25 Janeiro 2016
A “St. John’s Abbey”, ou Abadia de São João, um dos maiores mosteiros beneditinos dos EUA, divulgou mais de 15 mil páginas de documentos na terça-feira (19 de jan.) relacionados a 18 sacerdotes que, segundo se lê, “provavelmente abusaram” sexualmente de menores já nos idos da década de 1960.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 22-01-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Esta revelação é o mais recente capítulo da história marcante da comunidade beneditina de Collegeville, Minnesota, sobre a questão dos abusos sexuais clericais. Da mesma forma como outros documentos semelhantes também tornados públicos, estes fornecem um relato do que a abadia sabia em relação a cada monge – quase a metade deles já estão mortos – e, frequentemente, as tentativas de deslocá-los de lugar em lugar para evitar possíveis ações judiciais e escândalos.
Em um comunicado que acompanha a divulgação dos documentos no sítio MNtransparencyinitiative.com, a abadia ressalta que nenhum incidente de abuso sexual a menores de idade perpetrado por seus monges ocorre há mais de duas décadas.
“A divulgação dos arquivos é um reconhecimento do mal que foi feito (...) Nós, na comunidade monástica, lamentamos a dor e o sofrimento daqueles que foram prejudicados, cujas vidas foram afetadas pela dor que sofreram”, disse o padre beneditino John Klassen, abade da Abadia de São João, no comunicado.
Klassen disse que a divulgação dos documentos cobre todos os monges “que provavelmente cometeram crimes contra menores de idade”, e contesta alegações de outros perpetradores como falsas. A abadia, que preparou a liberação dos documentos com o consentimento dos monges, informa que eles cobrem quase um século.
Essa divulgação documental abre os arquivos dos padres Andre Bennett, Michael Bik, Robert Blumeyer, Cosmas Dahlheimer, Richard Eckroth, Tom Gillespie, Fran Hoefgen, Othmar Hohmann, Dominic Keller, James Kelly, Brennan Maiers, Finian McDonald, Dunstan Moorse, James Phillips, Francisco Schulte, Allen Tarlton, Pirmin Wendt e Bruce Wollmering.
Nenhum dos 18 sacerdotes continuam no ministério público, com oito dos 18 já falecidos. A metade desses oito tinha as suas funções restringidas ou haviam sido destituídos do ministério na época em que morreram, com os outros quatro vindo a falecer no fim da década de 1970 e início dos anos 1980. Dos monges ainda vivos, nove estão destituídos do ministério público (Hoefgen não é mais membro do mosteiro), e um, Phillips, está impedido de suas funções desde 2002. Os monges que ainda residem na abadia estão sob supervisão, lê-se no texto.
A Abadia de São João, construída há 160 anos, localiza-se na Diocese de St. Cloud, Minnesota. Além de abrigar a Imprensa Litúrgica, a Faculdade de Teologia Saint John e o Seminário, o seu terreno de 2.700 acres inclui as séries que vão do 6º ao 12º ano escolar de uma Escola Preparatória e a própria Universidade de Saint John, que em separado se incorporou em 2012.
Nove dos arquivos divulgados já haviam sido tornado públicos pelo escritório Jeff Anderson & Associates como parte de um acordo com a abadia. Foram publicados cinco arquivos em novembro e um semana passada antes de a abadia decidir liberar todos os documentos. O sítio eletrônico da Anderson & Advocates lista os nomes dos 22 monges da abadia, com arquivos extras resultantes de acordos passados com as dioceses do estado do Minnesota.
Os milhares de páginas da abadia – detalhando tudo desde históricos sacramentais e revisões ministeriais até históricos médicos e exames psicológicos, passando por cartas e emails – contêm muitos temas hoje comuns diante da crise de abusos sexuais na Igreja, onde as autoridades nem sempre agem com base nos primeiros indícios, às vezes escondendo-se nas opiniões de peritos, ou nem mesmo ouvem atentamente as recomendações de psicanalistas e psicólogos.
Em alguns casos, sacerdotes com acusações se abuso sexual já conhecidas, seja contra menores de idade, seja com universitários da Universidade de Saint John, puderam continuar viajando para os mosteiros da abadia no exterior, incluindo o Japão e as Bahamas.
Depois que a abadia recebeu uma acusação em 1992 contra o Pe. Finian McDonald feita por um ex-aluno universitário, ela o chamou de volta de seu compromisso no Japão e o mandou para o St. Luke Institute, em Maryland. Aí, ele admitiu nada menos que 15 “contatos sexuais” com estudantes universitários, levando um relatório de avaliação a concluir que o sacerdote representava “um risco moral, jurídico e financeiro muito sério à Ordem Beneditina e à Universidade de Saint John”. Mesmo assim, as viagens ao exterior continuaram enquanto outras acusações chegavam.
“É preocupante que tantos desses monges acusados tiveram autorização para trabalhar em outras paróquias, dioceses e comunidades depois que a Abadia de São João havia recebido relatos de abuso”, disse em um comunicado Mike Finnegan, advogado da Jeff Anderson & Associates.
Patrick Wall, ex-monge na abadia e que agora trabalha no citado escritório, disse ao National Catholic Reporter que os arquivos representam para ele e seus alunos na Universidade de Saint John uma “confirmação e uma afirmação de que não éramos malucos, e que, sim, havia muitos perpetradores no campus”.
A divulgação desses documentos é o mais recente dos últimos anos, que têm visto iniciativas semelhantes por parte de algumas dioceses como forma de se retratar juntos aos sobreviventes. Em novembro de 2014, a Arquidiocese de Chicago divulgou 15 mil páginas de arquivos. Em janeiro de 2013, a Arquidiocese de Los Angeles tornou público também 15 mil páginas de arquivos; outros 68 foram liberados em maio passado. Em maio de 2012, a Província de Santa Bárbara, dos Frades e Irmãos Franciscanos, sediada em Oakland, Califórnia, divulgou 8,500 páginas que documentavam alegações de abuso.
Wall disse que algo que perpassa todas estas liberações de documentos é a descoberta de nomes que, antes, não haviam sido revelados. As primeiras revisões dos documentos da Abadia de São João, feitas pela equipe de Anderson, revelam que esta tendência continua.
O lugar histórico da abadia na crise de abusos sexuais clericais dos EUA é complexo. Em junho de 1985, o local recebeu os bispos do país para um congresso dedicado ao tema dos abusos sexuais infantis cometidos por padres. Oito anos mais tarde, a abadia realizou um outro evento, intitulado “Trauma sexual e a Igreja”, que reuniu importantes especialistas católicos que se dedicam ao assunto, juntamente com ministros de outras igrejas, defensores das vítimas, vítimas de abuso e padres abusadores em recuperação.
Entre os participantes estavam Richard Sipe; o padre jesuíta James Gill, psiquiatra; o Pe. Steve Rossetti, então diretor de pesquisa do St. Luke’s Institute em Maryland; e o Pe. Liam Hoare, da Congregação Servos do Paraclete, que trabalhava no Jemez Springs (centro de tratamento a padres, no Novo México). Dom John Kinney, presidente da Comissão ad hoc para Abusos Sexuais da Conferência Episcopal americana, enviou o Pe. Kevin McDonough, vigário geral da Arquidiocese de St. Paul-Minneapolis, como seu representante.
Ao relatar o encontro para o National Catholic Reporter, Sipe escreveu na época que, no convite, o abade beneditino Timothy Kelly “insistia que queria a verdade; deveríamos resistir a qualquer tentação de meramente reparar a imagem da instituição. Ele e a sua comunidade queriam compreender o escopo, as causas e a natureza do abuso sexual cometido pelo clero, o que tem resultado em traumas à Igreja. Ele queria ação”, escreveu Sipe. Ele esperava que este encontro ‘traga à luz não ideias nebulosas, mas programas concretos em torno dos quais podemos planejar um futuro que permitirá a cura a todos os que estão envolvidos neste problema, que tem trazido muita dor à nossa sociedade’”.
O congresso produziu 40 recomendações, um das quais era a de se tornar “uma câmara de compensação a todas as crenças com relação à questão do abuso clerical”, incluindo o desenvolvimento de protocolos para lidar com acusações. Uma outra recomendação era a de estabelecer um centro de pesquisa, o que foi feito ao se abrir, em 1994, o Interfaith Sexual Trauma Institute.
Na época, a abadia tinha começado a enfrentar acusações contra os seus próprios monges. Ações na justiça, como uma de 1992, acusaram cinco monges de abusos sexuais. Uma década mais tarde, a abadia estabeleceu sanções internas contra uma dúzia de monges.
Nunca na história da abadia, disse Klassen ao National Catholic Reporter em 2002, “nós havíamos tido consciência tão clara da fragilidade da natureza humana e da necessidade de arrependimento, perdão, expiação e renovação”.
Wall, o ex-monge da abadia, disse que esta história é o que faz tal divulgação dos arquivos ser ainda mais desanimadora.
“É por isso que existe um dever mais alto, um padrão mais alto na Universidade de Saint John do que em quase qualquer outro lugar no mundo; pelo menos deveria haver”, disse. “Mas, meu amigo, não é isso o que os documentos mostram”.
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Abusos sexuais na Abadia de St. John revelados em 15 mil páginas de documentos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU