29 Janeiro 2016
É dentro da terra indígena do Vale do Javari, a sudoeste do Amazonas, que índios das etnias Korubo e Matis têm protagonizado cenas de disputas por terras, mortes e muita tensão. A luta por território é apontada por estudiosos como a principal causa de confrontos. Há quase duas semanas, um grupo ocupa a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) para pedir segurança.
A reportagem é de Ive Rylo, publicada por G1, 26-01-2016.
O antropólogo Neon Solimões, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), afirma que há divergências culturais entre os próprios índios e que a falta de conhecimento sobre as leis dos indígenas pode ter agravado a situação na região.
São 8.544.482 hectares que se estendem aos municípios de Atalaia do Norte, Benjamin Constant, Jutaí e São Paulo de Olivença. No espaço homologado pela União em 2001, vivem povos de seis etnias, que se tem notícia. Contudo, a relação principalmente entre indivíduos Matis e Korubo não é das mais amigáveis.
As diferenças entre as duas etnias vieram a tona na terça-feira (19), quando um grupo de Matis – indígenas já contatados – invadiu o prédio da Funai, no município de Atalaia do Norte, a 1139 km de Manaus. Com arcos e flechas, eles retiraram à força funcionários e o coordenador do órgão na região, Bruno Pereira.
O grupo, que permanece acampado na Funai, pede por mais segurança nas aldeias Matis. Eles temem novos conflitos com grupos isolados de Korubos.
Em novembro 2014, dois Matis morreram durante contato com Korubos isolados, no rio Coari, na aldeia matis Todowak. Em resposta, 15 indígenas da etnia Korubo teriam sido assassinados em outro encontro, em setembro de 2015. A Funai afirma que ainda investiga o caso.
Para o antropólogo Neon Solimões, o conflito entre os dois povos pode ser explicado em duas palavras: disputa territorial. “Essa perspectiva de território para a questão indígena tem o significado diferente do nosso. Conheço a área, os Matis dizem que a terra é só deles. Em contrapartida, esta é uma área que anteriormente era dos Korubos. Eles já andavam naquela área, por isto este conflito. Quando um entra na casa do outro, o outro não aceita e vai matar. É basicamente isso”, explicou.
O antropólogo informou que o povo Matis foi contatado na década de 80 e, possui três aldeias, duas no rio Branco e uma no rio Coari. Já os Korubos – conhecidos como caceteiros – são isolados e pouco se conhece deles. “A Funai tem fotos de helicóptero ou satélite. São várias malocas, é um povo bastante populoso (os Korubos), mas muito dividido em vários pontos da terra indígena nesta área”, apontou.
Solimões explicou que ao longo da história de ocupação e exploração do Amazonas, o povo Korubo sofreu inúmeras baixas. “Os Korubos já tiveram vários massacres na época da borracha. Foram quase exterminados por conta do extrativismo. Hoje não só o índio, mas o branco invade as terras deles”, afirmou.
Além da disputa por espaço, o confronto também se dá por conta da diferença cultural. “Os Korubos já sofreram demais. Não só pelos brancos, mas pelos próprios indígenas, Matis, Marubos, Kanamaris que mataram eles. A gente não tem notícia oficial, mas quando eu andava pelas aldeias, eles (índios de outras etnias) contavam que matavam, que ‘eram tipo índio do mato e matavam mesmo’. Para ver que essa relação é assimétrica, não é igual. Tem diferença tanto de branco para índio, mas de índio para índio tem essa diferença também. A diversidade é bastante ampla”, analisou Solimões.
Diálogo
Para conter a “guerra tribal”, o estudioso apontou para a necessidade do diálogo. “É preciso ouvir o que eles querem, sentar e falar a verdade, o que está acontecendo. A gente tem as nossas leis, eles também têm as leis deles. As vezes, as nossas leis entram de encontro com as leis deles, ou vice-versa”, afirmou.
Ele apontou que a burocracia do homem branco e o desconhecimento do “modus operandi”, pode ter contribuído para o agravamento da situação no município. “Se os índios solicitam uma coisa, querem que seja realizado o mais rápido possível. E no nosso mundo de branco, as coisas têm certa burocracia, uns tramites legais que protelam algumas demandas deles. Acho que as coisas estão andando, mas não da maneira deles. E sim na nossa maneira, na nossa burocracia”, analisou.
Matis e ocupação
A ocupação do prédio da Funai em Atalaia do Norte completa seis dias nesta segunda-feira (25). São 130 ocupantes, sendo 62 índios da etnia Matís e o restante Morubo e Mayoruna.
Ao G1, o membro da Associação Indígena Matís (AIMA) e a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava), Marcelo Aíma, informou que os indígenas reclamam de omissão da Funai em relação a conflitos entre o povo Matís e grupos isolados da etnia Korubo.
“Pedimos a saída do Bruno e o cumprimento de promessas feitas aos indígenas que nunca aconteceram. O Bruno não respeitou o povo Matís e não atendia o povo. Não dialogava com nosso povo”, disse. Os indígenas chegaram a divulgar carta aberta com reivindicações e denúncia das fragilidades da política indigenista na região, de acordo com ele.
Matança em investigação
Após a morte de dois Matis em 2014, especula-se que mais Korubos tenham sido assassinados em setembro de 2015. Contudo, a Funai informou que ainda não tem informações precisas sobre essas mortes, que estão em investigação.
Á época, um grupo de indígenas Matis realizou contato com 21 indivíduos da etnia Korubo. O confronto teria ocorrido durante este encontro, quando os Korubos atravessavam o rio Branco, em área próxima às aldeias Matis, na Terra Indígena Vale do Javari (AM).
Segundo a Funai, os Matis realizaram contato ao se sentirem ameaçados com a presença dos isolados em áreas próximas à sua aldeia. Assim que foram comunicados da situação, agentes da Funai colocaram em ação um Plano de Contingência para situações de contato com grupos isolados.
Funai
Em nota, a Funai manifestou surpresa com relação à ocupação da sede em Atalaia do Norte, uma vez que vem mantendo um diálogo aberto com os Matis. E informou que não haverá mudança do titular da Coordenação Regional do Vale do Javari, diante da situação de ocupação da coordenação.
O órgão informou que após o conflito que terminou com a morte de dois Matis em 2014, atuou no sentido de apoiar o deslocamento dos Matis da aldeia Todowak, localizada no rio Coari, para outra aldeia matis no rio Branco, a aldeia Tawaya, a fim de garantir a segurança de ambos os grupos e evitar novos confrontos.
A Funai informou ainda que foi realizada uma reunião com os Matis, em fevereiro de 2015, com o objetivo de acordar condutas para evitar novas confrontações. Os Matis deixaram clara sua visão de que a Funai deveria realizar o contato com os Korubo isolados.
No entanto, a Funai disse compreender que a opção de se estabelecer o contato não pode ser definida por uma visão unilateral. “A própria reação violenta dos Korubos frente aos Matis, no episódio de 2014, sinaliza, por parte dos isolados, uma rejeição quanto a uma aproximação de outros grupos ao seu território”, diz.
A Fundação diz ainda que a política para os povos indígenas isolados respeita a vontade de isolamento dos povos nessa situação, uma vez que a Constituição de 1988 reconhece a organização social, os costumes, as línguas, as tradições, ou seja as diferenças culturais dos povos indígenas, assegurando-lhes o direito de manter sua cultura, identidade e modo de ser. Dessa forma, a Funai afirma entender que é dever do Estado brasileiro garantir a sua proteção e o respeito ao seu isolamento voluntário.
“A Funai acredita no diálogo como meio de encontrar soluções pacíficas para a questão. Nesse sentido, em dezembro de 2015, o presidente João Pedro, o diretor de Proteção Territorial da Funai, Walter Coutinho Júnior, e o Coordenador Geral de Índios Isolados e Recém Contados, Carlos Travassos, estiveram reunidos com um grupo de lideranças Matis, em Brasília, que participaram da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista. Na ocasião, todos os presentes reconheceram a importância de dialogar para se chegar a um entendimento sobre a situação na região. Foi acertado, atendendo a um pedido dos Matis e outros povos do Vale do Javari, uma agenda do presidente e demais representantes da Funai na região, prevista para acontecer em fevereiro próximo, a fim de se estabelecer ações prioritárias, concluir as conversações iniciadas em Brasília e definir encaminhamentos a serem adotados”, disse por meio de nota.
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Disputa de território entre índios no AM alimenta tensão, diz antropólogo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU