragmento em processo. A ação criadora não se sobrepõe nem se substitui jamais às criaturas, mas as alimenta de dentro, de modo que, "do próprio seio das coisas, possa brotar sempre algo de novo" (Francisco, Laudato si', n. 80).
O relato do pecado original traduz a descoberta dessa condição e a sua continuidade na história. Portanto, ele ensina que cada geração humana incide na geração posterior não só transmitindo a vida, mas também a poluição acumulada com as escolhas negativas feitas ao longo do caminho.
É interessante a esse respeito a reflexão de Christian De Duve (1917-2013), prêmio Nobel de Biologia de 1974. No livro Genética do pecado original (Ed. Cortina, Milão, 2010) ele (em perspectiva ateísta) reflete sobre a incidência negativa do passado sobre o futuro da humanidade.
Ele escreve: "A seleção natural, esse motor muito poderoso da evolução, privilegiou nos genes dos nossos antepassados características que eram imediatamente favoráveis à sua sobrevivência e à sua reprodução, nas condições vigentes no seu tempo e no seu ambiente, sem qualquer consideração pelas consequências futuras. Essa é, de fato, uma propriedade intrínseca da seleção natural: ela não vê nada mais do que o imediato; o futuro está além do seu horizonte" (p. 171).
Desse modo, a "seleção natural privilegiou características que favorecem a coesão dentro dos grupos e a hostilidade entre grupos diferentes" (p. 172), enquanto "não privilegiou a previsão e a sabedoria necessárias para sacrificar as vantagens imediatas para as exigências do futuro" (p. 173). "Úteis no passado, em uma certa fase da nossa evolução, essas características se tornaram nocivas. Elas constituem um fardo natural que assumimos no nascimento" (p. 173) e que "agora podemos anular através da educação" (p. 174).
No horizonte da fé em Deus, a garantia da salvação está na possibilidade de desenvolver a vida espiritual, de acolher a energia criadora e de traduzi-la em resistência aos impulsos instintivos violentos. A humanidade, agora, parece capaz de desenvolver novos estilos de vida e formas inéditas de cooperação.
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Ainda sobre o mal e o pecado original. Artigo de Carlo Molari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU